Acórdão nº 09A0338 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução19 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA, Ldª, com sede em Lisboa na Calçada ..., 40, propôs a presente acção de despejo com processo ordinário contra BB, Ldª, com sede na Rua ..., nºs 3 e 3 A em Lisboa, pedindo que se declare a resolução do contrato de arrendamento que identifica e que, em consequência, se condene a R. a despejar o prédio arrendado e a entregar-lho devoluto de pessoas e bens que não estejam incluídos no arrendamento.

Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que celebrou com a R. um contrato de arrendamento do prédio que identifica, com destino ao exercício da indústria hoteleira. A R., sem sua autorização, levou a cabo obras que alteram substancialmente a estrutura interna e externa do edifício, motivo por que pretende a resolução do contrato com base no disposto no art. 64º nº 1 al. d) do RAU.

A R. contestou alegando, em resumo, que as obras efectuadas o foram por necessidade de manter a classificação legal do hotel, de acordo com a lei e a cláusula 8ª do contrato de arrendamento. Além disso, as obras não alteraram a estrutura interna ou externa do edifício.

Deduz reconvenção subsidiariamente e para a hipótese de o despejo ser decretado, pedindo a condenação da A. a pagar-lhe a quantia de 22.838,13 €, correspondente a metade do valor que gastou na pintura das paredes exteriores do edifício que era a cargo da A..

A R. replicou, dizendo, em síntese, que as obras não foram realizadas por imposição legal, nem são subsumíveis ao previsto na cláusula 8ª do contrato, impugnando quer o valor alegadamente gasto com a pintura, quer que o edifício necessitasse de pintura.

A A. apresentou articulado superveniente, invocando a realização de obras na cave pela R., trabalhos que alteram substancialmente e estrutura interna do locado.

Admitido este articulado, a R. contestou os factos, dizendo que algumas das alegadas obras foram realizadas há mais de 20 anos, outras em 1997, pela que a A. tinha delas conhecimento há mais de um ano, pelo menos desde 2001, ou delas devia ter conhecimento, pelo que ocorria, assim, a caducidade do direito de requerer o despejo do locado, nos termos do art. 65º do RAU.

O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido sentença em que se julgou a acção e a reconvenção improcedentes.

Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí, por acórdão de 21-10-2008, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

1-2- Irresignado com este acórdão, dele recorreu a A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- A ré actuou de má-fé, contrariando a negação expressa do licenciamento camarário para as obras de alteração no locado, e não solicitando autorização à A., sua senhoria e proprietária do imóvel e nem sequer informando previamente a sua senhoria, pelo que errou de Direito o Mmº Tribunal da Relação ao considerar a boa-fé como justificativa da violação do preceituado no art. ó4° n°1 alínea d) do RAU (D-L 321-B/90 de 15 de Outubro, com as suas sucessivas alterações).

  1. - Às ocultas, a ré pôs e dispôs do hotel que lhe está locado pela A., tendo, à revelia também das autoridades administrativas (incluindo IPPAR, C. M. Lisboa e D-G Turismo), realizado obras de alteração no locado, as quais simultaneamente configuram ambas as causas de despejo previstas no art. 64 n°1 alínea d) do RAU, quer por alteração «substancial da sua estrutura externa» quer por alteração «substancial da disposição interna das suas divisões», corno amplamente se demonstrou em sede de julgamento da matéria de facto.

  2. - Considerando o Factos Provados 7º, 8º, 9°, 10º, 11º,12°, 13°, 14º, 16º, 17º, 18°, 19º, 20º, 21°, 22º, 23°, o Acórdão do douto Tribunal da Relação a quo é também erróneo na interpretação do art. 64° n°1 alínea d) do RAU, ao considerar que as alterações efectuadas não preenchem o disposto no mesmo artigo, entendendo que a sociedade comercial ré não produziu quaisquer alterações substancias externas ou internas no prédio dado de arrendamento.

  3. - Pelo contrário, dos Factos Provados resulta que o exterior do prédio foi substancialmente alterado, nas cores da fachada e empenas, na criação de dois enorme brasões nas empenas, nas varandas, na localização da entrada, na porta de entrada, nos degraus de acesso à entrada.

  4. - Dos Fados Provados, resulta ainda que o interior do prédio foi substancialmente alterado pela apelada, quer no Rés-do-Chão quer na Cave, através de demolição de paredes e construção de outras no Rés-do-Chão, tendo por consequência o aumento da sua área útil, criação de novas divisões, demolição de divisões que separavam áreas distintas, eliminação da sala de jantar e da cabine telefónica, eliminação da funcionalidade da cozinha, onde se instalaram escritórios, uma copa e uma instalação sanitária de quarto 6ª- In casu, a inquilina efectuou inúmeras e diversas alterações substanciais, alterações que cabem na previsão da alínea d) do art. 64° do RAU quer no que concerne à alteração substancial da estrutura externa como à alteração substancial da disposição interna das divisões.

  5. - O imóvel dos autos foi completa e totalmente descaracterizado pela apelada, ficando desprovido de muitas das características que eram inerentes à época e ao estilo em que foi construído, tendo a Apelada, extravasando incontestavelmente os poderes de "conserto" e as alterações permitidas pelo contrato de arrendamento.

  6. - Todas as alterações foram efectuadas pela sociedade comercial ré no desconhecimento da sociedade senhoria e sem consentimento escrito da mesma, como resulta do 11° Facto Provado.

  7. - Veja-se que dentro de parâmetros semelhantes resultou o despejo nos casos submetidos aos tribunais: • Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 7.10.2007 in Bases Jurídico-Documentais do Ministério da Justiça: • Ac. Tribunal da Relação do Porto de 15-1-2007 in Bases Jurídico-Documentais do Ministério da Justiça: • Ac. Tribunal da Relação do Porto de 28-09-2004 in Bases Jurídico-Documentais do Ministério da Justiça: • Ac. Tribunal da Relação d Lisboa de 30-03-2000 (R. 189l/2000 in BMJ, tomo 494, pp. 353 • Ac. Relação de Coimbra de 27.4.1995 (R.1423/94) in BMJ, n°446 pp. 360 • Ac. Relação do Porto de 7.12.1995 (R.680/95) in BMJ nº 452, pp. 486 10ª- Da apreciação do fim do contrato, da boa fé e dos objectivos tidos em conta pelo inquilino, resulta que: - somente o cuidado e o "conserto" serviriam o fim do arrendado: - atentas as alterações produzidas de tão grande dimensão e extensão, a boa fé imposta pelo contrato e pela lei impunham o respeito pelo indeferimento do licenciamento camarário, bem como o consentimento prévio da sociedade senhoria, por forma a que a mesma desse o seu aval; - no caso concreto a conduta da sociedade comercial ré foi de notória má-fé; - as faculdades inerentes ao direito de propriedade da senhoria deverão prevalecer sobre o critério utilizado pelo Mmo. Tribunal a quo, atendendo unicamente a uma pretensa (e inexistente) boa fé da sociedade comercial ré.

  8. - De onde errou a sentença recorrida na interpretação e na aplicação do referido preceito devendo a mesma ser revogada, subsumindo-se o caso dos autos na previsão da alínea d) do art. 64° nº 1 do RAU aplicável por a...

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