Acórdão nº 08A1262 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelMOREIRA ALVES
Data da Resolução01 de Julho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Relatório No Tribunal Judicial de Bragança (a acção acabou por seguir no T.J. de Vila Flor, tido por competente territorialmente,)a sociedade V... de S... Lda.

Intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra E.N.

- Electicidade do Norte S.A., hoje E.D.P.

Distribuição - Energia S.A., alegando em resumo: - que a sua actividade é a de produção e comercialização de cogumelos e de composto orgânico para cogumelos; - para isso possui a A. instalações sitas em Benlhevai, Concelho de Vila Flor, que integram 3 Bunkers, 2 túneis, 16 câmaras de produção e 1 câmara frigorífica; - A A. celebrou com a Ré um contrato de fornecimento de energia eléctrica em média tensão, para alimentar a referida indústria; - no dia 6/11/2000, entre as 3h,45 e as 15h, ocorreu, em toda a freguesia de Benthevai, um corte total de energia eléctrica que também afectou as instalações industriais da A., causando a perda/inutilização de parte da produção de cogumelos e composto, e a danificação da parte restante, obrigando a A. a vender, essa parte danificada para a industria e não para fresco, com a consequente perda de lucros.

- Assim, por causa do aludido corte de energia eléctrica, a A. teve danos que quantifica em 151.726,34 €.

- Por outro lado, ainda por causa do dito corte de energia a A. não logrou satisfazer as encomendas dos seus clientes, tendo sofrido reclamações, o que provocou forte impacto na sua imagem empresarial, mormente por ser uma empresa líder de mercado.

- Tal dano não patrimonial deve ser computado em 25.000€.

*Consequentemente pede a condenação da Ré a: - reconhecer que a falta de energia eléctrica registada durante as 3h,45 e as 15h do dia 6/11/2000 procede de culpa sua, e que essa falta de corrente causou à A. danos patrimoniais e não patrimoniais.

- reconhecer a sua responsabilidade pela verificação de tais danos.

- pagar à A. a quantia de 151.726,34 € (30.418.400$00) a título de ressarcimento pelos danos patrimoniais (danos emergentes e lucros cessantes).

- pagar à A. a quantia de 25.000 € a título de ressarcimento pelos danos não patrimoniais e - pagar à A. juros de mora sobre tais quantias, a liquidar à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento.

*Contestou a Ré, alegando em resumo que a linha em causa obedecia a todas as normas e estava em perfeito estado de conservação, mas que, na madrugada do dia 6/11/2000 as condições atmosféricas foram extremas, com ventos de intensidade excepcional, muita chuva e trovoadas dispersas, e que, nessas circunstâncias, ocorreu o corte de energia no ramal de Benlhevai, e que, recebidos os 1ºs avisos, a Ré logo mandou uma equipa para restabelecer a energia, tendo-se constatado a ruptura de um isolador rígido e a queda de condutores, tendo a energia sido restabelecida às 14h,37.

Alega, por outro lado, que a A. possuía um grupo motor - gerador que permite, um caso de falha de energia eléctrica, a manutenção em funcionamento do equipamento, evitando-se, assim, danos consideráveis, mas tal grupo não entrou em funcionamento por culpa da A.

Impugnam, também, os danos.

*A Ré E.D.P. pediu a intervenção principal da Companhia de Seguros Fidelidade-Mundial S.A. e da Companhia de Seguros Império.

*Replicou a A.

*Foi admitida a intervenção dos referidos terceiros.

*A chamada Império Bonança Companhia de Seguros S.A., contestou, excepcionando a prescrição do direito da A.

Alegou também que, em qualquer caso, só responderá por força da apólice, por danos superiores a 100.000€ e que, no caso, o corte do fornecimento de energia eléctrica se ficou a dever a um caso de força maior, consistente no forte temporal que se fez sentir na madrugada do dia 6/11/2000, causador da queda de árvores, cortes de estrada e desabamentos.

*Por sua vez, a chamada Companhia de Seguros Fidelidade - Mundial S.A., contestou igualmente, alegando que a sua responsabilidade sempre se limitaria a 99.759,57 € a que se deverá deduzir a franquia de 30% a cargo da Ré segurada.

No mais, impugna a factualidade alegada na petição inicial.

*Proferiu-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.

*Realizado o julgamento e publicitada a decisão de facto, foi elaborada sentença final que julgou a acção parcialmente procedente, condenando: - A Ré EDP a pagar à A. a quantia global de 103.349,87€; - A chamada Companhia de Seguros Fidelidade - Mundial S.A. a pagar à A. solidariamente com a Ré E.D.P. a quantia de 84.795.64 € (parte dos 103.349,87); - A chamada Império-Bonança - Companhia de Seguros S.A., a pagar à A., solidariamente com a Ré E.D.P., a quantia de 3.590, 29 € (também parte dos 103.349,87 €).

- os respectivos juros de mora e - A Ré E.D.P. e a chamada Império - Bonança a pagarem solidariamente à A. a quantia que se apurar em liquidação de sentença, correspondente às quantidades de turfa e micélio existente nas 4 câmaras, nos termos referidos em II.B. 5.3.2.

