Acórdão nº 85/16 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Fevereiro de 2016
Magistrado Responsável | Cons. João Cura Mariano |
Data da Resolução | 04 de Fevereiro de 2016 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 85/2016
Processo n.º 762/15
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Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
O Ministério Público instaurou no Tribunal do Trabalho do Porto ação declarativa de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra A., S.A., pedindo que fosse reconhecido que o contrato celebrado a 19 de março de 2014 entre a Ré e o trabalhador B. consiste num verdadeiro contrato de trabalho, enquadrável no conceito definido no artigo 12.º do Código do Trabalho.
Após redistribuição dos autos ao Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Instância Central – 1.ª Secção do Trabalho – Juiz 1, no início da audiência de partes, ocorrida a 19 de novembro de 2014, B. e a Ré firmaram acordo no sentido de que o contrato em causa nos autos consubstancia um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho, tendo o Ministério Público declarado expressamente a sua oposição a tal acordo.
Nessa sequência, foi proferida sentença, exarada em ata, nos termos da qual se entendeu que a matéria não tem natureza de direito indisponível e, julgando o acordo celebrado válido, quer objetiva, quer subjetivamente, se procedeu à sua homologação, absolvendo a Ré do pedido.
Inconformado, o Ministério Público recorreu desta sentença para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 26 de maio de 2015, concedeu provimento ao recurso e revogou a decisão recorrida, ordenando o prosseguimento dos autos.
Recorreu então a Ré para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
“…Normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie
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O presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade é interposto ao abrigo do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, por entender a Recorrente que o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão proferido nestes autos a 26.05.2015, interpretou e aplicou preceito legal em sentido desconforme à Constituição.
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O preceito legal onde se encontra vertida a norma jurídica, cuja conformidade constitucional a Recorrente pretende ver apreciada, é o artigo 186.º-O, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT), introduzido pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, que aprovou a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
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A dimensão normativa extraída do referido preceito legal, cuja conformidade constitucional se pretende ver apreciada, é aquela que resulta da interpretação do aludido preceito no sentido de não ser permitido aos putativos trabalhador e empregador dispor do objeto do litígio, acordando, em sede de audiência de partes, que a relação jurídica existente entre ambos é de prestação de serviços,
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Donde se extrai que ao Ministério Público é reconhecido direito autónomo de prosseguimento da ação, alheio e contrário aos interesses privados que estão na origem da celebração do contrato sujeito a qualificação e, bem assim, à posição assumida pelos putativos trabalhador e empregador na referida audiência de partes.
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É inequívoco que o Acórdão recorrido aplicou a norma extraída da disposição legal citada no sentido assinalado, enfrentando diretamente a questão de (in)constitucionalidade em termos que se reputam incorretos.
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Fê-lo ao decidir que na tentativa de conciliação prevista no artigo 186.º-O, n.º 1 do CPT não é permitido ao putativo empregador dispor do objeto do litígio, por estarem alegadamente em causa na ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a que se reporta a Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, interesses públicos e não apenas interesses privados dos titulares da relação contratual em causa e por esta ação ter sido interposta pelo Ministério Público, assumindo este a posição de autor,
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Decidindo, por isso, que não é passível de homologação a transação em que os contraentes da relação material controvertida acordam em que esta consubstancia contrato de prestação de serviços,
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Donde resulta que o Ministério Público pode prosseguir ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho (ação de simples apreciação positiva que se limita a declarar a existência de direito ou facto jurídico), em oposição à vontade e interesse livremente manifestada pelos titulares da relação jurídica em discussão, na audiência de partes prevista no artigo 186.º-O, n.º 1 do CPT.
