Acórdão nº 06P3930 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução08 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Em processo comum, o Tribunal da Relação de Évora condenou AA, Juiz de Direito, pela prática de um crime de difamação agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 180.º, n.º 1, 184.º e 132.º, n.º 2, al. j), todos do CP, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 10 (dez euros), num total de € 900 (novecentos euros).

Mais decidiu julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante BB, Magistrada do Ministério Público, e, em consequência, condenar o demandado AA a pagar à demandante a quantia de € 2500 (dois mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.

O arguido vinha pronunciado pela prática do crime pelo qual foi condenado.

A demandante/assistente havia deduzido, contra o arguido e demandado civil, pedido de indemnização, por danos não patrimoniais, no montante de € 50 000 (cinquenta mil euros).

O arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça da decisão que o condenou nos termos referidos.

A - DECISÕES RECORRIDAS 1) Decisões interlocutórias Na sessão da audiência de julgamento do dia 08-03-2006 (fls. 800-803), na sequência de requerimento, apresentado pela Ilustre Mandatária do arguido, de junção aos autos de documento [participação apresentada, contra o arguido, ao Presidente do CSM, pela testemunha CC], o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho (transcrição): «O documento cuja junção se requer não se mostra necessário à descoberta da verdade e à decisão da causa, atento o objecto do processo.

O tribunal aprecia o depoimento da testemunha de acordo com a sua livre convicção e segundo as regras da experiência - art.º 127º do C.P.P.

Termos em que, de acordo com o disposto no art.º 340º, n.º 1 do C.P.P. "a contrario sensu" se indefere o requerido.

Custas do incidente, fixando-se no mínimo a taxa de justiça.» Na sessão da audiência de julgamento do dia 10-03-2006 (fls. 811-815), no uso da palavra que lhe foi concedida, a Ilustre Mandatária do arguido ditou para a acta o seguinte (transcrição): «Do Código de Processo Penal resulta do disposto no art. 341º, al. c) que a ordem de produção de prova indicada pelo arguido deve ser a última, ou seja, sendo o arguido o último a produzir prova em audiência de julgamento.

O que o arguido pretende tão só é que o presente julgamento termine com a maior brevidade dispensando vedi ver processuais, estando interessado na questão de fundo.

Da parte do arguido deixa à disposição do Tribunal o que entender por conveniente relativamente a esta irregularidade, designadamente para efeitos do art. 123°, n.º 2 do C.P.P.» Tal exposição mereceu por parte do Tribunal a quo o seguinte despacho (transcrição): «Efectivamente, não foi observada, por lapso, a ordem de produção de prova plasmada no art. 341° do C.P.P.

Tal procedimento constitui uma mera irregularidade que só agora e estranhamente, a defesa vem arguir, deixando no entanto de requerer expressamente o que quer que seja.

Entendemos, por isso, que tal procedimento constitui um incidente dilatório que, salvo melhor opinião, reflecte, além do mais, uma falta de respeito por todos os intervenientes processuais, nomeadamente das testemunhas que já depuseram e entretanto foram dispensadas.

Acresce que, tal irregularidade em nada afecta o valor dos actos praticados nem os direitos de defesa do arguido, tanto mais que a prova se encontra documentada. Porque o requerente nada requer, nada há a ordenar.

Custas pelo incidente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC'.» O arguido interpôs recurso destas decisões interlocutórias o qual haveria de subir com o que foi interposto da decisão final condenatória (fls. 943).

2) Decisão final 2. 1. - No tocante à matéria de facto, estabeleceram-se os seguintes 2. 1. 1.

Factos provados (transcrição) «1 - A assistente,BBo, exerce funções no Tribunal de Trabalho de Portimão desde 15.09.85, com excepção de um interregno de 2 anos, em que por conveniência de serviço foi destacada para o Tribunal Judicial da Comarca de Silves.

2 - Em Setembro de 1999 foi promovida a Procuradora da República e no desempenho destas novas funções foi colocada, de novo, no Tribunal de Trabalho de Portimão, onde se mantém.

3 - O Mmo. Juiz, AA, ora arguido, foi colocado no Tribunal de Trabalho de Portimão em 15 de Setembro desse mesmo ano de 1999.

4 - Decorrido pouco tempo, sobre as respectivas colocações no Tribunal de Trabalho de Portimão, entre a assistente e o arguido estabeleceu-se uma forte relação de amizade.

5 - O arguido e a assistente, mercê da relação de amizade entre eles estabelecida e que acabou por envolver as respectivas famílias, tornaram-se visitas da casa um do outro, juntando-se em datas festivas e não só, com bastante frequência.

6 - Também a nível profissional o ora arguido e a assistente trabalhavam em sintonia.

7 - Por razões não apuradas, após as férias judiciais estivais do ano de 2003, o arguido e a assistente puseram termo a essa relação de amizade.

8 - Começaram, então, a nível de trato pessoal a dirigir-se palavras menos correctas.

