Acórdão nº 08B2715 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2008
Magistrado Responsável | SERRA BAPTISTA |
Data da Resolução | 13 de Novembro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA veio intentar acção, com processo ordinário, contra BB, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de 84.500.000$00 e juros remuneratórios vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data dos pagamentos efectuados e da citação, quanto às restantes quantias, até completo embolso.
Alegando, para tanto, e em suma: Celebrou contrato-promessa com a ré, através do qual esta lhe prometeu vender, e ele prometeu comprar, pelo preço de 10.500.000$00, que pagou na íntegra, uma parcela de terreno, com cerca de 3.900 m2, a desanexar de um prédio rústico designado Moutosa; Tal parcela destinava-se a ser objecto de loteamento para construção urbana, a efectuar pelo promitente-comprador; Devendo a escritura pública ser outorgada quando o processo de loteamento estivesse concluído; Ao contrário do acordado, levantou a ré o alvará de loteamento entretanto emitido, tendo procedido à inscrição matricial dos respectivos lotes e à sua inscrição na CRP de Castelo de Vide; Instada a ré a celebrar o prometido contrato de compra e venda, recusou-se a fazê-lo, transmitindo, ao invés, a terceiros os lotes de terreno em questão; Tornando, assim, impossível a celebração do contrato prometido, causou a ré ao autor, com a sua conduta, danos que melhor são descritos na p. i., no montante do pedido.
Citada a ré, veio a mesma contestar, alegando, também em síntese: O autor não cumpriu aquilo a que, no âmbito do aludido contrato-promessa, com a ré acordou; Pelo que a ré perdeu o interesse na realização do contrato prometido, perda essa do conhecimento do autor; Vendeu, entretanto, a ré dois lotes de terreno a pessoas que já haviam entregue ao autor as respectivas quantias de 4.000.000$00 e 5.000.000$00, a título de sinal, tendo as mesmos a autorizado a dele receber tudo quanto lhe fosse exigível, designadamente os montantes pagos.
Deduziu a ré pedido reconvencional, no qual pede: a) que se declare resolvido o contrato-promessa com o autor celebrado, por incumprimento do mesmo; b) que se decida ter a reconvinte direito a fazer suas as quantias de 2.500.000$00 e 8.000.000$00 pelo autor pagas no âmbito do aludido contrato-promessa; c) que se condene o autor a pagar-lhe as quantias de 4.000.000$00 e 5.000.000$00 por ele recebidas a título de sinal dos senhores CC e mulher e DD, com juros desde a dedução deste pedido até integral e efectivo pagamento.
Respondeu o autor à reconvenção, mantendo a sua posição originária, sustentando não ter dado azo ao incumprimento do contrato-promessa que com a ré celebrou. Pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
Proferido o despacho saneador, foi fixada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória.
Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho junto de fls 474 a 481 consta.
Foi proferida a sentença, na qual: a) foi a acção julgada improcedente, com a absolvição da ré dos pedidos; b) foi julgado parcialmente procedente o pedido reconvencional e, em consequência, foi decidido: · declarar resolvido o contrato-promessa celebrado entre a ré reconvinte e o autor reconvindo; · declarar que a ré reconvinte tem o direito a fazer sua a quantia global de € 52.373, a que correspondem 10.500.000$00, recebida (do autor reconvindo) a título de sinal.
Inconformados, vieram autor e ré, sem êxito, interpor recurso de apelação.
De novo irresignado, veio o autor/reconvindo pedir a presente revista, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - À data dos factos a que estes autos se reportam, os processos de loteamento eram regulados pelo DL 448/91, de 29 de Novembro, o qual se dá aqui como integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos; 2ª - Decorre do artigo 9°, nº 1 deste normativo legal que: "O licenciamento de operações de loteamento é requerido ao presidente da câmara municipal pelo proprietário do prédio ou por quem tenha poderes bastantes para o representar".
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- Conforme resulta do douto Acórdão recorrido, a proprietária do prédio objecto do referido processo de loteamento é a recorrida.
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- A dar-se como provado que recorrente e recorrida acordaram pelo contrato promessa de compra e venda a que estes autos se reportam (cláusulas 4ª e 6ª) que seria aquele quem desenvolveria toda a parte burocrática e quem fazia o referido processo de loteamento, 5ª - tais cláusulas (4ª e 6ª daquele contrato-promessa) são, nos termos do artigo 294° do Código Civil, nulas porque são contrárias á lei.
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- Nunca poderiam as partes estipular, como estipularam, naquele contrato-promessa de compra e venda que era ao recorrente a quem cabia a responsabilidade de desenvolver toda a parte burocrática e de fazer o processo de loteamento aqui em causa.
