Acórdão nº 302/09 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Junho de 2009

Data22 Junho 2009
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 302/2009

Processo n.º 1029/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

A – Relatório

1 – O Ministério Público, junto do Tribunal de Trabalho de Lisboa, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), pretendendo ver sindicada a constitucionalidade da norma do artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 231/2005, de 29 de Dezembro, cuja aplicação foi recusada, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica (artigo 165.º, n.º 1, alínea t), da Constituição) e material (artigo 53.º da Constituição), por sentença daquele tribunal de 28 de Julho de 2007.

2 – Na parte pertinente ao recurso, tem a decisão recorrida o seguinte teor:

“(...)

4 - Da extinção da ACACSA e do seu reflexo nos contratos individuais de trabalho dos AA.

A questão nuclear a apreciar e decidir nestes autos reside em determinar se é lícita a cessação dos contratos de trabalho dos AA..

A ACACSA (Agência do Controle das Ajudas Comunitárias ao sector do Azeite) foi criada pelo DL nº 259/87, de 26/06. Como se lê na exposição de motivos deste diploma, esta agência foi criada para “dar execução prática ao imperativo legal constante do nº 1 do artigo 1º do Regulamento (CEE) nº 2262/84 do Conselho de 17 de Julho de 1984”, que “veio determinar a criação, em cada Estado membro, de uma “agência” destinada a assegurar a aplicação correcta do regime da ajuda à produção do azeite, bem como exercer outras acções no âmbito deste sector”.

Posteriormente o DL nº 259/87 veio a ser revogado pelo DL nº 70/89, de 02/03, o qual, nas palavras do legislador, procurou “proceder à adequação normativa necessária, com o fim de dotar a Agência da autonomia prevista na citada legislação comunitária: autonomia de funcionamento, de realização de despesas, e de recrutamento de pessoal (…).”

A ACACSA veio a ser extinta pelo DL nº 231/2005, de 29/12. As razões da extinção desta agência são apontadas no preâmbulo do diploma, nos seguintes termos:

“A reforma da Política Agrícola Comum (PAC) veio alterar as bases para as ajudas directas à produção, concedidas aos agricultores ou às associações de produtores, eliminando-as progressivamente e dissociando-as da produção, tendo o Regulamento (CE) nº 865/2004, do Conselho, de 29 de Abril, formalizado o desligamento das ajudas à produção, no âmbito da organização comum do de mercado (COM) no sector do azeite, pelo que se torna desnecessária a manutenção daquela estrutura específica.

Nessa perspectiva, procede-se à extinção e liquidação da ACACSA, assegurando, porém, que, no futuro, o acompanhamento do pagamento único por exploração e a ajuda à manutenção do olival sejam levados a efeito pelos organismos nacionais já existentes, centralizadores da execução dos apoios nacionais e comunitários ao sector agrícola.”

Assim, o art. 1º deste diploma declara a extinção da ACACSA, enquanto que o art. 2º, sob a epígrafe “sucessão nas atribuições” estabelece nº seu nº 1 que “as atribuições da ACACSA relativas ao regime específico dos apoios comunitários ao sector do azeite passam a ser prosseguidas pelo Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP) e pelo Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola (INGA), segundo a competência dos respectivos órgãos”, ao passo que o nº 2 dispõe que “as atribuições de fiscalização dos lagares de azeite, bem como o destino do azeite obtido da azeitona laborada e seus subprodutos, passam a ser prosseguidas pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE)”.

As consequências da extinção desta Agência relativamente ao seu pessoal acham-se reguladas no art. 3º deste diploma, que estabelece o seguinte:

“1 – A transição dos funcionários e agentes da ACACSA para o IFADAP E O INGA faz-se nos termos do Decreto-Lei nº 193/2002, de 25 de Setembro.

