Acórdão nº 586/05.3TAACB- C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Junho de 2009

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução24 de Junho de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – RELATÓRIO Nos presentes autos o arguido A..., natural da freguesia de V… do concelho de Alcobaça, casado, pedreiro, residente em França, foi acusado pelo MP e pelo assistente J..., da prática em autoria material de um crime de Burla Qualificada, previsto e punível pelos art.ºs 202.º, alínea a), 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, do Código Penal e, apenas na Acusação Pública, da prática, em concurso real com aquele crime, de um crime de Falsidade de Depoimento ou Declaração, previsto e punível pelo art.º 359.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal.

Efectuado o julgamento, por sentença proferida em 7 de Maio de 2008 foram as acusações julgadas improcedentes, por não provadas e, em consequência, o arguido absolvido da prática do crime de burla qualificada, previsto e punível pelos art.ºs 202.º, alínea a), 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, do Código Penal e do crime de falsidade de depoimento ou declaração, previsto e punível pelo art.º 359.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal, pelos quais vinha acusado em autoria material e em concurso real.

Mais foi decidido julgar improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil e, em consequência, absolvido o arguido do pedido contra si deduzido pelos demandantes J... e S....

* Inconformado, com esta decisão, o assistente interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões: “1.ª Do conjunto dos factos provados elencados de 1 a 27, necessariamente interpretados à luz das regras da experiência e do senso comum, resulta factualidade mais que suficiente para conduzir à procedência da acusação e à condenação do Arguido pela prática do crime de burla qualificada, p. e p. pelo nº1 do artigo 218º e nº 1 do artigo 217º, do Código Penal por reporte ao artigo 202.º alínea a) do mesmo diploma.

  1. Do conjunto dos factos provados elencados de 1. a 33. existe manifesta contradição entre os factos consignados nos pontos 5., 6., e 7, uma vez que, o Tribunal “a quo” dá como provado que a sociedade de que o Arguido era gerente declarou vender, por seu intermédio, o veículo de marca “Mitsubishi” e o ora Recorrente e sua mulher declararam comprar-lho, pelo preço de 2.800.000$00 (cfr. ponto 5.), para imediatamente a seguir dar, igualmente, como matéria assente que o ora Recorrente e sua mulher entregaram ao Arguido como forma de pagamento de parte do preço acordado, o veículo de marca “Peugeot”, modelo 504 (cfr. ponto 6.) e, por fim, dar como igualmente provado que para pagamento do remanescente do preço acordado para a compra da viatura o ora Recorrente e sua mulher recorreram ao crédito, tendo celebrado um contrato de mútuo com a sociedade financeira “MC… Sociedade Financeira para Aquisição a Crédito, S.A.”, nos termos do qual esta lhes emprestou a quantia de 2.800.000$00 e entregou esse montante à sociedade da qual o Arguido era gerente (cfr. ponto 7.).

  2. Ora, como é bem de ver, se conforme resulta provado no ponto 7. o Arguido recebeu para pagamento do remanescente do preço acordado para a compra do veículo “sub judice” a quantia de 2.800.000$00, proveniente do contrato de mútuo que o ora Recorrente e a mulher haviam celebrado com a sociedade financeira “MC... Sociedade Financeira para Aquisição a Crédito, S.A.”, nunca poderia aceitar-se como matéria assente (ponto 5. dos factos provados) que o preço acordado pela compra do dito veículo tivesse sido, somente, os 2.800.000$00.

  3. O Tribunal “a quo” ao dar como provado que o pagamento do remanescente do preço foi efectuado com os 2.800.000$00 proveniente do supra referenciado contrato de mútuo, não podia ao mesmo tempo dar como provado no ponto 5. que a venda do veículo foi efectuada pelo preço de 2.800.000$00.

  4. Forçoso é, pois, concluir que a venda do veículo “sub judice” foi efectuada por valor superior, como, aliás, resulta implícito da matéria dada como provada pela Meritíssima Juíza “a quo”no ponto 6. ao aceitar, como facto assente, que o ora Recorrente e a mulher para além dos 2.800.000$00 entregaram, ainda, ao Arguido como forma de pagamento de parte do preço acordado, o veículo marca “Peugeot”, que possuíam.

  5. Esta contradição, incidindo sobre factos e factualidade que tem grande influência na decisão da causa, teve relevância na convicção do Tribunal e, consequentemente, na decisão recorrida, tendo seguramente, sido em sentido favorável ao Arguido quando deveria ter sido contra o Arguido.

  6. Do conjunto dos factos provados elencados de 1. a 33. verifica-se a existência de contradição entre os factos provados consignados sob os pontos 8., 9., 11., 12. e 15. e os factos não provados vertidos no ponto 39.

  7. Nos pontos 8., 9., 11., 12. e 15. dos factos provados, resulta como matéria dada como assente pelo Tribunal “a quo” que o Arguido comprometeu-se perante o ora Recorrente e sua mulher entregar-lhes posteriormente o livrete e título de registo de propriedade do veículo “sub judice”, sem nunca lhes referir que sobre essa viatura incidia um ónus de reserva de propriedade (cfr. ponto 8. dos factos provados), tendo-lhes, ainda, entregue a declaração junta aos autos a fls. 10 nos termos da qual declara que a sociedade de que era gerente lhes havia vendido o veículo “sub judice” (cfr. ponto 9. dos factos provados) e o Arguido fê-lo, bem sabendo que o veículo não era pertença da sociedade de que era gerente, dado que impendia sobre o mesmo o ónus de reserva de propriedade a favor do “BM..., S.A.” (cfr. ponto 11. dos factos provados).