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- Ou seja, apesar das partes (recorrente e recorrida) terem acordado nas cláusulas 4ª e 6ª do contrato-promessa de compra e venda datado de 26 de Maio de 1997 referido no ponto 3 da fundamentação de facto da douta sentença recorrida, que era ao recorrente a quem competia o desenvolvimento de toda a parte burocrática e a quem competia fazer e desenvolver o processo de loteamento e a divisão do terreno em duas partes, a verdade é que o acordado nestas cláusulas é nulo porque viola a lei, nomeadamente o nº 1, do artigo 9°, do DL 448/91, de 29 de Novembro de 1991 que impõe ao proprietário do terreno - neste caso a aqui recorrida - a obrigação de ser este a apresentar o licenciamento das operações de loteamento ao presidente da câmara municipal, 8ª - nulidade esta que aqui expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.
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- Os Mmos Senhores Juízes Desembargadores nunca podiam decidir como decidiram, pois face ao artigo 9°, nº 1 do DL 448/91, de 29 de Novembro de 1991, nunca poderia ser o recorrido a requerer e a fazer toda a tramitação e pagamentos necessários naquele processo de loteamento com vista á obtenção do referido alvará.
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- Tal responsabilidade, face aquele normativo legal, era da recorrida e se não foi efectuado o pagamento das quantias que foram solicitadas, nomeadamente a caução e o alvará; se não foram executadas as infra-estruturas necessárias com vista á implantação do loteamento; se não foi feito o pagamento das taxas devidas; se não se procedeu ao levantamento do alvará; se não se apresentou termo de responsabilidade passado pelo técnico responsável pela Direcção Técnica das Obras de Urbanização e se se deixou caducar o processo de loteamento aprovado em 12/11/98, a responsabilidade por tais factos e a omissão da prática de tais actos com vista á obtenção do referido alvará de loteamento é da recorrida e não do recorrente.
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- O recorrente está em tempo para suscitar agora a questão da nulidade das cláusulas 4ª e 6ª do contrato-promessa a que estes autos se reportam, dado que o artigo 286° do Código Civil prevê que a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e, como resulta destes autos, o recorrente é um interessado.
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- Podendo ser a nulidade declarada oficiosamente pelo tribunal, conforme preceitua aquele normativo legal, deveria o Tribunal da Relação de Évora ter tomado conhecimento oficiosamente deste facto (a nulidade das cláusulas 4ª e 6ª do contrato-promessa celebrado entre o recorrente e a recorrida) e não ter decidido que tal facto era uma questão nova que deveria ter sido suscitada nos articulados da acção e/ou na réplica que foi apresentada pelo recorrente.
Sem prescindir, 13ª- A prova produzida nos autos, seja testemunhal, seja documental, não conduz ás respostas que á matéria de facto quesitada foram dadas pelo Mmo Julgador e que foram confirmadas pelo Tribunal da Relação de Évora, pelo que se impõe a sua alteração nos termos apontados supra, cujo teor por mera economia aqui se dá por reproduzido, o que ao Supremo Tribunal de Justiça é permitido fazer.
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- É que não se ignorando o princípio da livre apreciação das provas que se encontra consagrado no artigo 655º do C. P. C., o certo é que, como ensina Alberto dos Reis, in CPC Anot., 3º - 245, tal princípio ( ... ) "significa apenas a libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal, sem que, entretanto, se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas.
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- Não tendo assim os Mmos Senhores Juízes Desembargadores decidido no douto Acórdão recorrido, violaram o disposto na alínea c), do nº 1, do artigo 668º do Código de Processo Civil, e isso importa a nulidade da sentença e do douto acórdão recorridos.
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- Foram dados como provados na douta sentença e no douto acórdão recorridos os factos alegados nos quesitos nºs 9°, 10°, 30°, als. a) a e) da douta base instrutória.
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- Ao dar como provado estes factos, os Mmos. Senhores Juízes Desembargadores não podiam dar como provado - como deram - o alegado nos quesitos nºs 30º, al. f), 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38° e 39° da Base Instrutória.
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- Deveria o Mmo Juiz ter levado em conta na sentença tais factos e valorado aqueles testemunhos, a prova documental junta e o artigo 9°, nº 1 do DL nº 448/91 de 29/11/91 e dar como não provada a factualidade vertida nestes quesitos.
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- Não tendo decidido desta forma os Mmos Senhores Juízes Desembargadores fizeram errada interpretação dos factos e errada valoração das provas, bem como consequente errada aplicação da lei e decidiram ao arrepio da prova, estando, pois, a douta sentença proferida na primeira instância e o douto acórdão recorrido em oposição com os fundamentos, violando, assim, a alínea c), do nº 1, do artigo 668° do Código de Processo Civil, e isso importa a nulidade da sentença.
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- Mas mesmo que se entendesse, o que apenas por mero raciocínio jurídico se aceita, que tais cláusulas contidas naquele contrato-promessa de compra e venda são válidas, das mesmas resulta que o recorrente apenas tinha a obrigação de desenvolver toda a parte burocrática relacionada com aquele loteamento.
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- Destas cláusulas não consta que o recorrente tivesse...
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