Acórdão nº 10/16 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução19 de Janeiro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 10/2016

Processo n.º 1136/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro Teles Pereira

Acordam em Conferência na 1ª secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

  1. Na 1.ª Secção Criminal da Instância Central da Comarca do Porto, correu os seus termos, com o n.º 783/12.5PAESP, um processo crime sob a forma comum para julgamento por tribunal coletivo, em que são arguidos A., B., C., D., E., F. (o ora Reclamante), G., H., I., J., K., L., M. e N.. Ao arguido F. foi imputada, na acusação, a prática de oito crimes de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e) do Código Penal e de um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e) do Código Penal.

    1.1. Foi proferido acórdão pela 1.ª Secção Criminal da Instância Central da Comarca do Porto, que condenou diversos arguidos e, no que ora importa considerar, condenou o arguido F., pela prática, em concurso efetivo, de oito crimes de furto qualificado na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, e de um crime de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 203.º, n.ºs 1 e 2, e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, na pena única de 6 anos de prisão, em cúmulo jurídico das respetivas penas parcelares.

    1.2. Inconformado com esta decisão, o arguido F. dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, invocando nulidades, impugnando a matéria de facto e divergindo da aplicação do direito aos factos.

    Das alegações de recurso consta, designadamente, o seguinte:

    “[…]

    [O] Recorrente F. prestou declarações na audiência de julgamento, tendo negado a prática dos factos. Fls. 199 do Acórdão. E depoimento se encontra mencionado na ata da audiência de 10/04/2015, cujo entre as 10:59:31 e 11:06:01, se encontra gravado).

    O que consta do segmento do Acórdão em que elenca os meios de prova que "contribuíram para formar a convicção do tribunal os seguintes meios de prova livremente apreciados". Fls. 194.

    No entanto o Acórdão não refere uma linha, como tinha de o fazer, relativamente às razões por que afinal não atribuiu credibilidade ao depoimento do Recorrente que negou a prática dos furtos.

    Dir-se-á que é inteligível pela credibilidade atribuída às declarações do arguido A. no segmento da coautoria, que não foi genericamente atribuída credibilidade ao depoimento do Recorrente.

    No entanto, o conhecimento das razões por que o Tribunal não atribuiu credibilidade ao depoimento do Recorrente têm de ser expressas para ser inteligível a respetiva fundamentação e o processo racional e cognitivo do Tribunal, e ser garantido de forma plena e cognoscível o exercício do direito ao Recurso, a impugnação das razões do Tribunal e a exposição no recurso da discordância por parte do Recorrente.

    O que tudo é mais grave quanto o Acórdão recorrido afirma na fundamentação que o Arguido A. confessou a totalidade dos crimes que lhe eram imputados, indicando os respetivos comparticipantes... Fls. 244.

    Em contradição com a negação feita pelo Arguido A. que não confessou a prática do facto acusado n.º 55 (provado n.º 66).

    E contradição com as afirmações do arguido A. que negou perentoriamente ter furtados concretos objetos que constam como provados nos factos provados n.ºs 19, 23, 27, 35, 36, 39, 62, 63 (entre outros), – sobretudo artigos de vestuário, calçado, e outros, considerando por isso tacitamente, nessa parte, que o depoimento do arguido A. não merecia credibilidade!

    A tomada de posição pelo Tribunal face a estas contradições que inquinam a fundamentação do Acórdão tem de ser pois expressa e não se pode refugiar no argumento de que o arguido A. ‘não se recordava bem’, quando ele negou expressamente o furto de diversos artigos!

    […]

    Mostra-se por tudo, violado o princípio da igualdade de armas que se funda nas ideias de "processo equitativo", e de "princípio da confiança", unanimemente afirmadas pela doutrina e jurisprudência como nuclearmente conformadoras do ordenamento jurídico-penal português.

    A ideia de "due process" no sentido de processo justo e leal é integrada pelo princípio, ordenador, da confiança dos interessados nas decisões judiciais, e designadamente naquelas que conformem as suas posições processuais.

    É prerrogativa da Defesa conhecer por indicação expressa as razões críticas que presidiram à não consideração do seu depoimento em sede de audiência de julgamento - depoimento direto do Arguido em audiência que é o ato nuclear do seu Direito de Defesa, só assim sendo assegurado o seu direito pleno ao Recurso, que inclui a possibilidade de exercer o contraditório dessas razões omitidas no Acórdão recorrido.

    Tais exigências destinam-se a permitir que a decisão, em processo penal, demonstre que o Tribunal considerou especificadamente toda a matéria que foi trazida à sua apreciação e que tem relevo para a decisão, por ter sido incluída numa das peças processuais constantes dos autos - acusação, pronúncia, pedido cível, contestação criminal e contestação cível, ou outra com interesse para a causa, quando tais peças ou atos processuais existam - ctr. acórdãos de 26-03-92, processo n.º 42518, BMJ n..º 415, pág. 499 e de 10-03-1994, CJSTJ 1994 tomo 1, pág. 246 e BMJ n.º 435, pág. 658; de 10-07-2008, processo n.º 1880/08-3.a.

    Assim, a falta de ponderação e exame crítico do depoimento do Recorrente em audiência de julgamento, bem como a não enunciação expressa dos motivos que levaram o Tribunal a não considerar o depoimento que nega a prática dos factos no confronto com depoimento de coarguido A. que os afirma, é causa de nulidade do Acórdão, por violação dos arts. 379.º/1, al. c), 374.º, n.º 2, do CPP e gerador de inconstitucionalidade do mesmo por violação do artigo 32.º/1 da CRP, de acordo com o qual todo o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o pleno exercício do direito ao recurso.

    Inconstitucionalidade que se argui e se pretende ver ser declarada.

    […]

    A fls. 378 do Acórdão é exposto teoricamente que “o STJ tem vindo a considerar impor-se um dever especial de fundamentação na elaboração da pena conjunta, não se podendo ficar a decisão cumulatória pelo emprego de fórmulas genéricas, tabelares ou conclusivas, sem reporte a uma efetiva ponderação abrangente da situação global e relacionação das condutas apuradas com a personalidade do agente, seu autor.”

    No entanto, enunciados estes princípios a que o Tribunal recorrido adere, constata-se que no caso concreto o Tribunal omite por completo o dever especial de fundamentação que ele próprio enuncia.

    Aliás, analisado o Acórdão recorrido nem se cumpre este dever especial de fundamentação nem sequer é exposta qualquer fundamentação concreta quanto à pena conjunta atribuída ao Recorrente (omissão quanto à ponderação da imagem global dos factos, o respetivo fio condutor em caso de repetição da atividade criminosa ou sequer a personalidade do agente, princípios também enunciados a fls. 378 do Acórdão mas não aplicados no caso concreto), o que é também sinal de enorme estranheza.

    Se não veja-se que imediatamente após a enunciação destes princípios teóricos, a fs. 378, logo no início de fls. 379, o Acórdão recorrido enuncia tabelarmente que:

    ‘Assim, as molduras abstratas do cúmulo jurídico de penas oscilam entre os seguintes limites mínimo e máximo: (…) Arguido F. - limite mínimo de 4 anos de prisão e máximo de 24 anos e 9 meses de prisão (…);

    (…) assim, ponderando a globalidade dos factos praticados e a personalidade dos arguidos neles documentada - atendendo, no que concerne ao arguido A.

    (…)

    [e enuncia de seguida apenas fatores concretos relativos ao arguido A.]

    (…) considera-se ajustada à culpa global dos arguidos e às exigências de prevenção globalmente apreciadas a aplicação das seguintes penas únicas:

    (…) F. - 6 anos de prisão; (...)’

    É flagrante a total omissão de fundamentação da pena única, quanto mais cumprido o dever especial de fundamentação que a doutrina e a jurisprudência exigem.

    Neste segmento, o acórdão recorrido apenas enuncia princípios gerais e genéricos contra a própria jurisprudência citada.

    "É nula a sentença em que se elabora o cúmulo jurídico das penas, se nada se diz sobre as razões que levaram à fixação da pena unitária escolhida", Ac. STJ, 06/02/97, in CJSTJ, Ano V, TI, pág. 215.

    […]

    Também, aqui a omissão do dever especial de fundamentação da pena única viola a ideia de "due process" no sentido de processo justo e leal é integrada pelo princípio, ordenador, da confiança dos interessados nas decisões judiciais, e designadamente naquelas que conformem as suas posições processuais.

    Sendo também direito da Defesa conhecer por indicação expressa, a fundamentação concreta da pena única alcançada, só assim sendo assegurado o direito pleno ao Recurso do Recorrente, que inclui a possibilidade de exercer o contraditório dessas razões omitidas no Acórdão recorrido.

    […]

    Ora, todos os elementos supra descritos também não foram ponderados como determina o art. 71.º/2 do C. Penal: ‘na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo do crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (…).’

    Nomeadamente, como descreve o artigo 71.º/2 do C. Penal:

    ‘a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências (…)

    1. a intensidade do dolo (…)

    2. os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (…)’

      Se tais elementos de facto dos autos, e de direito houvesse sido ponderados não podia o Recorrente, ainda que julgados provados todos os factos, o que não se concede, se condenado na mesma pena única do arguido B..

      Impondo sempre a aplicação de pena única concreta ao Recorrente inferior à daquele arguido.

      Bem como, com reflexo a montante, nas penas parcelares alcançadas face a cada um dos furtos imputados quanto ao Recorrente.

      É que também quanto às...

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