Acórdão nº 08P1226 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Julho de 2008
Magistrado Responsável | RODRIGUES DA COSTA |
Data da Resolução | 03 de Julho de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
-
RELATÓRIO 1.
Na 1.ª Secção da 5.ª Vara Criminal de Lisboa, no âmbito do processo comum colectivo n.º 583/03.3S6LSB, foi julgado, entre outros, o arguido AA, acusado, em concurso real, da prática de quatro crimes de ofensa à integridade física simples, do art. 143.º, n.º 1 do Código Penal (CP) e de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea g), 22.º, 23.º e 73.º todos do diploma legal invocado, e, no final, condenado apenas pelo crime de homicídio na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
-
Inconformado com a decisão, que foi proferida em 28/02/2007, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por decisão de 15/11/2007, rejeitou o recurso por manifesta improcedência.
-
Ainda inconformado, recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo: 1 - Decidiu o Venerando Tribunal da Relação a fis. 60 do douto Acórdão, remetendo para o Acórdão condenatório que: ‘ (...) torna-se evidente que o arguido AA praticou actos idóneos a produzir o resultado típico, sabendo-se como se sabe que a utilização de uma arma como a usada pelo arguido, nos moldes em que ocorreu e na zona do corpo do assistente em que foi cravada, traduz-se num meio apto à consumação da morte. (...) o arguido actuou de modo a causar a morte do assistente.(...) Esta conclusão é, dir-se-á. inevitável (...)" ( sublinhado nosso).
2 - O arguido, ora Recorrente não se pode conformar com tal decisão. já que tem como habilitações literárias o 9° ano de escolaridade, não possuindo conhecimentos técnicos. nomeadamente na área da medicina, para ter a consciência que as artérias existentes nos membros inferiores quando atingidas, poderão causar a morte.
3-O Tribunal ora Recorrido, tal como o Tribunal de 1.ª instância, fizeram "tábua raza" dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, que tal factualidade é consequência de agressões mútuas, como o próprio Assistente admitiu.
4 - O douto Acórdão decidiu a fls.64. que " a forma como foi utilizada, as circunstâncias gratuitas em que tal utilização ocorreu, a zona do corpo do assistente escolhida pelo arguido, todos estes factores apreciados em conjunto criam um cenário de especial censurabilidade (...) manifesta agravação da medida da culpa do arguido AA e do correspondente juízo de censura".
5 - Tal não corresponde à verdade, já que a "agressão" ocorreu aquando vários Seguranças de um Centro Comercial se dirigiram para uma loja, sendo de salientar que o ora Recorrente, mede cerca de 1 ,65m, estatura em muito inferior á do Assistente! 6 - E sendo certo que para o exercício da profissão de Segurança, os mesmos têm que reunir certos requisitos físicos e técnicos para o cabal desempenho da profissão.
7 - Não sendo credível, a versão de que o ora Recorrente "sem que nada o fizesse prever" friamente atingisse o Assistente na perna para o matar! 8 - Também não encontrou, o Tribunal, ora Recorrido explicação para o Recorrente atingir na " perna" o Assistente, já que numa situação considerada "normal", sem agressões mútuas, em que ambos estivessem de pé. e o ora Recorrente pretendesse matar o Assistente, sempre o atingiria numa zona de conhecimento geral mais letal, nomeadamente no peito, ou no estômago! 9 - Diferentemente do decidido, apresenta-se credível a versão de que a agressão ocorreu como consequência da exaltação de ânimos, com discussão, empurrões, murros e pontapés entre os intervenientes.
10 - Importa referir que. a utilização da arma. por parte do ora Recorrente, deu-se em circunstâncias especiais. em nada gratuitas,. uma vez que o arguido ao ser vítima de uma agressão ( facto relatado pelas testemunhas e devidamente transcrito), e que nem o Tribunal de 1.ª Instância analisa, nem o Tribunal ora Recorrido dá como existente.
Inexistindo a especial censurabilidade a que se reporta tal qual qualificativa! 11 - Fica a percepção que a decisão foi arbitrária ou foi errada, já que a intenção de matar decorre de erros notórios, que se fundamentaram única e exclusivamente nas declarações do Assistente, não decorrentes de uma analise ponderada e correcta. da matéria produzida, mas sim de uma possibilidade incerta e cheia de dúvidas.
12 Podendo colocar-se a questão. do eventual excesso de legitima defesa, que na nossa opinião, não se verifica, pois o bem sacrificado com a defesa e o bem que a vítima ameaçava, ao agredir o arguido, era o mesmo, isto é o bem vida.
Mas , e ainda que tal excesso se verificasse, seria justificado pelo estado de perturbação e medo em que o arguido se encontrava.
13- O Tribunal Recorrido errou ao não subsumir os factos praticados pelo arguido no artigo 32° do Código Penal, mas para além deste, novo erro cometeram, ao preterirem a aplicação do regime do homicídio privilegiado, mais favorável ao arguido, pela aplicação da atenuação especial da pena.
14 - Estão verificados todos os requisitos para a aplicação do referido regime, nomeadamente a existência de um facto injusto que causou no arguido uma emoção violenta e que o levou a praticar o crime, sendo tal emoção compreensível e aceitável.
15 - Os próprios lesados referiram nos seus depoimentos prestados em audiência de julgamento, que foram chamados à "Bata" para fazer "urna retenção", o que corrobora com o depoimento dos arguidos em que referenciam que foram impedidos de sair da loja porque tinham que "aguardar". e que facilmente das agressões verbais, numa fracção de minutos se passou para agressões físicas mutuas. Neste sentido decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa. por Acórdão datado de 14.01.2004 ( Proc. N° 682 1/2003-3) 16- O Recorrente também não se pode conformar com a sua condenação, no pedido de indemnização cível, já que de acordo com o art. 496° do C.Civil o montante indemnizatório será fixado equitativamente, tendo em atenção não só a dimensão e gravidade dos danos, mas também o grau de culpa do lesante, a situação económica do responsável civil e do lesado, pois o arguido não possui qualquer bem móvel ou imóvel, vive do seu modesto salário de militar (soldado), tem a seu encargo uma irmã e cinco sobrinhos menores, pelo que o valor atribuído a titulo de indemnização de € 60.000,00 se considera excessivo. (Neste sentido vide Ac. do S.T.J. de 07.12.2006. proc. 06P3053).17 - Diz- nos o art.° 71° do Código Penal no n° 1 que: "A determinação da medida da pena, ... é feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção" e é a determinação, que há-de ser decidida pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, sendo a prevenção especial de socialização que a vai determinar, cabendo assim àquela prevenção especial encontrar o "quantum" exacto da pena.
18 - Assim no caso concreto o douto tribunal "a quo" não teve em consideração a culpa do agente e as exigências de prevenção previstos legalmente. já que lhe é aplicada uma pena de prisão, que se afigura como excessiva e desadequada para o suposto grau de participação do recorrente no presente processo.
19 - Dispõe também o art.° 71° do Código Penal no seu n° 2 que : " Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele, nomeadamente ..." 20 - O douto tribunal não valorou convenientemente todas as circunstâncias atenuantes que militam a favor do recorrente, nomeadamente: . - Não ter antecedentes criminais, - Boa inserção familiar, vive com uma irmã e com cinco sobrinhos menores que se encontram a seu encargo, - Boa inserção social e profissional,. uma vez que o arguido é militar, prestando serviço no regimento de artilharia em Leiria desde 2005.
21- Acresce que os factos praticados ocorreram há mais de 4 anos, - A data dos factos ter apenas 22 anos de idade. - Que a "agressão" deu-se na sequência de uma discussão, não foi gratuita, - Ter demonstrado um arrependimento sincero.
22 - Por isso, devia ter ocorrido uma atenuação especial da pena pelo douto tribunal, nos termos do art.° 72° do Código Penal e ter-lhe sido aplicado uma pena de prisão suspensa na sua execução, até porque não podiam ter sido descuradas as circunstâncias anteriores e posteriores ao crime, onde a já sentida censura na "pele" ao longo da sessão de julgamento, foi bastante para o recorrente incorporar a ilicitude do crime pelo qual foi julgado e condenado estando assim realizadas de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
23 - Por todas as razões acima expostas "primae facie" que, tendo em conta a descrita actuação do recorrente, não é desapropriada uma pena de prisão suspensa na sua execução, atenta a moldura penal subjacente ao crime em questão e a não existência de agravantes qualificativas como sendo reincidência e outras, antes pelo contrário não existem antecedentes criminais.
24 - A resposta do Estado deve passar por penas não privativas da liberdade, precisamente porque o Estado deve agir como um pai, que na primeira falta deve punir de forma propedêutica, porquanto os fins das penas não são só vigiar e punir, mas também ressocializar o homem, senão vejamos o principio da reinserção social como instrumento importante de política criminal, que se for bem aplicado pode tomar-se um meio importante para a estabilidade social.
25 - O douto tribunal não teve em consideração a culpa do agente e as exigências de prevenção previstos legalmente, já que lhe é aplicada uma pena de prisão, que se afigura como excessiva e desadequada.
26 - Pelo que. deveria ter ocorrido uma atenuação especial da pena pelo douto tribunal, nos termos do art.° 72° do Código Penal e ter-lhe sido aplicado uma pena de prisão que permitisse a sua execução fosse suspensa.
(...) 40 - Foi violado o n° 1 do Art. 72° do Código Penal (existiam...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO