Acórdão nº 1612/04.9TBFAF.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Novembro de 2014
Magistrado Responsável | LOPES DO REGO |
Data da Resolução | 20 de Novembro de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA instaurou contra BB e mulher CC acção declarativa, sob a forma de processo ordinário pedindo que seja decretada a resolução do contrato de cessão de exploração por incumprimento culposo dos Réus e, em consequência a respectiva condenação a restituir-lhe imediatamente o aludido estabelecimento comercial nas condições em que o receberam.
Subsidiariamente, - para o caso da decisão final a proferir nas acções sumárias nºs 202/97 e 202-A/97, qualificar o contrato de cessão de exploração como de arrendamento comercial,- pedem que seja decretado o despejo e a condenação dos Réus a entregarem-lhe o local arrendado, devoluto de pessoas e bens.
Os Réus contestaram, contrapondo que no rés-do-chão do prédio do Autor funcionou um estabelecimento em nome de sua mãe, o qual, após o falecimento desta, foi explorado pela irmã; o mesmo estava velho, praticamente esgotado, meio aberto, meio fechado, por doença daquela e encerrou no início de 1987, também por falta de condições sanitárias, pois não tinha sequer casas de banho. O R./marido negociou com o Autor e sua irmã, que lhe entregaram o espaço físico delimitado pelas paredes e, em cumprimento do acordado, mandou elaborar um projecto de remodelação apresentado em seu nome, obras que foram licenciadas e executadas nos termos das plantas desenhadas e memória descritiva. Só após a sua conclusão foi celebrada a escritura e todas as máquinas, mobílias e utensílios foram comprados novos pela progenitora do Réu, que lhos disponibilizou.
Invocam ainda a excepção de litispendência, em relação às acções em curso, pois a causa de pedir destas é a violação do contrato de cessão de exploração.
Concluem que as obras valorizaram o rés-do-chão do prédio, licenciado para a actividade comercial que ali exercem, e não põem em causa a segurança do edifício, sustentando que se trata de obras de conservação, por se destinarem a conferir as características necessárias à concessão de licença de utilização.
A instância foi suspensa por pendência de causa prejudicial até ao trânsito da decisão proferida no processo nº 202/97.
Foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a excepção de litispendência; e, conhecendo da excepção de caso julgado relativamente à qualificação jurídica do contrato, julgou improcedente o pedido principal, por pressupor a condição não verificada da celebração de um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial.
O A. apresentou articulado superveniente, alegando ter acabado de tomar conhecimento que os Réus procederam à abertura de uma porta de 80 cm de largura por 2 metros de altura na parede que divide as casas de banho da sala de café e fecharam a que existia na outra parede; no local denominado cozinha, constituída por uma única sala, procederam à construção de um muro de separação em alvenaria de tijolo até à altura do tecto, na qual abriram uma porta de 80 cm de largura por 2 metros de altura, passando a existir duas divisões, uma com cerca de 7 m2 e outra com 4 m2; nas paredes laterais da sala do café, anteriormente em pedra e ligadas por junta seca de cimento, colocaram azulejos, desde o piso até à altura de cerca de 1 metro; e na parte restante, até ao tecto, revestiram-nas com cimento e pintaram-nas; nas bandeirolas das três portas de entrada colocaram pedras mármore ligadas às paredes, encobrindo-as. Sustenta que tais obras foram realizadas sem seu consentimento e contra a sua vontade, alterando a estrutura e disposição interna do locado.
Os Réus responderam, negando que o Autor só tivesse tido conhecimento das obras no momento do articulado superveniente, remetendo para o documento 29 do apenso - que assinala as demolições e obras feitas, executadas durante o ano de 1999 - e afirmando que se trata de uma pequena alteração das casas de banho para satisfazer o disposto no artigo 1º do DL nº 168/97 de 4 de Julho.
Na fase final do julgamento, os Réus apresentaram articulado superveniente, alegando que o Autor promoveu a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, propondo a duração de um ano, prorrogável por períodos de igual duração, e o aumento da renda de € 70 para € 250, na sequência do qual contrapôs a renda mensal de € 174,44 por ser uma micro entidade, o que foi aceite e determinou o pagamento desse montante, nos meses de Março e Abril deste ano. Defendem que tal situação consubstancia abuso de direito, pois o Autor beneficia de uma nova renda calculada com base no valor do locado determinado após a realização das obras. Referem ainda que poderá entender-se que houve uma alteração das circunstâncias contratuais, determinantes da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
A final, foi proferida sentença que, julgando a acção provada e procedente, declarou resolvido o contrato de arrendamento para comércio celebrado em 29 de Junho de 1987 relativamente ao rés-do-chão do prédio urbano situado no lugar de …, Golães, Fafe, inscrito na matriz sob o artigo …, e, em consequência, decretou o despejo, condena os Réus a entregar ao Autor o local arrendado, devoluto de pessoas e bens.
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Inconformados, apelaram os réus, impugnando, desde logo, o decidido quanto à matéria de facto.
O relator proferiu decisão sumária, julgando a apelação procedente – reclamando o A./recorrido para a conferência.
Foi proferido acórdão, determinando a alteração da resposta dada ao quesito 18, o que conduziu à estabilização do seguinte quadro factual: 1. O Autor é dono e legítimo possuidor do prédio urbano situado no lugar de …, freguesia de Golães, Fafe, composto de rés-do-chão e 1º andar, inscrito na matriz urbana sob o artigo …, prédio que veio à sua propriedade por lhe ter sido adjudicada metade indivisa na partilha a que se procedeu por óbito de sua mãe, DD, por escritura lavrada em 25.03.1982 [alínea A) dos factos assentes].
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A restante metade indivisa adveio-lhe por o ter havido como único herdeiro de sua irmã, EE, por testamento lavrado em 08.04.1982 [alínea B)].
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O Autor, por si e antecessores, habita o referido prédio, nele fazendo obras de reparações, pagando as contribuições e impostos sobre ele incidentes, dando-o de arrendamento e recebendo as respetivas rendas, o que tem feito à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na convicção de que está e sempre esteve no exercício do seu direito de propriedade [alínea C)].
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Por escritura pública celebrada no dia 29.06.1987, o Autor e EE declararam que, enquanto donos e legítimos possuidores de um estabelecimento comercial de mercearia e vinhos, situado no lugar de …, Golães, instalado no rés-do-chão do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, que gira em nome de DD, cedem a BB, aqui Réu, a exploração do referido estabelecimento comercial, pelo prazo de cinco anos, a contar do dia um do mês de Julho, prorrogável por períodos, iguais ou diferentes, conforme fosse acordado entre os contraentes, caducando o contrato, na falta de acordo [alínea D)].
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O preço da cessão, no primeiro ano de vigência do contrato, seria de Esc. 144.000$00, a pagar em duodécimos de Esc. 12.000$00, a atualizar de acordo com os coeficientes de atualização das rendas dos estabelecimentos comerciais [alínea E)].
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Declararam também que o Réu não poderia fazer obras ou benfeitorias sem consentimento escrito dos cedentes [alínea F)].
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Por decisão transitada em julgado, proferida no processo n° 202/97 (e 202/97-A), que correu termos no 3º Juízo deste Tribunal, foi qualificado como arrendamento para fim comercial o contrato referido em 4) a 6) [alínea G)].
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Os Réus no prédio referido em 1) procederam à abertura de uma porta, com a largura de cerca de 80 cm e altura de cerca de 2 m, na parede que divide s casas de banho da sala de café e fecharam uma porta, do mesmo tamanho, que existia na outra parede, que divide também as mesmas casas de banho [alínea H)].
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No local denominado por cozinha, que era constituída por uma única sala ampla, procederam à construção de um muro de separação em tijolo até à altura do teto [alínea I)].
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A referida cozinha, que era só uma divisão, é agora constituída por duas divisões [alínea J)].
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As obras referidas em 8) e 9) não foram consentidas ou autorizadas pelo Autor [alínea L)].
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Em Setembro de 2004 os Réus começaram a fazer obras no rés-do-chão do prédio identificado em 4) [resposta ao artigo Io da base instrutória].
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Há pelo menos 19 anos, os Réus destruíram duas paredes interiores existentes no rés-do-chão [artigo 2°].
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Essas paredes, assinaladas a vermelho na planta junta a fls. 29 do procedimento cautelar, dividiam um compartimento para o qual o acesso era feito por uma porta aberta para o exterior e outra para o interior do estabelecimento [artigo 3°].
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No momento referido em 13) o estabelecimento comercial foi transformado numa só sala devido a essas obras [artigo 5°].
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Na data referida em 12) os Réus estavam a escavar e aprofundar o piso do estabelecimento em cerca de 8 cm após terem destruído a tijoleira e a base de cimento do pavimento [artigo 7°].
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Todas as obras foram feitas sem o consentimento e autorização do Autor [artigo 8°].
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As casas de banho existentes no estabelecimento foram construídas em 1987 pelos Réus [artigo 10°].
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Em momento anterior ao referido em 12) foram introduzidas alterações nessas casas de banho [artigo 11°].
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As obras de isolamento acústico visaram evitar o ruído decorrente do funcionamento do estabelecimento de que o Autor se queixara em 2002 ao Governo Civil de Braga [artigo 12°].
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Foi necessário instalar material de isolamento ao nível do piso e do teto, mantendo o pé direito necessário à utilização do locado [artigo 13°].
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Os Réus substituíram o pavimento colocado em 1987 que já se encontrava envelhecido pelo uso diário [artigo 14°].
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O Autor tem conhecimento da demolição das paredes referidas em 13) desde 23 de Julho de 1997 [artigo 15°].
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Os Réus abriram uma porta de cerca de 80 cm de largura por 2 metros de altura para acesso à segunda...
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