  8. O Arguido ao agir desta forma e ao entregar ao ora Recorrente a declaração referenciada na precedente clausula 8.ª pretendeu e conseguiu fazer crer a J... e a S... que quem lhes vendia o veículo “sub judice” era a sociedade da qual era gerente, livre de ónus e encargos, assegurando-lhes que posteriormente lhes enviaria a respectiva documentação, facto do qual o ora Recorrente e mulher ficaram convencidos e só por isso, aceitaram comprar-lhe a viatura (cfr. ponto 12. dos factos provados).

  9. Conforme resulta da matéria dada como provada o Arguido sabia que o ora Recorrente e a sua mulher não teriam adquirido a viatura se soubessem que sobre a mesma já incidia uma reserva de propriedade, e que não lhes seria entregue toda a documentação legalmente exigível para a sua circulação (cfr. ponto 15. dos factos provados), não obstante, a Meritíssima Juíza “a quo” não dá como provado que o Arguido tenha actuado de forma deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram censuradas, proibidas e punidas por lei (cfr. ponto 39. dos factos não provados).

  10. Assim, tendo a Meritíssima Juíza “a quo” dado como provados os factos vertidos nos pontos 8., 9., 11., 12. e 15., só por incorrecta apreciação dos factos, especiais e concretas circunstâncias em que os mesmos ocorreram se pode conceber que tenha dado como não provados os factos referidos sob o ponto 39.

  11. O resultado típico do crime de burla é o empobrecimento do sujeito passivo, através do comportamento astucioso do arguido, sendo que com ele o crime se consuma.

  12. Sendo o momento da consumação deste crime aquele em que o lesado abra mão da coisa ou do valor sem que a partir daí se possa controlar o seu destino, então já sem disponibilidade sobre esse património, como é entendimento jurisprudencial.

  13. Forçoso é concluir-se que o douto Tribunal “a quo” não analisou nem valorou correctamente toda a factualidade e circunstancialismo do caso concreto que os próprios autos revelam, não tendo aplicado na análise e julgamento da mesma factualidade, as regras ditadas pela experiência e senso comum, as quais, necessariamente imporiam decisão bem diferente da recorrida.

  14. Há contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova, vícios previstos nas alíneas b) e c) do n.º 2 artigo 410.º do Código Penal, pelo que o Tribunal de recurso deverá reenviar o processo para novo julgamento caso não seja possível decidir da causa. Sendo possível decidir da causa, mercê dos elementos que constam no processo e da possibilidade que a lei lhe confere de poder modificar a decisão da matéria de facto, se do processo constarem os necessários elementos que a tal o habilitem, o reenvio não deve ser accionado.

  15. Na douta sentença recorrida existem pontos que o Recorrente considera incorrectamente julgados e que no seu entender impõem decisão diversa da recorrida, que se passam a enumerar.

  16. Ponto n.º 1. dos Factos provados - das declarações do próprio Arguido resulta provado que o Arguido comprou a E... o veículo automóvel “sub judice” por um valor situado entre os 1.500.000$00 e 1.600.000$00.

    É, aliás, o próprio Arguido que no seu depoimento o afirma, repetidamente, que o valor que pagou a E... pelo veículo “sub judice” foi na casa dos 1.500.000$00/1.600.000$00.

  17. Ponto n.º 5. dos Factos provados - analisando o depoimento do Assistente/Demandante, ora Recorrente e da sua mulher, Demandante Cível resulta provado que o preço pelo qual o Arguido declarou vender e o ora Recorrente e a sua mulher declaram comprar-lhe o veículo automóvel “sub judice” foi 3.200.000$00 pago através da entrega ao Arguido, como retoma, do veículo automóvel marca “Peugeot” modelo 504, que possuíam e ao qual foi atribuído o valor de 400.000$00 e da entrega ao Arguido, para pagamento do remanescente do preço, ainda, de mais 2.800.000$00, quantia esta proveniente do contrato de mútuo que o ora Recorrente e a mulher haviam celebrado com a sociedade financeira “MC... Sociedade Financeira para Aquisição a Crédito, S.A.”e que, aliás, o próprio Tribunal “a quo” dá como facto provado (cfr. ponto 7. dos Factos Provados).

  18. Ponto n.º 6. in fine dos Factos provados e ponto n.º 40. dos Factos não provados - com base na análise do depoimento do Assistente/Demandante, ora Recorrente e da sua mulher, Demandante Cível resulta provado, conforme se disse anteriormente, que ao veículo marca “Peugeot”que possuíam e deram ao Arguido, como retoma, foi atribuído o valor de 400.000$00.

  19. Ponto n.º 14. dos Factos provados e n.º 35. dos Factos não provados - atendendo aos depoimentos dos ora...

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