Acórdão nº 08P3274 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução22 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA veio interpor recurso da decisão que o condenou: A) 1. - Como autor material de dois crimes de furto (um deles em co-autoria), previstos e punidos pelo artigo 203º, nº1 do Código Penal, nas penas de 4 (quatro) meses de prisão e de 9 (nove) meses de prisão; A) 2. -Como autor material de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº1, alínea a) e nº3 do Código Penal (na redacção vigente à data da prática do facto - artigo 2º, nº1), na pena de 1 (um) ano de prisão; A) 3. -Como autor material do crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 2º, nº1; 22º, nº1 e nº2, alínea b); 23º; 73º, nº1, alíneas a) e b); 131º e 132º, nº1 e nº2, alínea f) do Código Penal (na mesma redacção), na pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão; Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena conjunta de dez anos e três meses de prisão.

As razões de discordância do recorrente encontram-se expressas nas respectivas conclusões de recurso onde se refere que: 1- O Acórdão do TRC. tem apenas duas páginas e meia de decisão: o remanescente é mera reprodução da 1ª instância 2· A Justiça portuguesa não pode ser assim !!!! A Relação de Coimbra limita-se a dizer "Não" .. porque .. "Não" 3.Solbre as questões suscitadas pela Defesa, pela redução da pena, pela resposta do ExºMº Sr.Procurador da República em 1ª instância que pugnava por pena em cúmulo de 5 anos de prisão nem uma palavra do T. .C.

4·· O desígnio foi um só crime, uma única resolução pelo que inexistem dois crimes mas apenas um único crime de furto sob a forma continuada 6· O Acórdão da 1ª Instância presumiu a culpa ... sem que o arguido tivesse consciência da ilicitude ou tivesse intenção de matar: nada foi apurado no sentido de o arguido ter a intenção de matar: apenas quis fugir e, nessa fuga precipitada. atropelou o ofendido.

6 . A fundamentação é nula: vicio do art. 410... 2· a), b) e c) C.P.P. e violados os arts. 31 e 205 da CRP: o arguido confessou " que ao abandonar local conduziu um veículo e atropelou uma pessoa, tendo entrado em pânico quando disso se apercebeu e fugido .... " Fls 16 do Acordão e cassette 1 lado A.

7 •. O Tribunal de Julgamento apoiou se em depoimentos contraditórios. prestados sobre um momento fugaz e sem atender ao desígnio inicial do arguido... Factos 2 e 3 provados - In fls 3 e 4. do Acórdão e a Relação Coimbra ostracizou a apreciação in totum 8. Ao julgar que os factos integram o crime p. e p. pelo art. 132 nº2 f ) violou o princípio da presunção de Inocência - art. 32- 2 da Lei Fundamental: violou o "In dubio pro reo"· que Impõe que o Juiz Julgador valore sempre a favor do arguido um non liquet.

9 .. O Acórdão em 1ª instância imputa responsabilização sem nexo subjectivo .. seja a título de dolo ou de negligência .... e sem atender á voluntas inicial do arguido AA .e a Relação de Coimbra não apreciou em concreto esta questão .... In casu o exame critico é inexistente.

110· É inconstitucional o art 374 - 2 CPP por violação do dever de fundamentação das Decisões Judiciais e do direito ao recurso • arts 32-1 e 205 da Lei Fundamental quando entendido que não se exige o processo de formação da convicção do Tribunal para fundamentar a DECISÃO em MATÉRIA DE FACTO - Acórdão T.C. n° 680/98 e 636199 e o Tribunal Superior não aprecia a declaraçãode culpablidade 11· Os arts 410 nº2 e 412 -3.B) do CPP impõem, ao abrigo dos arts. 29· 6, 32·1 e 202·11 da CRP e art. 2 do Protocolo 7 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Principio do Duplo Grau de Jurisdição de Facto, apreciar a matéria de facto na globalidade, mas a Veneranda Relação de Coimbra, ostracizou o exame da culpa .....

12- A PRÉ-CONVICÇÂO DE CULPA no Tribunal Julgamento parece ter sido "chancelada' pela Relação Coimbra.

13- Inexistem os pressupostos do crime: o arguido deve ser absolvido do homicídio tentado e condenado pelos crimes pelos artigos 144 e 203 do código penal na pena de cinco anos de suspensa na execução, pois: • confessou os factos: quis fugir do local e atropelou o Ofendido; - mostrou-se arrependido; - escreveu da prisão ao ofendido a pedir desculpas; - indemnizou alguns Ofendidos • é toxicodependente e pretende tratar-se.

14- A pena de 10 anos e 3 meses viola o arte 40 C.P.: Prof. Vaz Serra Separata BMJ pago 26, Beccaria in "Dos delitos e Penas" Glorglo Dei Vecchio in Direito e Paz", Scientia Juridica, pag 41 pelo que deve ser reduzida para CINCO ANOS art 412- 2- C.P.P.: a) arts. 92-2 e 3, 97-4, 119 do CPP; 32 e 205 da Constltulção e 6° e da Convenção Europeia. Direitos do Homem. • con,. 131 e 132 C6d. Penal b). A prova que consubstancia o Acórdão é ausente e viola os artigos 32 e 206 da C.R.P.e artigos 131 e 132 do Cod. Penal.