2 – Nos termos dos artigos 16º e 17º do regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública, aprovado pela Lei nº 23/2004, de 22 de Junho, a extinção da ACACSA determina a caducidade dos contratos de trabalho por esta celebrados, com excepção dos contratos transferidos para o IFADAP, INGA e ASAE, os quais se poderão transmitir, na medida das necessidades destas entidades, mediante acordo dos trabalhadores.

3 - Os contratos individuais de trabalho dos trabalhadores da ACACSA que transitem para os serviços e organismos a que se refere o número anterior mantêm a sua validade sem perda de quaisquer direitos, incluindo os que decorrem da antiguidade.

4 – As transições a que se refere o presente artigo têm lugar por lista nominativa a homologar pelo Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.”

Da análise deste art. 3º resulta que a extinção da ACACSA não tem por consequência a extinção dos contratos individuais de trabalho de todos os trabalhadores da referida agência, mas apenas daqueles cujos contratos não se transfiram para o IFADAP, o INGA e a ASAE, na medida das necessidades destes organismos, e mediante acordo com os trabalhadores a transferir.

Esta disposição veio contudo derrogar o regime decorrente dos arts. 16º e 17º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho na Função Pública, aprovado pela Lei nº 23/2004, de 22/06[1].

Com efeito, estabelece o art. 17º deste diploma que “A extinção da pessoa colectiva pública a que o trabalhador pertence determina a caducidade dos contratos de trabalho, salvo se se verificar a situação prevista no artigo anterior”. E o art. 16º, no seu nº 1 estatui que “Os contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas transmitem-se aos sujeitos que venham a prosseguir as respectivas atribuições, haja ou não extinção da pessoa colectiva pública, nos termos previstos no Código do trabalho para a transmissão da empresa ou estabelecimento.”

Já o nº 3 deste último preceito dispõe que “No caso de transferência ou delegação de parte das atribuições da pessoa colectiva pública para outras entidades apenas se transmitem os contratos de trabalho afectos às actividades respectivas”.

Destas disposições legais resulta, pois que sempre que uma entidade pública seja extinta, os contratos de trabalho do seu pessoal caducam, a menos que as suas atribuições passem para outros organismos, caso em que tais contratos se transmitirão, nos termos previstos no Código do Trabalho para a transmissão da empresa ou estabelecimento, e na medida das atribuições transmitidas.

O art. 3º do DL 231/2005 derroga estas disposições da LCTFP porque apesar de o art. 2º do mesmo diploma determinar expressamente que as atribuições da ACACSA passam a ser prosseguidas pelo o IFADAP, o INGA e a ASAE, vem estabelecer que a transmissão dos contratos de trabalho do pessoal da ACACSA para o IFADAP INGA e ASAE se faz apenas “na medida das necessidades destas entidades”, restringindo, pois, o critério que resulta do art. 16º da LCTFP em função do crivo das necessidades de pessoal destas entidades.

Em nosso entender tal restrição redundam em flagrante inconstitucionalidade, quer material, quer formal ou orgânica.

Com efeito, nos termos do disposto no art. 165º, al. t), da Constituição da República, as “bases do regime e âmbito da função pública” constituem matéria da competência relativa da Assembleia da República, pelo que só mediante autorização legislativa poderá o Governo legislar nesta matéria, através de Decreto-Lei.

O conceito de “função pública” constante desta norma constitucional abrange todas as formas de emprego público, e portanto também o regime jurídico do contrato individual de trabalho na função pública.

Ora, o mencionado DL n.º 231/2005 não foi precedido de Lei de autorização legislativa que habilitasse o Governo a derrogar os mencionados arts. 16º e 17º da Lei 23/2004.

Daí que se entenda que o nº 2 do art. 3º do referido Decreto-Lei, na parte em que restringe a aplicação do art. 16º em função das necessidades destas entidades é inconstitucional.

Por outro lado, a mesma norma é também materialmente inconstitucional, por violação do princípio constitucional da segurança no emprego, consagrado no art. 53º da Constituição da República, porquanto permite a extinção de...

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