Acórdão nº 08B1355 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ROCHA
Data da Resolução05 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no supremo Tribunal de Justiça 1.

AA, Lda., BB, Serralharia CC, Lda., DD, EE, Lda., B...&P..., Lda., FFF, S.A., anteriormente denominada TTT, oficina de Reparações de Automóveis, Lda, e AC, Lda., interveniente principal, intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a Brisa Auto-Estradas de Portugal, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhes as quantias de, respectivamente, Esc. 3.000.000$00, Esc. 3.200.000$00, Esc. 5.000.000$00, Esc. 3.000.000$00, Esc. 6.000.000$00, Esc. 5.200.000$00, Esc. 3.800.000$00 e Esc. 13.150.000$00, acrescidas de juros e a procederem à preparação e outorga nos competentes autos ou escrituras notariais, para o que alegaram, em síntese, que, na sequência de expropriação para a construção da Auto-Estrada Lisboa Cascais de prédios de que eram arrendatários, celebraram com a ré acordos de indemnização, embora não formalizados, tendo a ré pago parte dos valores acordados e recusando, agora, pagar os montantes em falta.

A ré, regularmente citada, veio contestar e reconvir, pedindo a condenação dos autores a pagarem-lhe a quantia total de Esc. 67.143.550$00, ou a que se vier a fixar, por diferença entre o que já lhes foi pago e o que foi fixado pelos peritos no âmbito do processo de expropriação.

Invocou as excepções de caso julgado e de litispendência e, impugnando, alegou que os acordos dos autos foram celebrados mediante condição de serem aprovados pela JAE, não tendo esta entidade aprovado os mesmos e, por outro lado, como os aludidos acordos também não têm validade formal, apenas terá que pagar os montantes estabelecidos em avaliações efectuadas para o efeito.

Os autores responderam, pugnando pela improcedência das excepções e da reconvenção.

A ré respondeu.

Foi proferido saneador/sentença, no qual se julgaram procedentes as excepções de caso julgado do pedido principal e de litispendência quanto ao pedido reconvencional, absolvendo-se as partes da respectiva instância.

Desta decisão interpuseram recurso ambas as partes, sobre o qual recaiu o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no qual se revogou a decisão recorrida, relativamente à absolvição da instancia da ré, por existência de caso julgado e se confirmou a mesma decisão quanto à absolvição da instancia reconvencional dos autores e da interveniente, por verificada a litispendência.

Foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto.

Procedeu-se a julgamento, posto o que foi proferida sentença a julgar a acção improcedente.

Inconformados com essa decisão, dela interpuseram, sem êxito, recurso, os autores para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Ainda irresignados, pedem revista.

Concluíram a alegação de recurso pela seguinte forma: No acórdão em apreço desatendeu-se a apelação dos autores, porque se considerou, a diferentes títulos, que não era de responsabilizar a ré expropriante pelas pretensões peticionadas por aqueles; desde logo por irresponsabilidade no âmbito pré-contratual - questão que prejudicou tecnicamente, no sentido seguido pelo acórdão, as de conhecer a indemnização do interesse positivo, ou a do cumprimento; Ao decidir deste modo e neste sentido, o acórdão errou na aplicação da lei tutelar aos factos assentes e provados, com especial evidência para a subsunção e a conjugação do facto provado no quesito 13º e a desconsideração do quesito 11º pelos arts. 39º a 45º do Cód. das Exp. de 1976; A ré expropriante deveria - nos termos e para os efeitos dos citados arts. 39° a 45°, e em conformidade com as obrigações gerais dos princípios do direito expropriativo e as regras da boa fé e confiança, em termos de responsabilidade civil - ter-se, a priori, habilitado com os poderes e/ou autorizações, também da JAE, para que, ao propor e negociar os quantitativos indemnizatórios, não estivesse dependente, a posteriori, da aprovação desta relativamente aos respectivos valores; Da factualidade apurada, não consta e, pelo contrário, resulta não provado que a ré tivesse condicionado expressamente, ou que tivesse de algum modo feito saber aos autores que o pagamento dos quantitativos tivesse de ser sindicado pela JAE; Pelo contrário, como se disse, e em oposição ao julgado no acórdão, o que resulta a ser compreendido com toda a implicação de inteligibilidade é o que resulta da resposta positiva à pergunta do quesito 13º da BI: a ré supunha que a JAE iria aprovar e autorizar os quantitativos acordados; O facto de estar provado que a ré "supunha ..." evidencia, com todas as consequências lógico-jurídicas, que nas negociações com os autores agiu temerariamente, sem ter apreciado e recebido a aprovação prévia da JAE; E, dest'arte, com o pagamento de 80% a cada um dos autores dos quantitativos diversos acordados com cada um deles, e reservando os restantes 20% para a data da outorga dos autos ou escrituras notariais, a ré conseguiu e logrou que aqueles suspendessem de imediato as suas actividades industriais e se transferissem para outros locais; Embora se possa admitir que a ré não tenha agido com dolo, impossível é - sem desprezar o mais elementar sentido comum da lógica e da boa-fé e das normas tutelares expropriativas e civis sobre o cumprimentos das obrigações e a responsabilidade civil pelo seu não cumprimento - não imputar à ré culpa grave, passível de uma de duas soluções: cumprir o contrato, pagando, com o encargo de uma mora de mais de 17 anos (Janeiro de 1991 a fins de Fevereiro de 2008, e ...), a última prestação de 20% do indemnizatório, ou, igualmente, suportar encargo indemnizatório pelos prejuízos que, em termos económicos, se confundem com o montante, a cada um, da prestação em atraso. Porque, por definição jurídica, vd. art. 1º dos Códigos de Expropriações, ao longo dos tempos, o valor indemnizatório corresponde em abstracto e significado jurídico ao montante do prejuízo sofrido pelo expropriado / interessado; O acórdão não faz adequada aplicação das normas aos factos, ao irresponsabilizar sumariamente a ré expropriante a título de responsabilidade pré-contratual (quando a figura em sede de direito administrativo expropriativo tem de ser apreciada sob diagnose diferente da comum na civilística obrigacional) fez prejudicar as questões de indemnização na vertente do interesse positivo, e sobretudo do cumprimento obrigacional; Depois de expropriante e expropriados / interessados terem acordado nas condições de pagamento dos quantitativos expropriativos, e estes deles terem recebido 80%, não se pode falar em "fracasso de negociações" (como acontece no acórdão em apreço), quando a falta dos restantes 20%, seja por que razão for, desde que devida, por negligência da expropriação, não é paga; A ré expropriante agiu com culpa grave, violou regras ético-jurídicas, traiu a confiança que o cidadão comum espera razoável e própria de uma entidade que age e actua em nome e por conta do Estado; agiu com culpa, antes de mais, porque não cumpriu nem seguiu, e assim violou, o já referido normativo do Código das Expropriações de 1976; O acórdão violou essas mesmas regras e as que, por dever de julgamento, deveriam, perante a factualidade assente e julgada, ter sido invocadas, nomeadamente as que, por diferentes títulos, não apontam à ré o incumprimento contratual e a responsabilidade por sua causa, os arts. 39º a 45º Cód. Exprs. 56, os arts. 220°, 289°, 789° e 227º, nº1, do Código Civil.

AC, Lda., aderiu ao recurso interposto pelos recorrentes, ao abrigo do disposto no no 3 do art. 683º do CPC.

A ré contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

  1. Estão provados os seguintes factos: A. Os autores são os "arrendatários comerciais" do prédio urbano registado na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 4935, a fls. 148vº do Livro B-14 (2a Secção), inscrito na matriz urbana sob o n° 5077 e 5110 da freguesia de Alcabideche, em consequência da expropriação por utilidade pública administrativa e consequente demolição, que impendeu sobre aquele e outros prédios, de que eram proprietários RC e mulher, AC, tudo isto nos termos a que se referem os nºs 1 e 2 da Base XXIX anexa ao Decreto-Lei n° 458/85, de 30 de Outubro, publicado no Diário da República n° 250, de 30-101985, conforme consta de fls. 20 a 41.

    B. Os autores traziam comercialmente locadas, naquele prédio, ao seu senhorio RC e...

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