Acórdão nº 08S1328 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução08 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo tribunal de Justiça: 1. Relatório AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra RTP - Rádio Televisão Portuguesa, S.A.

, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 291.106,33 (58.361.581$00), referente a diferenças salariais, retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal, subsídio de refeição e transporte, subsídio de isenção de horário de trabalho e indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.

Em resumo, o autor alegou o seguinte: - prestou trabalho para a ré, ininterruptamente, entre 2 de Janeiro de 1990 e 8 de Fevereiro de 2002, exercendo as funções inerentes à categoria profissional de jornalista; - trabalhava apenas para a ré, de quem dependia economicamente, em exclusivo; - o seu local de trabalho situava-se nas instalações da ré, sitas em Vila Nova de Gaia, onde comparecia todos os dias para prestar trabalho, no horário fixado pela ré, constando dos mapas de horário de trabalho conjuntamente com outros trabalhadores/jornalistas do quadro da ré; - recebia ordens de empregados da ré, que se traduziam em regras orientadoras precisas, não só quanto ao fim pretendido, mas também quanto ao modo de execução do trabalho, em termos, aliás, idênticos aos colegas que faziam parte dos quadros da ré, encontrando-se integrado em equipas constituídas por trabalhadores da ré; - se, por qualquer razão, não cumprisse as ordens e instruções da ré, teria de se justificar junto dos seus superiores hierárquicos; - a partir de 1992, embora continuasse a desempenhar diariamente vários trabalhos jornalísticos, foram-lhe atribuídos trabalhos de grande responsabilidade e complexidade; - em 1994, foi-lhe, inclusive, comunicado pelo Director da ré, no Porto, que sendo a sua situação prioritária, seria «resolvida quanto antes», tendo-lhe sido garantido que seria a próxima pessoa a ser integrada nos quadros da ré, situação que não se veio a verificar; - não obstante entre 1 de Janeiro de 1990 e 31 de Março de 1998 dever ser considerado um trabalhador da ré «como outro qualquer», trabalhou para esta mediante a sucessiva celebração de contratos designados como de prestação de serviços; - até Abril de 1998, a remuneração mensal era paga «à hora», quando em apoio, e «à peça», tendo em conta a duração da mesma, pela elaboração das reportagens; - o autor, como os restantes jornalistas do quadro da ré, solicitava autorização para tirar férias todos os anos, sendo essa autorização concedida pelos seus superiores hierárquicos; - no entanto, ao autor nunca foram pagos os dias em que esteve de férias, nem foram pagos os subsídios de férias e de Natal; - também não lhe foram pagos os subsídios de refeição e de transporte, nem o subsídio de isenção de horário de trabalho, subsídios esses que eram pagos a todos os jornalistas do quadro; - as funções exercidas correspondiam, pelo menos, às funções exigidas pelo nível 11, sendo que muitas vezes exercia as mesmas funções de colegas integrados no nível 12; - a ré paga um denominado subsídio de isenção de horário de trabalho igual a 47% da remuneração base aos jornalistas prestando serviço em condições iguais às do autor, no entanto apenas se dispôs a pagar-lhe um subsídio de isenção de horário igual a 22% da remuneração; - caso a ré não venha a ser condenada a pagar o subsídio de 47% ou de 22%, deverá ser condenada no pagamento do subsídio de irregularidade do tipo B, desde Janeiro de 1990 a 31 de Março de 1998, data em que lhe começou a ser pago o subsídio de isenção de horário de trabalho; - o comportamento da ré violou o direito, legítimo, do autor a ser considerado trabalhador da ré desde a data da admissão, o que justifica uma indemnização a título de danos não patrimoniais.

Frustrada a tentativa de conciliação realizada na audiência de partes, a ré contestou, pugnando pela improcedência da acção.

Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte: - o exercício da actividade de televisão implica, pela sua natureza, o recurso a mão-de--obra diversificada, uma com carácter de permanência, outra, pelo fim a que se destina, necessariamente esporádica, ainda que com maior ou menor regularidade; - o recurso a este tipo de actividade é fundamental, sobretudo em áreas como a do desporto; - o que se verificou em relação ao autor, no período compreendido entre 2 de Janeiro de 1990 e Março de 1998, foi precisamente o recurso a uma colaboração esporádica, em regime de prestação de serviços; - consoante as necessidades de momento, a ré contrata «comentadores» para os diversos tipos de eventos cuja cobertura pretende realizar, havendo mesmo alguns comentadores que na gíria de televisão se apelidam de «comentadores residentes»; - as contratações, sobretudo na área desportiva, estão associadas à realização de determinados eventos, podendo ser mais ou menos frequentes consoante os próprios calendários desportivos das diferentes modalidades, a importância das provas, o interesse na sua cobertura televisiva e a necessidade ou não de recurso a comentadores especializados; - estes comentadores, alguns jornalistas de profissão, são remunerados pelos respectivos serviços, de acordo com a tabela de preços previamente fixada; - o autor realizava trabalhos de reportagem de exterior, colaborava em serviços de apoio da redacção, esporadicamente e no caso de eventuais necessidades da redacção, procedia, por vezes, à montagem de peças das imagens colhidas e fazia trabalhos de pivot em directo para a emissão e comentava diversos eventos, sobretudo jogos de futebol; - esse trabalho era realizado pelo autor com total autonomia técnica e criativa, não prestando trabalho à ré todos os dias, nem se encontrando à sua disposição, habitualmente, em horários predeterminados, sendo apenas chamado para a realização pontual de determinados eventos desportivos; - os valores auferidos pelo autor não eram fixos, variando de acordo com o tipo de serviço prestado e a duração do mesmo, conforme a tabela em vigor na ré, incluindo já as percentagens referentes ao subsídio de férias, Natal, transporte e refeição e retribuição de férias, numa preocupação da ré de equiparar os valores pagos aos colaboradores com as quantias auferidas pelo pessoal do quadro; - o autor não cumpria qualquer horário de trabalho e não estava impedido de desenvolver actividades concorrentes com a ré; - a passagem do nível 9 para 10 - promoção em linha de carreira profissional - só pode ocorrer por proposta da respectiva chefia, aprovada pelo Conselho de Administração; - a concessão do subsídio de irregularidade de horário decorre das necessidades efectivas da empresa ré e a respectiva atribuição não é automática, dependente de proposta da hierarquia e consequente aprovação.

Os autos prosseguiram os seus termos, vindo a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré dos pedidos.

Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas sem sucesso.

Mantendo o seu inconformismo, o autor interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões: I. É entendimento do Recorrente que do processo constam elementos probatórios que permitem concluir pela existência de um contrato de trabalho.

  1. A sentença do tribunal a quo padece de nulidade.

  2. Na verdade, nas suas alegações de Recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o recorrente pediu que fosse reapreciada a matéria constante dos quesitos 2.°, 3.°, 6.°, 7.º , 8.º, 23.º, 24.º, 26.º, 39.º, 40.º, 41.º, 44.º, 45.º, 54.º, 55.º, 56.º e 69.º.

  3. Todavia, o Tribunal da Relação de Lisboa não se pronunciou sobre o pedido de revisão dos quesitos 39.º, 40.°, 41.° e 69.°.

  4. Mais, na resposta aos quesitos 6.º, 7.° e 8.° utilizou na sua fundamentação o depoimento da testemunha BB, o qual apenas foi inquirido aos os quesitos 46.° a 68.° e 73.° a 77.° .

  5. Na resposta ao quesito 3.°, o Tribunal da Relação de Lisboa manifestamente não reparou que existia nos autos prova documental sobre este quesito, demonstrando a fundamentação utilizada que o tribunal não levou em linha de conta que existe nos autos prova documental suficientemente idónea que atesta que os valores pagos pela Recorrida ao Recorrente, nos anos de 1994 a 1998, são os únicos rendimentos que este auferiu nesse período.

  6. Mesmo sem considerar estas nulidades, a matéria de facto dada com provada é suficiente para permitir a qualificação jurídica do contrato existente entre o Recorrente e a Recorrida, entre 2 de Janeiro de 1990 e 31 de Março de 1998, como sendo de trabalho.

  7. Aliás, no parecer do Ministério Público, este pronunciou-se no sentido de que, atentos os factos provados em 1.ª instância, a correcta qualificação jurídica da relação entre Recorrente e Recorrida, no período compreendido entre 2 de Janeiro de 1990 e 8 de Fevereiro de 2002 (data em que o Recorrente denunciou o contrato de trabalho com a Recorrida, terminando a relação de trabalho entre ambos), era a de relação laboral.

    E, nessa parte, emitiu parecer com vista à procedência do recurso.

  8. Assim, salvo melhor entendimento, analisada a matéria provada e ao contrário do entendido pelo tribunal a quo, retira-se que o Recorrente provou existir um contrato de trabalho.

  9. Na verdade, a subordinação jurídica, elemento sobejamente relevante para a caracterização de um contrato como sendo de trabalho, existe no caso sub judice, verificando-se muitos dos seus vários elementos indiciadores.

  10. Procurando fazer a ponte entre estes elementos qualificadores e matéria dada como provada e acima referida, resulta o seguinte: XII. Ficou provada a existência de poder de direcção, como poder conformador do modo de desempenho da actividade do Recorrente, concretizado em ordens e directrizes.

  11. Era a Recorrida quem decidia onde e a que horas tinha o Recorrente que estar, verificando-se, assim, a existência de um...

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