Normas e princípios constitucionais que se considera terem sido violados
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A norma jurídica constante do artigo 186.º-O, n.º 1, do CPT, interpretada e aplicada no sentido explicitado nos pontos 3 a 5 supra, adotado pelo Acórdão recorrido, viola os princípios da liberdade de escolha do género de trabalho e do direito de ação, previstos, respetivamente, nos artigos 47.º/1 e 20.º/1 e 4 da Constituição da República e, bem assim, os princípios da igualdade e do direito a processo equitativo, previstos respetivamente nos artigos 13.º/1 e 20.º/4 da Constituição, porquanto tal interpretação determina que não esteja na disponibilidade dos sujeitos da relação material controvertida transigir, em sede de audiência de partes, no sentido de que esta relação é de prestação de serviços, pondo, assim, termo ao processo e, bem assim, que se reconheça ao Ministério Público direito autónomo de prosseguimento da ação, alheio e contrário aos interesses privados que estão na origem da celebração do contrato sujeito a qualificação (infringindo os valores da autonomia privada e da liberdade contratual, acolhidos no artigo 405.º do Código Civil), donde resulta que pode ser declarada a existência de contrato (in casu, de trabalho) sem vontade de nenhum dos contraentes, interpretação que não respeita o sentido do texto legislativo, sendo incoerente com as soluções previstas pelo sistema jurídico para situações semelhantes e conduzindo a resultados distintos para pretensões iguais, sem justificação adequada.
Peças processuais em que foi suscitada a questão de (in)constitucionalidade
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A questão de (in)constitucionalidade referida supra foi suscitada na contestação apresentada pela ora Recorrente, enquanto exceção inominada de inconstitucionalidade (pontos 1 a 3 da matéria de Direito), bem como nas contra-alegações do recurso de apelação nas pp. 12 e 25, e ainda nas Conclusões 10.ª e 22.ª dessa peça processual.”
A Recorrente apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
1.º O presente recurso tem por objeto o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de maio de 2015, que interpretou e aplicou a norma jurídica contida no artigo 186.º-O, n.º 1, do CPT, em violação dos princípios da liberdade de escolha do género de trabalho e do direito de ação e, bem assim, dos princípios da igualdade e do direito a processo equitativo.
2.º A dimensão normativa extraída do referido preceito legal, cuja conformidade constitucional se pretende ver apreciada, é aquela que resulta da interpretação do mesmo no sentido de não ser permitido aos putativos trabalhador e empregador dispor do objeto do litígio, acordando em sede de audiência de partes que a relação jurídica existente entre ambos é de prestação de serviços, donde resulta que ao Ministério Público é reconhecido direito autónomo de prosseguimento da ação, alheio e contrário aos interesses privados que estão na origem da celebração do contrato sujeito a qualificação e, bem assim, à posição assumida pelos putativos trabalhador e empregador na referida audiência de partes (cfr. requerimento de interposição de recurso).
3.º No acórdão recorrido, o Tribunal da Relação do Porto julgou inválida a transação efetuada, em sede de audiência de partes, pelos putativos trabalhador e empregador, no sentido de que a relação jurídica existente entre ambos é de prestação de serviços.
4.º Fê-lo com fundamento em que na tentativa de conciliação, prevista no artigo 186.º-O, n.º 1 do CPT, não é permitido ao putativo trabalhador e ao putativo empregador dispor do objeto do litígio, por estarem alegadamente em causa na ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a que se reporta a Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, interesses públicos prosseguidos pelo Ministério Público e não interesses privados dos titulares da relação contratual em causa e por esta ação ter sido interposta pelo Ministério Público, assumindo este a posição de autor.
5.º Daí resultando que o Ministério Público pode prosseguir ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho (ação de simples apreciação positiva que se limita a declarar a existência de direito ou facto jurídico), em oposição à vontade e interesse livremente manifestada pelos alegados empregador e trabalhador, na audiência de partes prevista no artigo 186.º-O, n.º 1 do CPT.
6.º A consagração no processo do trabalho da ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho constituiu instrumento para enfrentar a tendência para a fuga ilícita ao Direito do Trabalho, por via da contratação de falsas prestações de serviços.
7.º A referida ação não visa prosseguir interesse público, de toda a coletividade, mas conferir a cada putativo trabalhador outro meio para a obtenção da tutela legal que lhe é devida, com eficácia acrescida por efeito de tramitação processual mais célere e do patrocínio pelo Ministério Público.
8.º Uma vez iniciada a instância, o interesse protegido em cada ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é o do sujeito da concreta relação jurídica em apreço.
9.º Assim sendo, o titular do interesse processualmente protegido e autor da ação é o putativo trabalhador, cujo contrato de trabalho pretende ver reconhecido.
10.º A ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é de simples apreciação positiva, estando o objeto do processo limitado à qualificação do vínculo contratual.
11.º Atento...
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