Acórdão nº 369/09 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2009
Magistrado Responsável | Cons. Joaquim de Sousa Ribeiro |
Data da Resolução | 13 de Julho de 2009 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 369/2009
Processo n.º 566/09 (46/PP)
-
Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
-
Susana Augusta de Almeida Barbosa, melhor identificada nos autos, veio requerer, na qualidade de primeira signatária, a inscrição, no registo próprio do Tribunal Constitucional, do partido político denominado Partido da Liberdade, com a sigla PL, ao abrigo do disposto nos artigos 14.º e 15.º da Lei dos Partidos Políticos (Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de Agosto, alterada pela Lei Orgânica n.º 2/2008, de 14 de Maio).
-
O requerimento vem instruído com (i) projecto de Estatutos do Partido da Liberdade; (ii) Programa Político; (iii) sigla e símbolo; (iv) nome completo e assinatura dos subscritores, com indicação do respectivo número de bilhete de identidade e número de cartão de eleitor.
-
O Secretário de Justiça lavrou cota nos autos (fls. 63), informando que se procedeu a exame de toda a documentação apresentada juntamente com o pedido de inscrição do partido político denominado Partido da Liberdade, tendo-se verificado que a inscrição foi requerida por 7.647 cidadãos eleitores.
-
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional pronunciou-se nos seguintes termos:
2. Nos termos do art. 51 nº 1 da Constituição da República Portuguesa, o direito de constituir ou participar em associações e partidos políticos inscreve-se no âmbito da liberdade de associação, a que se reporta igualmente o art. 46 da lei fundamental.
Nessa medida, o art. 4 nº 1 da Lei Orgânica 2/2003, de 22 de Agosto, entretanto alterada pela Lei Orgânica 2/2008, de 14 de Maio, veio prever que é livre e sem dependência de autorização a constituição de um partido político.
No entanto, o nº 2 do mesmo artigo 4 veio acrescentar que os partidos políticos prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas, salvo os controlos jurisdicionais previstos na Constituição e na lei.
3. Por esse motivo, os arts. 14 a 16 da Lei Orgânica 2/2003 (entende-se, aqui, a referida lei na sua actual versão) regulamentam o processo de constituição dos partidos políticos.
A este propósito, o art. 14 do mesmo diploma veio determinar que o reconhecimento, com atribuição de personalidade jurídica, e o início das actividades dos partidos políticos dependem de inscrição no registo existente no Tribunal Constitucional.
4. Ora, a inscrição no registo deste Tribunal pressupõe, desde logo, o pedido nesse sentido formulado por, pelo menos, 7 500 eleitores (cfr. art. 15 nº 1 do diploma citado).
No caso do Partido da Liberdade, em apreciação, o pedido foi formulado por 7 647 cidadãos eleitores, pelo que foi respeitado o requisito atrás indicado.
Em seguida, os requerentes da constituição de novo partido carecem de apresentar o seu pedido por escrito, e fazê-lo acompanhar do projecto de estatutos, da declaração de princípios ou programa político e da denominação, sigla e símbolo do partido (cfr. nº 2 do art. 15 do mesmo diploma).
Tal aconteceu, também, no presente caso.
5. Nessa medida, em termos formais, poder-se-á dizer que os requerentes cumpriram os requisitos atrás indicados, previstos na lei para a constituição de um novo partido político, no presente caso, o Partido da Liberdade.
Será, no entanto, isso suficiente para se proceder, sem mais, à inscrição do novo partido no registo do Tribunal Constitucional?
Julga-se que não!
6. Desde logo, o projecto de Estatutos do novo partido carece de apreciação por parte deste Tribunal.
Estamos, com efeito, no âmbito, como se disse, da liberdade de associação, prevendo, em geral, a lei (cfr. a este propósito o art. 168 nº 2 do Código Civil), que os estatutos das associações sejam sujeitos a um controlo de legalidade por parte do Ministério Público.
Ora, a Lei Orgânica 2/2003 tem uma disposição equivalente no seu art. 16 nº 3, que prevê que a requerimento do Ministério Público, o Tribunal Constitucional pode, a todo o tempo, apreciar e declarar a ilegalidade de qualquer norma dos estatutos dos partidos políticos.
Se assim é, justifica-se, pois, que a apreciação das eventuais ilegalidades seja primacialmente feita, desde logo, em sede de apreciação do projecto de Estatutos de novos partidos políticos.
7. Por outro lado, e também nesta matéria, os nºs 1 e 2 do art. 16 da Lei Orgânica 2/2003 referem:
1. Aceite a inscrição, o Tribunal Constitucional envia extracto da sua decisão, juntamente com os estatutos do partido político, para publicação no Diário da República.
2. Da decisão prevista no número anterior consta a verificação da legalidade por parte do Tribunal Constitucional.
O Tribunal Constitucional carece, pois, de proceder a uma apreciação de legalidade relativamente a qualquer novo partido político que se pretenda constituir, designadamente em termos de apreciação do conteúdo dos respectivos Estatutos.
8. Mas não é só a apreciação da legalidade dos Estatutos de novos partidos que carece de ser feita pelo Tribunal Constitucional.
Importa, com efeito, determinar igualmente, em relação a um novo partido, se:
- o integram cidadãos titulares de direitos políticos (cfr. art. 7 da Lei Orgânica 2/2003);
- se o novo partido não é armado, nem de tipo militar, militarizado ou paramilitar, nem um partido racista ou que perfilhe a ideologia fascista (cfr. art. 8 da Lei Orgânica 2/2003);
- se o novo partido não tem, pela sua designação ou pelos seus objectivos programáticos, índole ou âmbito regional (cfr. art. 51 nº 4 da Const. e art. 9 da Lei Orgânica 2/2003).
9. No caso do Partido da Liberdade, de acordo com a informação prestada pela secção (cfr. fls. 63 do processo), os requerentes apresentaram número de cartão de eleitor, pelo que, em princípio, são cidadãos titulares de direitos políticos.
O novo partido também não aparenta ter, nem pela sua designação, nem pelos seus objectivos programáticos, índole ou âmbito regional (cfr. arts. 2, 8 e segs. e 18 dos Estatutos), embora se afirme como municipalista (cfr. 3.2. Municipalismo do Programa Político fls. 21 e 22 do mesmo Programa).
Por outro lado, da leitura do projecto dos seus Estatutos (cfr. designadamente art. 2), bem como do seu Programa Político (cfr. Nota Introdutória, bem como o nº 1 - Nacionalismo - fls. 3 a 9 do mesmo Programa e o nº 2 A Constituição fls. 12 a 18 do referido Programa), não decorre que o novo partido seja um partido armado, nem de tipo militar, militarizado ou paramilitar, ou que perfilhe, necessariamente, a ideologia fascista.
10. Já relativamente, porém, à apreciação do facto de o Partido da Liberdade poder ser, ou não, considerado um partido racista, se crê de usar de maior prudência, em face do disposto no nº 1.1.2. do Programa Político (cfr. fls. 4 do mesmo Programa):
1.1.2. Etnia
Consideramos como etnicamente identificativo do Povo Português a Ascendência Portuguesa, o nascimento em Território Português, a utilização do Idioma Português como Língua Mãe, o culto da História Pátria, e a afinidade com a Cultura e as Tradições, nomeadamente as Religiosas.
O PL proporá:
A adopção, a interiorização e a divulgação do conceito de etnia, por conveniente no vínculo com a Pátria;
Considerar muito relevante o presente conceito de etnia na atribuição da nacionalidade.
11. Sobretudo se se atentar no que, mais adiante, se escreve, por exemplo, em matéria de 2.5. Nacionalidade (cfr. fls. 17 e 18 do Programa):
Consideramos Português todo aquele que nasceu em território português, filho de pais portugueses.
O PL proporá:
O jus sanguinis como principal critério da nacionalidade;
.
A regulamentação, muitíssimo criteriosa, da aquisição da nacionalidade, enfatizando eventuais serviços relevantes prestados a Portugal;
A rejeição da aquisição da nacionalidade pelo casamento ou união de facto, e por simples permanência.
12. Ou o que se escreve, igualmente, em matéria de 4.14. Migrações (fls. 36 e 37 do Programa):
O PL proporá, entre outras, as seguintes medidas:
Regulamentar, reduzindo-o, o reagrupamento familiar e estabelecer um regime de contratos de trabalho para imigrantes trabalhadores não especializados, que tipifique o regresso;
Expulsar efectivamente os estrangeiros em situação ilegal ou que, mesmo legais, tenham sido condenados por actos criminosos;
Estabelecer, como condição para o exercício de qualquer actividade de estrangeiros, a aceitação dos nossos usos e costumes e o respeito pelas nossas tradições e religião.
13. Face às citações, atrás feitas, do Programa do Partido da Liberdade, julga-se que o novo partido estará numa zona de perigosa proximidade com os partidos que abertamente advogam a supremacia de uma raça sobre outra.
O que implica, nessa medida, particular ponderação na apreciação do requisito de se não tratar de um partido (potencialmente) racista, condição essencial para a sua inscrição no registo do Tribunal Constitucional (cfr. a este propósito o art. 8 da Lei Orgânica 2/2003, bem como a cominação prevista no art. 18 nº 1 alínea a) do mesmo diploma).
14. Para além dos requisitos atrás enunciados, importa, todavia, igualmente acautelar, quanto ao Partido da Liberdade, que:
- o novo partido não tenha uma denominação, uma sigla e um símbolo idênticos ou semelhantes ao de outro já constituído (cfr. art. 12 nº 1 da Lei Orgânica 2/2003);
- a sua denominação se não baseie no nome de uma pessoa, nem contenha expressões directamente relacionadas com qualquer religião ou com qualquer instituição nacional (cfr. art. 51 nº 3 da Const. e art. 12 nº 2 da Lei Orgânica 2/2003);
- o seu símbolo não possa confundir-se ou ter relação gráfica ou fonética com símbolos e emblemas nacionais, nem com imagens e símbolos religiosos (cfr. art. 51 nº 3 da Const. e art. 12 nº 3 da Lei Orgânica 2/2003).
Ora, julga-se que quer a denominação, quer a sigla, quer o símbolo do novo Partido da Liberdade se não encontram nas situações atrás descritas, pelo que poderiam ser, eventualmente...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO