Acórdão nº 0715084 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Junho de 2009

Data03 Junho 2009
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso 5084/07-1 *Acordam no Tribunal da Relação do Porto O arguido B.........., casado, industrial, filho de C.......... e D.........., natural de .........., Vila do Conde, nascido em 13/10/1949 e residente na Rua .........., ..., ......, Vila do Conde, foi condenado nos autos de processo comum singular n.º .../01.2TAVCD, do .º Juízo de Vila do Conde, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 7,00 € pela prática, em co-autoria material, de um crime continuado de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos art. 107º, nº 1 e 105º, nº 1 e 2, da Lei nº 15/2001, de 5/6 e art.º 30º, nº 2 e 79º, do Código Penal.

Interpôs recurso para esta Relação, que foi rejeitado.

Reclamou para a Conferência, que confirmou a decisão do Relator.

Interpôs recurso para o STJ, que não foi admitido.

Reclamou para o Ex.mo Presidente do STJ, tendo a reclamação sido indeferida.

Recorreu para o TC.

Pendente o processo neste Alto Tribunal juntou requerimento pedindo se declare extinto o procedimento criminal por despenalização da conduta.

O TC devolveu o processo ao Ex.mo Presidente do STJ para este decidir.

O Ex.mo Presidente do STJ lavrou despacho no qual refere que não tem competência para decidir de incidentes processuais.

Foi então o processo remetido a este Tribunal, tendo o Relator determinado se extraísse certidão para decidir do incidente. Os autos principais foram remetidos de novo ao TC.

Cumpre decidir.

O ora Requerente foi condenado pela prática do aludido crime porque, em síntese: Os arguidos B.......... e E.........., no desenvolvimento da actividade da empresa representada pelos mesmos (F..........), nos períodos que adiante se indicam, geriam e administravam a empresa arguida e, em nome e no interesse desta, decidiam da afectação dos meios financeiros ao cumprimento das respectivas obrigações, sendo responsáveis pelo desconto das contribuições devidas à Segurança Social no montante dos salários pagos aos trabalhadores, bem como pelo preenchimento e entrega das respectivas folhas de remuneração no Centro Regional de Segurança Social do Porto.

Os arguidos, no desenvolvimento da actividade da referida empresa representada pelos mesmos, e nos períodos que a seguir se indicam, procederam a descontos nos salários pagos aos respectivos trabalhadores, a título de contribuições devidas à Segurança Social, nos seguintes montantes: No entanto, pese embora tendo enviado as respectivas folhas de salários, no seguimento do propósito que formularam, os arguidos B.......... e E.......... não entregaram as quantias supra referidas, que totalizaram 13.074,94 Euros, no Centro Regional de Segurança Social, até ao dia 15 dos meses subsequentes àqueles em que foram descontadas, nem nos noventa dias posteriores, antes se apropriando das mesmas e integrando-as no património da sociedade nos períodos acima indicados e, ao longo dos períodos de tempo atrás indicados foram renovando a sua intenção de reter as contribuições devidas, utilizando-as na firma arguida para satisfação das despesas desta.

Os arguidos B.......... e E.......... agiram do modo descrito, sempre no quadro da mesma solicitação anterior, em face das dificuldades da sociedade arguida de obtenção de disponibilidades financeiras, tendo, por isso, decidido canalizar para pagamento de outras despesas da sua representada os montantes deduzidos e retidos nas remunerações pagas aos trabalhadores e colaboradores daquela a título de IRS, bem sabendo que era sua obrigação proceder à respectiva entrega naqueles Serviços.

Desta forma, a segurança social sofreu um prejuízo correspondente à soma dos montantes de que os referidos arguidos se apropriaram, verificado desde o momento da respectiva omissão de entrega.

Os referidos arguidos agiram na qualidade de representante legal, em nome e no interesse daquela sociedade.

Os arguidos B.......... e E.......... agiram livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.

Requer, agora, a extinção do procedimento criminal com os seguintes fundamentos: Por sentença proferida em 1a instância, ainda não transitada em julgado, foi o aqui recorrente condenado pela prática, em co-autoria material, de um crime continuado de abuso de confiança fiscal contra a Segurança Social dos artigos 107° n° l e 105° nºs l e 2 da Lei n° 15/2001, de 05/06 e artigos 30° e 79° do Código Penal, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 7,00 Euros.

Foi ainda condenado a pagar ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social Norte a quantia de 11.701,22 Euros, acrescida de juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos até integral pagamento, conforme peticionado.

Acontece porém que...