9 - E também, a degladiar-se a nível profissional, o que se reflectiu nos processos, onde, por vezes, quer um, quer outra, nos despachos e promoções se ofendiam reciprocamente.

10 - Este mau relacionamento deteriorou-se de tal modo, que afectou o regular funcionamento e a imagem dos serviços, situação que ainda hoje se mantém.

11 - No processo emergente de Acidente de Trabalho n.º 266/91, o arguido proferiu a 19 de Abril de 2004, na sequência de um requerimento dirigido aos autos pela Companhia Seguradora Império-Bonança, o seguinte despacho: "Proceda a secção ao cálculo do capital da remissão (em conformidade com a tabela anexa à Portaria n.º 11/2000, de 13 de Janeiro e tendo em atenção para efeitos de cálculo a data de 1 de Janeiro de 2003, data a partir da qual a pensão tornou-se obrigatoriamente remível), devendo proceder-se à compensação/dedução das prestações pagas pela entidade responsável a partir de 31 de Abril de 2003, tão só porque estas foram satisfeitas na sequência do cumprimento do nosso anterior despacho de fls. 169, que implicitamente, não considerou, então a pensão remível a partir de 1/1/2003.

Quanto às prestações pagas anteriormente, de 1 de Janeiro de 2003 a 30 de Abril de 2003, considerando que a pensão devida ao sinistrado tornou-se obrigatóriamente remível em 1 de Janeiro de 2003, em função do disposto nas disposições conjugadas dos artos. 17.º, alínea d), 33.º, n.º 1 e 41.º, n.º 2, alínea a), todos do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, este último com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de Setembro, produzindo efeitos ope legis, isto é, sem necessidade de qualquer decisão judicial nesse sentido, razão porque a partir da referida data deixou a responsável pelo seu pagamento de estar vinculada ao pagamento dos duodécimos correspondentes à referida pensão e, Considerando ainda o crédito do capital de remissão por ser impenhorável por força da Base XLI, da Lei nº 2127 de 3 de Agosto de 1965 e art.º 35.º da Lei n.º 100/97, não é também susceptível de compensação visto o preceituado no art.º 853.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil; No seguimento de parte das razões invocadas na promoção do Ministério Público e de jurisprudência uniforme nesta matéria (vide decisões do Tribunal da Relação de Lisboa indicadas no "parecer" de João Monteiro, publicado no Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 66, pag 145 e segs), indefiro em parte ao requerido pela seguradora através do seu requerimento de 13.4.2004.

Notifique e D.N.".

12 - Porém, a funcionária judicia CC, ao cumpri-lo, faz o contrário daquilo que pelo ora arguido havia sido determinado, ou seja, no cálculo do capital de remissão procede à compensação das pensões pagas pela seguradora ao sinistrado no período de 1/1/2003 a 30/4/2003, precisamente aquelas que não deveria compensar.

13 - É na sequência da confusão da funcionária CC que, a 12 de Maio de 2004, cerca das 10 horas, o arguido solicita a presença daquela (funcionária) no seu gabinete, tendo em vista averiguar da ratio da desconformidade entre aquilo que o arguido havia ordenado em despacho judicial e o que havia sido cumprido pela Secção.

14 - Após uma não muito curta conversa estabelecida, a funcionária CC, após referir, a determinada altura, que embora tivesse cogitado, não estar, em rigor, a proceder correctamente no que à elaboração do cálculo de remissão dizia respeito, em consonância com o que o arguido havia ordenado em despacho judicial, a verdade é que, na dúvida, sobre o cumprimento do despacho, e como nos termos da lei, elaborado o cálculo, o processo vai com vista ao Ministério Público, para o verificar, achou por conveniente e mais seguro consultar préviamente a ilustre Magistrada do Ministério Público, ora assistente e, em última análise, seguir as suas instruções no que dizia respeito ao cumprimento do despacho judicial supra referido.

15 - Foi, quando a funcionária CC, lhe referiu que havia ouvido a assistente sobre a forma de como cumprir o despacho, que o juiz AA se exaltou e disse, em voz alta, à mesma funcionária: "Você é burra e mais burra é a Procuradora".

16 - Estas expressões foram ouvidas fora do gabinete.

17 - O arguido, ao proferir esta expressão admitiu que a mesma fosse susceptível de atingir como atingiu, a honra e consideração da assistente, enquanto Magistrada do Ministério Público e como cidadã, conformando-se com tal.

18 - Agiu de vontade livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta não era permitida e era punida por lei, tendo agido no exercício das suas funções.

19 - Como consequência directa e necessária da conduta do demandado/arguido, a demandante sentiu-se vexada e contrita.

20 - Até, por tais expressões terem sido proferidas na presença e dirigidas à pessoa de uma funcionária de justiça.

21 - Funcionária que, convive e trabalha com a demandante.

22 - A demandante é pessoa cuidadosa e zelosa no cumprimento das suas funções.

23 - Pautando a sua...

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