Acórdão nº 1000/06.2TBCNT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Junho de 2009

Data23 Junho 2009
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I - A Causa 1. A...

, nascida a 19/02/1949 (A. e no presente recurso Agravada), intentou, em 19/07/2006, a presente acção declarativa de condenação, seguindo a forma de processo ordinário e visando a investigação da respectiva paternidade (facto omisso no seu assento de nascimento, como se alcança de fls. 21), dirigindo-a contra B...

(R., na dialéctica da acção apresentado como pretenso pai), invocando ser filha deste e pedindo o reconhecimento judicial de tal situação, alegando, além da filiação biológica, enquanto presunção desse facto, a verificação cumulativa das situações de "posse de estado" e de "sedução", previstas, respectivamente, nas alíneas a) e d) do nº 1 do artigo 1871º do Código Civil (CC)[1].

1.1.

O R. foi pessoalmente citado (v. fls. 27) e veio a contestar, em 23/10/2006 (fls. 29/33 vº), negando em absoluto ser o pai da A.

[2] e impugnando todos os factos-base invocados por esta enquanto suporte das presunções de paternidade que indicou no seu articulado inicial[3].

1.1.1.

Entretanto, em 02/11/2006, ocorreu o decesso do A. (v. documento de fls. 42 e a comunicação do seu Mandatário a fls. 41), situação que motivou a suspensão da instância (fls. 51) e a dedução pela A. do incidente de habilitação de herdeiros, consubstanciado no apenso A, culminando este com a prolação da Sentença de fls. 18/20 desse apenso, a qual habilitou a prosseguir na acção em substituição do R. os seus dois filhos C...

e D...

(Habilitados, os quais ocupam neste recurso a posição de Agravantes). E, com efeito, no presente processo, juntaram os Habilitados procuração passada em favor do Exmo. Mandatário subscritor da contestação apresentada pelo seu pai (fls. 68/69), prosseguindo na acção.

1.2.

Atingiram os autos, assim, a fase de condensação, na qual foram os diversos pressupostos processuais objecto de apreciação tabeliónica (fls. 73) e elaboradas as peças condensatórias (factos provados e base instrutória) de fls. 73/76.

1.3.

Na fase de julgamento, no início da primeira sessão da audiência documentada na acta de fls. 175/176, foi suscitada pelo Exmo. Juiz, aludindo à posição da A. expressa no seu articulado inicial (consubstanciada no artigo 28º transcrito na nota 2 deste Acórdão), a questão da realização de exames de sangue ou ADN, instando as partes, designadamente os Habilitados, a pronunciarem-se sobre essa questão, não equacionada na fase de instrução do processo. A tal respeito, recolhe a acta, desde logo, a seguinte afirmação dos Habilitados: "[...] Pelos habilitados do R. foi dito, neste acto, que ocorreu cremação do R. num dos dias subsequentes ao seu óbito.

[...]" [transcrição de fls. 175] E regista a mesma acta a seguinte tomada de posição por banda da A.: "[...] Face à impossibilidade dos testes pedidos, entre a A. e o R., já falecido (pois as cinzas não contêm elementos de ADN necessários), requer, assim, a A., que os referidos testes sejam realizados, caso o Tribunal o permita, através da recolha dos mesmos elementos entre a A. e os ora Habilitados, sendo que se considera que a existência de tais elementos são essenciais antes da audição de qualquer testemunha, para a descoberta da verdade material.

[...]" [transcrição de fls. 175] Reservando-se os Habilitados uma posterior tomada de posição (o que motivou a não continuação da audiência, v. fls. 176), viriam a fazê-lo, através do requerimento de fls. 180/182, concluindo este com as duas afirmações que aqui se transcrevem: "[...] 5 - Em conclusão existe um manifesto abuso de direito quer na interposição da acção, quer no requerimento agora formulado pela A., que mais não representa do que um «autêntico tiro no escuro».

6 - Face ao exposto, o requerimento da A. deve ser indeferido, até porque se alguma justificação e oportunidade o exame pudesse ter, seria após a produção de toda a prova testemunhal, para eliminar alguma possível dúvida. É que, a provar-se na audiência de julgamento que a mãe da A. tinha uma vida sexual livre, com diversos homens simultaneamente, e concretamente com os irmãos e os tios do investigado, qual o interesse e o contributo do exame requerido?! [...]" [transcrição de fls. 181vº/182] No mesmo requerimento, antecedendo estas duas conclusões, no contexto da afirmação pretérita do R. na contestação, reproduzida neste Acórdão na nota 3, supra, de que a mãe da A. teria mantido relações sexuais com dois irmãos e tios daquele (do R.), contestam a relevância, para o efeito de prova da paternidade aqui apreciada, de possíveis testes de ADN, envolvendo a A. e os Habilitados, juntando a fls. 185/186 um "parecer pericial" por eles solicitado, elaborado no IPATIMUP (acrónimo de Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto)[4].

Suscitou este requerimento dos Habilitados a formulação pelo Tribunal (concretamente pelo Exmo. Juiz de julgamento) do pedido de esclarecimento indicado a fls. 191, ao Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), mostrando-se a resposta deste organismo junta a fls. 193[5].

1.4.

Surge, então, o despacho de fls. 197/198vº - constitui este o despacho objecto do presente agravo - cujo pronunciamento decisório que ora nos interessa é o seguinte: "[...] [A]o abrigo do artigo 519º do Código de Processo Civil, determina-se a realização dos exames científicos requeridos a fls. 175 destes autos pela A. [...] (através da recolha a esta mesma demandante e aos RR./Habilitados [...] dos elementos tidos por cientificamente necessários).

[...]" [transcrição de fls. 198vº] Justifica-se o Tribunal numa série de considerações, nas quais avulta, à laia de conclusão, a seguinte: "[...] [E]stando em causa, nos presentes autos (e para o que ora nos importa), a mobilização de meios científicos de prova - e em nome do princípio básico de que a todo o indivíduo assiste o direito, sendo tal possível, a ver legalmente estabelecidos e reconhecidos os seus vínculos biológicos -, torna-se bastante importante tentarmos a realização dos exames pretendidos pela demandante [tanto mais que, conforme informação prestada pelo Instituto de Medicina Legal, a fls. 193, «(...) nas perícias de investigação da paternidade biológica com recurso a familiares, os valores de probabilidade alcançados irão depender quer do grau de parentesco relativamente ao pretenso pai, quer dos perfis genéticos que cada um destes familiares tem»].

Se tais exames se revelarem inconclusivos (ou, ao invés, conclusivos em um dos sentidos propugnados pelas partes na acção...), bom, essa será uma contingência sempre inerente a qualquer causa judicial... [...]" [transcrição de fls. 198vº] 1.5.

Inconformados, interpuseram os Habilitados o presente recurso de agravo (requerimento de fls. 202/203) pedindo a subida imediata e a fixação de efeito suspensivo ao mesmo, pretensões que foram atendidas no despacho de admissão de fls. 237/238.

Apresentaram os Habilitados/Agravantes a fls. 242/254 as respectivas alegações, rematando-as com as seguintes conclusões: "[...] 1ª - O presente recurso versa sobre o douto despacho que, deferindo o requerimento da A. apresentado no início da audiência de julgamento, ordenou a realização dos exames científicos, através da recolha à A. e aos RR. habilitados dos elementos biológicos necessários com vista a estabelecer a identificação biológica de filiação (paternidade) daquela; 2ª - A presente acção baseia-se na presunção legal advinda da posse de estado e no facto naturalístico da procriação biológica, pelo que o exame apenas se destinaria à prova deste último; 3ª - Encontra-se documentalmente provado nos autos que a mãe da A., permanecendo sempre no estado de solteira, teve cinco filhas todas registadas com omissão da respectiva paternidade; 4ª - Está também alegado pelo R. inicial da acção que a mãe da A. fazia vida sexual livre, ou seja, com os homens que a procuravam para satisfazer os seus apetites sexuais, nomeadamente com dois irmãos e dois tios do próprio R., nomeadamente nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento da A.; 5ª - Alegou ainda o R. que a A. instaurou a presente acção com objectivos meramente económicos, pois durante toda a sua vida e até 2004, já com 57 anos de idade, nunca visitou, telefonou ou escreveu àquele pretenso pai, apenas o tendo visitado uma vez em 2004 e duas vezes em 2006, para lhe pedir dinheiro, um terreno ou uma casa, encontrando-se o R. já muito doente, com alterações de memória e períodos de confusão mental; 6ª - O Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto emitiu parecer no sentido de, face à ausência de material biológico do pretenso pai, ser impossível estabelecer através de perícia genética a sua paternidade relativamente à A., adiantando que apenas se poderá estabelecer probabilisticamente o parentesco entre familiares sobrevivos do pretenso pai, podendo contudo suceder que, caso o verdadeiro pai da A. seja parente próximo daquele pretenso pai, o resultado obtido corresponda a uma sobre-estima do verdadeiro valor da probabilidade pretendida. Ou seja, o resultado obtido pode falsamente apontar o R. inicial como provável pai da A. caso o verdadeiro pai desta seja um parente próximo daquele R., pelo que nesta situação se imporia também um exame genético aos parentes próximos daqueles irmãos e tios do R., por estes já terem falecido.

  1. - O INML confirma também a tese expendida no parecer do IPATIMUP, não se tendo, contudo, pronunciado sobre a hipótese de o verdadeiro pai da A. ser um parente próximo do R., uma vez que tal hipótese não lhe foi colocada; 8ª - O douto despacho recorrido perante a factualidade exposta entendeu, por um lado, que a realização dos exames científicos ordenados não violam o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar dos RR. Habilitados, nem o direito à sua integridade física e moral, a não ser no caso de «manietação» dos RR. tendente à realização daqueles exames. Por outro lado, entendeu que no caso de os resultados se virem a apresentar...

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