*Inconformados recorreram a R. E.D.P. e a chamada Fidelidade - Mundial, mas, apreciadas as apelações, foram julgadas parcialmente procedentes (quanto aos danos morais) pelo que apenas se revogou a sentença recorrida na parte em que condenou no pagamento de indemnização a título de danos não patrimoniais. No mais confirmou-se a sentença recorrida.

*É deste acórdão que voltou a recorrer a Ré EDP. e a chamada Fidelidade - Mundial.

A.A. também recorreu, na parte em que ficou vencida (danos não patrimoniais) mas deixou deserto o recurso (cfr. Despacho anterior do relator.).

**Conclusões.

Conclusões da Revista da Ré E.D.P**1º Verifícou-se erro na aplicação do direito à matéria de facto dada como provada.

  1. No acórdão recorrido entendeu-se que a recorrente EDP não logrou afastar a presunção de culpa que sobre si impendia.

  2. Entende a recorrente EDP que afastou a presunção de culpa na produção dos danos, não só porque o "incumprimento" (ausência de fornecimento de energia eléctrica) foi devido a causa de força maior, mas também porque a recorrida contribui decisivamente para a produção desses danos.

  3. Provou-se que à data do incidente toda a rede que abastece as instalações da recorrida encontrava-se em perfeito estado de conservação e instalada de acordo com as regras da boa técnica e de segurança em vigor, achava-se instalada em zona montanhosa, fustigada pela acção de fenómenos atmosféricos adversos de vento, chuva e trovoada.

  4. Apesar do bom estado da rede eléctrica, no caso dos autos verificou-se uma avaria num dos seus componentes - um isolador rígido.

  5. Avarias em elementos da rede eléctrica e de quaisquer aparelhos eléctricos ou motores que se encontrem em bom estado de funcionamento, como acontecia com a rede eléctrica da EDP, são fenómenos que sucedem de modo imprevisto e por isso incontroláveis.

  6. No caso dos autos, verificou-se avaria em isolador rígido, na madrugada do dia 6/11/2000, em circunstâncias de tempo adversas, nomeadamente de chuva forte e ventos ciclónicos (rajadas superiores a l00km/h), tendo-se verificado elevado o número de avarias nesse dia.

  7. À EDP deu início aos trabalhos de detecção e reparação da avaria que esteve na origem dos danos reclamados pela recorrida íogo que deía teve conhecimento, ou seja, às 08h30m, tendo concluído a sua reparação por volta das 14h37.

  8. Nas instâncias anteriores entendeu-se que a EDP não ilidiu a presunção de culpa, nomeadamente não provou a existência de circunstâncias susceptíveis de integrarem o conceito de causa fortuita ou de força maior.

  9. A avaria verificada é sem qualquer dúvida uma causa de força maior, porque imprevista e incontrolável.

  10. A decisão recorrida, nesta parte, cometeu erro de julgamento, entendendo como taxativa, quando não é, a definição que consta do corpo do artigo 152° do Dec. Lei 43335, de 19 /l 1/1960.

  11. Para além das situações previstas no corpo do referido artigo 152°, outras situações podiam ser consideradas como "casos de força maior" - cfr. § 1º e 2º , sendo que, em tais casos, exigia-se à distribuidora que tivesse tomado todas as precauções para evitar falhas ("entender-se-á que foram tomadas todas as precauções quando tiverem sido cumpridos os preceitos dos regulamentos de segurança e as normas e prescrições impostas pelos organismos oficiais competentes".

  12. Por outro lado, à data dos factos tratados nos autos encontrava-se em vigor definição mais actual, igualmente não taxativa, mas no essencial coincidente com a citada supra - cfr. Regulamento da Rede de Distribuição, diploma dimanado da Direcção Geral de Energia, através do Despacho n° 13615/99, D.R. 2a Série, de 16/7/88, ao abrigo do Dec. Lei 182/95 de 27 de Junho, em vigor desde 1 de Agosto de 1999, define "casos fortuitos ou de força maior os que resultam da ocorrência de guerra, alteração da ordem pública, incêndio, terramoto, inundação, vento de intensidade excepcional, descarga atmosférica directa, sabotagem, malfeitoria (vandalismo), intervenção de terceiros devidamente comprovada, bem como outros que reúnam simultaneamente as condições de exterioridade, imprevisibilidade e irresistibilidade" 14° A situação dos autos cabe dentro da parte final da definição apontada pelo citado Regulamento e não contraria a previsão do também citado artigo 152°.

  13. Independentemente da ausência de culpa da EDP, que parece demonstrada, concorreu para o alegado valor dos danos a conduta negligente da recorrida.

  14. Na verdade, considerando as especiais necessidades de corrente eléctrica da unidade produtora da recorrida, constitui obrigação legal desta a instalação de um grupo electrogéneo cfr. art°s 1º, 2º, 15°, 353°, 354° e 358° do Regulamento de Segurança de Instalações e Utilização de Energia Eléctrica, anexo ao Dec. Lei n° 740/74, de 26/12).

  15. À data dos factos a recorrida possuía grupo electrogéneo (motor-gerador) com potência suficiente para as necessidades vitais da sua produção, mas este grupo só funcionou durante cerca de duas horas.

  16. A fonte alternativa de corrente é de propriedade exclusiva da recorrida, fazendo parte da instalação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
3 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT