Acórdão nº 09B0008 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Junho de 2009

Data04 Junho 2009
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA e mulher BB intentaram, em 14.04.2005, no 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Vila Nova de Famalicão, contra CC - MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO, S.A.

e DD - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, L.da, acção com processo ordinário, alegando, em síntese, que eles, autores e as sociedades demandadas são donos de prédios confinantes entre si, e terem, em Outubro de 2004, as rés aberto em redor do seu prédio uma vala, com cerca de 2 metros de profundidade por 2 metros de largura e 80 metros de comprimento, com a configuração de um canal, a qual circunda o conjunto dos prédios dos autores pelo lado nascente, a distância entre 1,82 e 1,90 metros, e para onde vão ser desviadas as águas de um ribeiro que, assim, irão passar a menos de 5 metros das janelas da casa de habitação dos demandantes; e que, ao procederem às escavações para a construção da dita vala, as rés atingiram os alicerces do muro de vedação da casa dos autores, que ruiu numa extensão de 20 metros, e deixaram a descoberto as raízes de 55 videiras, o que a estes causou prejuízos.

Com estes fundamentos, pediram a condenação solidária das rés: a) a eliminarem a vala identificada com o trajecto DEF (traçado a azul no doc. n.º 12), impedindo que o ribeiro siga tal trajecto e colocando, de novo, o ribeiro a correr pelo seu leito e trajecto natural, o indicado com o trajecto ABC (traçado amarelo no mesmo doc.) em prazo não superior a 30 (trinta) dias, após o trânsito em julgado da sentença que o determine; b) a reconstruírem, com a mesma qualidade e solidez, o muro da confrontação Nascente do prédio dos autores, na referida extensão de cerca de 20 (vinte) metros, em que desabou, no mesmo prazo designado na alínea a); c) a pagarem aos autores os prejuízos sofridos e causados pela actuação das rés, narrados na parte V da petição inicial, de montante superior a 6.000,00 euros (seis mil euros) mas que melhor se apurará liquidando-se em execução de sentença; d) subsidiariamente ao pedido da alínea a), a afastarem a vala da confrontação Nascente do prédio dos autores, pelo menos 2 (dois) metros em toda a sua extensão paralela (e ao correr) da confrontação Nascente do mesmo prédio; e) e, cumulativamente com o pedido da alínea d), a taparem completa e hermeticamente a vala em causa em toda a extensão na parte do prédio das rés que confronta a Poente com o prédio dos autores.

As rés contestaram por impugnação, alegando, em síntese, que o canal se encontra bastante afastado da casa dos autores, não lesa qualquer direito destes e também nenhum prejuízo lhes foi causado com a construção do dito canal.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que - para além de ter julgado extinta a instância, por inutilidade superveniente, no que tange ao pedido da alínea b) - julgou a acção parcialmente procedente e condenou as rés a afastar a vala que construíram de modo que, na confrontação Nascente do prédio dos autores, fique a pelo menos 2 (dois) metros de distância desse prédio, em toda a sua extensão paralela, e a pagar solidariamente aos autores a quantia de € 150,00, a título de indemnização por danos patrimoniais que lhes causaram, absolvendo-as do mais pedido.

Da sentença apelaram os autores, visando a matéria de facto e a decisão de direito (a ré CC também interpôs recurso subordinado, que veio a ser julgado deserto por falta de alegações).

A Relação do Porto, no julgamento do recurso, atendeu, em parte, a impugnação da matéria de facto e, a final, julgou parcialmente procedente a apelação, condenando as rés recorridas "a concluir, no prazo de trinta dias, a reconstrução integral do muro do prédio dos autores em toda a extensão que ruiu, com a mesma qualidade e solidez que tinha antes de ruir, incluindo a reposição das terras que desabaram e o fecho da cratera a que alude o item 24) dos factos provados", e confirmando em tudo o mais a sentença recorrida.

Continuando inconformados, os autores trazem agora a este Supremo Tribunal recurso do acórdão da Relação, dele pedindo revista.

E, no remate das suas alegações de recurso, formulam as seguintes conclusões: 1ª - A actuação das rés - que conseguem desonerar o seu prédio numa extensão de 100 metros e numa largura média de 7 metros (ou seja, numa área de 700 m2), para onerar o prédio dos autores que recebe, numa área de 700 m2 um encargo de sujeição a servidão administrativa, servidão para o exercício de pesca, sujeição a licenciamento e aprovação para obras em margem de águas públicas e sujeição a ter de permitir uso e fruição comum, nomeadamente para funções de recreio, estadia e abeberamento - é ilegal e injusta, é um atropelo à lei vigente; 2ª - Devem, por isso, ser condenadas a eliminar a vala identificada com o trajecto DEF traçado a azul (cfr. doc. n.º 12), impedindo que o ribeiro siga tal trajecto e colocando este, de novo, a correr pelo seu leito e trajecto natural, o indicado com o trajecto ABC (traçado a amarelo no mesmo doc.), em prazo não superior a 30 dias, após o trânsito em julgado do acórdão que o determine; 3ª - Ou, subsidiariamente, condenadas a afastar a vala da confrontação Nascente do prédio dos autores, pelo menos 2 metros em toda a sua extensão paralela (e ao correr) dessa confrontação Nascente do mesmo prédio; 4ª - E devem, cumulativamente ao pedido subsidiário, ser condenadas a tapar completa e hermeticamente a vala em causa em toda a sua extensão, na parte do seu prédio que confronta com o prédio dos recorrentes; 5ª - As rés devem ser condenadas a pagar-lhes o montante dos prejuízos causados, de montante superior a € 6.000,00 mas que melhor se apurará liquidando-se em execução de sentença, pois ainda hoje se mantêm o muro sem reconstrução integral, a ausência de terras, a cratera aberta, as raízes de 55 videiras descobertas; 6ª - O acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 62º da Constituição, 17º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1º, 8º e 14º do Cód. das Expropriações, 1º, 3º e 5º do Dec-lei 468/71, de 5 de Novembro, 1º, 5º, 10º, 11º, 12º e 21º da Lei 58/2005, de 29 de Dezembro, 27º da Lei 7/2008, de 15 de Fevereiro e 1305º, 1308º, 1311º, 1344º e 1346º do CC.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

  1. Os factos provados, tendo em conta as alterações introduzidas pela Relação na decisão da 1ª instância, são os seguintes: 1) Os autores são donos, senhores, legítimos possuidores e proprietários dos seguintes prédios: a) um prédio urbano constituído por casa de habitação de rés-do-chão e cave, anexos e quintal, sito no lugar de......, ......, Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão com o n.º 63.091, a folhas 108v do Livro B-166 e inscrito na respectiva matriz urbana sob o art. 130.º; b) um prédio rústico denominado Campo dos Carros, sito no lugar de...... ou Águas, ......, Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão com o n.º 63.092, a folhas 109 do Livro B-166 e inscrito na respectiva matriz rústica sob o art. 110.º; c) um prédio rústico denominado Bouça do Carriço, sito no lugar das Águas, ......, Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão com o n.º 63.093, a folhas 109v do Livro B-166 e inscrito na respectiva matriz rústica sob o art. 111.º. Nessa Conservatória está registada, a favor de BB, a aquisição desses prédios por doação (cfr. docs. n.º 1, 2 e 3).

    2) Tais prédios foram adquiridos pelos autores mercê de contrato de doação em que estes foram donatários e foram doadores EE e esposa FF, titulado por escritura pública lavrada em 5 de Agosto de 1981, a folhas 40 verso e seguintes do Livro de Escrituras Diversas n.º 18-C do Segundo Cartório da Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim, sendo que os doadores usufrutuários já faleceram.

    3) As rés são donas, senhoras, legítimas possuidoras e proprietárias de um prédio rústico, denominado "Campo das Calhas", com a área de 4.000 (quatro mil) metros quadrados, sito no lugar de Águas ou......, freguesia de ......, Vila Nova de Famalicão, a confrontar do Norte com caminho público e ribeiro, do Sul com caminho, do Nascente com ribeiro e do Poente com os autores, anteriormente descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão com o n.º 5.804 (do qual era parte) e agora descrito com o n.º 00222/060295-...... e inscrito na respectiva matriz rústica sob o art. 45.º, com o valor patrimonial de € 192,87.

    4) Tal prédio foi adquirido pelas rés mercê de contrato de compra e venda, em que outorgaram como vendedores GG e esposa HH.

    5) Ao procederem à escavação do prédio referido em 3), as rés deixaram a descoberto os alicerces do muro de vedação da confrontação Nascente do conjunto de prédios dos autores, numa extensão de cerca de 20 (vinte) metros (até...

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