No dia l de Janeiro de 2009, entrou em vigor a Lei n° 64-A/2008, de 29 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2009.

O artigo 113° do referido diploma legal, alterou, entre outros, o artigo 105° do Regime Geral das Infracções Tributárias (aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de Junho), que passou a ter a seguinte redacção: "l - Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.

(...) 6 - (revogado)".

Na redacção anterior previa-se apenas que: "Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias".

Portanto, a lei nova, i. e., o artigo 113° da Lei n° 64-A/2008, de 29 de Dezembro (que alterou o n° l do artigo 105° do RGIT e revogou o seu n° 6), é uma lei despenalizadora, pois que retirou o carácter ou qualificação de infracção criminalmente punível a factos que, segundo a lei antiga (anterior à nova redacção do n° do artigo 105.° do RGIT), eram considerados criminalmente puníveis.

Ora, sendo uma lei, não apenas mais favorável, mas verdadeiramente despenalizadora, não pode deixar de aplicar-se retroactivamente aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor.

Assim o impõe o n° 2 do artigo 2° do Código Penal: «O facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma lei nova o eliminar do número de infracções; neste caso, e se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais.» E, obviamente, que também tal retroactividade já é imposta, superiormente e a fortiori, pela própria Constituição, no artigo 29°, n° 4, 2.a parte: «[...] aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável».

Posto isto, a nova redacção do n° l do artigo 105° do RGIT aplica-se ao caso subjudice.

Assim sendo, apesar de ter sido julgado como provado, nos termos supra-mencionados, que os arguidos, entre eles o aqui recorrente, no desenvolvimento da actividade da referida empresa representada pelos mesmos, e nos períodos que a seguir se indicam, procederam a descontos nos salários pagos aos respectivos trabalhadores, a título de contribuições devidas à Segurança Social, nos seguintes montantes (...) Tais condutas, em resultado da nova redacção do n° l do artigo 105° do RGIT, não constituem factos criminalmente puníveis.

Pelo que, impõe-se a imediata extinção do procedimento criminal, por descriminalização das condutas imputadas aos arguidos na acusação pública, com consequente arquivamento dos autos.

Respondeu o M.º P.º juntando cópia de informação onde se lê: "A questão, assim, que se coloca é a de se saber se tais alterações influem, e nesse caso em que medida com a incriminação do crime de abuso de confiança contra a segurança social.

E a resposta afigura-se-nos que deverá ser, no seu essencial, negativa, pelas razões que, sucintamente, se passam a enunciar. Assim: Ainda que na descrição dos seus elementos típicos se verifique um certo paralelismo (v. g. quanto à não entrega, total ou parcial, das prestações/contribuições deduzidas), os tipos legais são autónomos entre si, sendo que o crime de abuso de confiança contra a segurança social se apresenta como um crime específico próprio, uma vez que a lei caracteriza o dever violado através dos elementos típicos do agente, exigindo que ela seja uma entidade empregadora.

Por outro lado, são igualmente diferenciados os bens jurídicos protegidos por uma e outra norma. Assim, enquanto no crime de abuso de confiança fiscal (art. 105°) se tutela o normal funcionamento do sistema fiscal e os interesses que este visa satisfazer (ou seja, não apenas a arrecadação de receitas, mas também a prossecução de objectivos de justiça distributiva, tendo em conta a necessidade de financiamento das actividades sociais do Estado - art°s 103° e 104° da CRP) -, no caso do abuso de confiança contra a segurança social (art° 107°) está em causa a protecção dos deveres de colaboração, transparência e lealdade das entidades empregadoras para com a administração da segurança social (relação de confiança).

E sendo crimes autónomos, parece-nos que a alteração legislativa introduzida pelo art.º 113º da Lei que aprova o OE para 2009, e segundo a qual apenas passa a constituir crime de abuso de confiança fiscal a não entrega, total ou parcial, da prestação tributária de valor superior a € 7.500, tem o seu campo de aplicação restito ao mencionado crime, nada admitindo a extensão de tal limite mínimo ao crime de abuso de confiança contra a segurança social.

Argumento que se colhe, ainda, da circunstância de que, enquanto a não entrega das prestações tributárias iguais ou inferiores a € 7.500 passa a integrar a contra-ordenação prevista pelo art° 114° do RGIT, na caso da não entrega das quotizações deduzidas à Segurança Social, tal conduta deixaria, por falta de previsão legal correspondente, de ser objecto de qualquer sanção.

Consequência que não terá sido, seguramente, a pretendida pelo legislador.

A questão mais perturbadora que se coloca é a de se saber se, tendo...

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