O Tribunal interpretou os factos como tendo o recorrente incorrido na prática do crime de homicídio tentado O recorrente entende que não se verificam os requisitos desses normativos, que há Insuficiência para a decisão e que apenas se verifica um crime de OFENSAS CORPORAIS GRAVES • Normas violadas: art. 32-1 e 205 da Lei Fundamental da C.R.P. Convenção Europeia dos Direitos do Homem- arts 5 e 6° e principio da presunção de inocência, do contraditório e do "processo Justo e equitativo" .... .

Nesta instância o ExºMº Sr.Procurador Geral Adjunto emitiu o parecer constante dos autos.

Os autos tiveram os vistos legais.

* Cumpre decidir.

Em sede de decisão recorrida encontra-se a seguinte factualidade: 1. Os arguidos AA e BB mantiveram uma relação amorosa, desde Agosto de 2004, a qual, em Março de 2007, ainda perdurava; nesta última data, ambos consumiam produtos estupefacientes.

  1. No dia 7 de Março de 2007, os arguidos AA e BB decidiram subtrair combustível da Estação de Serviço BP, sita na Rua da ...., em Almoinha Grande, Leiria, para financiar a aquisição de produto estupefaciente para o consumo de ambos.

  2. Mais precisamente, os arguidos AA e BB tinham o propósito de se apoderarem de quantidade não apurada de combustível, cujo pagamento não tencionavam efectuar, com vista a, após, o trocarem por heroína, tal como já haviam feito em algumas outras ocasiões.

  3. Para tanto, cerca das 14.50 horas, dirigiram-se àquele local, acompanhados pelo arguido CC, fazendo-se transportar no veículo ligeiro de mercadorias de marca e modelo Iveco Daily, de matrícula VI-00-00, pertencente a FP, pai do arguido AA (veículo esse cuja propriedade, à data, permanecia registada a favor de um anterior proprietário, Luís ....).

  4. A viatura era conduzida pelo arguido AA, o arguido CC ia sentado no lado direito do banco da frente e a arguida BB encontrava-se sentada no meio desse mesmo banco, entre ambos.

  5. Chegados ao aludido posto de abastecimento da BP, o arguido AA parou a viatura junto de uma das bombas de combustível.

  6. Saiu, de seguida, do veículo e retirou do seu interior um recipiente em plástico, de que se havia munido, e começou a enchê-lo com gasolina sem chumbo 95 octanas.

  7. Os arguidos CC e BB permaneceram no interior do veículo, prestando esta atenção ao que se passava em redor, nomeadamente, aos funcionários do posto.

  8. Enquanto decorria aquele abastecimento, um dos empregados reconheceu o arguido AA como sendo indivíduo que já ali havia estado, em data não apurada, e que tinha levado combustível sem realizar o respectivo pagamento.

  9. Suspeitou, então, que o arguido AA se iria pôr em fuga sem pagar a gasolina, pelo que foi alertar seus colegas, havendo um destes alertado o seu patrão, Carlos ....., que se encontrava no escritório.

  10. Este saiu, então, para a parte exterior do posto, acompanhado por um empregado, e correu para o local onde a Iveco se encontrava, com o objectivo de interceptar os arguidos e impedir a sua fuga.

  11. Enquanto isso, alertado dessa movimentação pela arguida BB e verificando que haviam sido detectados, o arguido AA entrou rapidamente no veículo, levando consigo o recipiente que havia enchido com 52,90 litros de gasolina sem chumbo 95 octanas, no valor global de €66,81 (sessenta e seis euros e oitenta e um cêntimos).

  12. De seguida, fechou a porta e colocou o veículo em marcha.

  13. Entretanto, CM havia alcançado o local onde se encontravam os arguidos, no interior do veículo, e, na tentativa de impedir a sua fuga, colocou-se diante da viatura, com as mãos em cima do respectivo capot.

  14. Embora tenha visto claramente Carlos ... diante da viatura, o arguido AA prosseguiu em direcção a este, imprimindo velocidade ao veículo que conduzia e, sem se desviar ou deter a marcha, ao invés, sempre acelerando, passou com esse veículo sobre o corpo de CM, derrubando-o, esmagando-o e arrastando-o pelo chão.

  15. Em consequência directa e necessária do derrube pela viatura, esmagamento e arrastamento pela mesma, Carlos .... sofreu lesões várias, designadamente: ruptura traumática do baço com hematoma sub capsular; hemotórax bilateral, contusão hepática; fractura de costelas; contusão pulmonar direita; perfuração do íleon terminal com peritonite; fractura da base do crânio e ossos da face; traumatismo crânio-encefálico. Dessas lesões resultaram as seguintes intervenções cirúrgicas: recepção intestinal segmentar do íleon terminal; apendicectomia; esplenectomia; toracostomia por tubo bilateral. Do mesmo atropelamento, resultou, ainda, paralisia da corda vocal esquerda, com rouquidão subsequente; afundamento do olho direito com lesões das fibras do nervo óptico, resultando alteração de visão - visão turva - com perda de campo visual.

  16. Tais lesões, em função da sua extensão e gravidade, originaram uma situação de perigo concreto para a vida de CM. Em 21 de Agosto de 2007, tais lesões ainda não se encontravam médico-legalmente consolidadas. CM apresentava, então, as seguintes sequelas relacionadas com o evento: - Vestígio cicatricial em C na região occipital com cerca de 12 centímetros; - Complexo cicatricial na região frontal direita de cinco por três centímetros; - Afundamento dos ossos da hemiface direita comptose da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT