Acórdão nº 08P926 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelARMÉNIO SOTTOMAYOR
Data da Resolução13 de Março de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: A cidadã brasileira AA, através do seu advogado, veio apresentar pedido de habeas corpus em virtude de prisão ilegal (medida detentiva de colocação em centro de instalação temporária) num extenso petitório que procuraremos sintetizar do seguinte modo: - Foi detida em 16/02/2008 pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) por permanecer em território português de forma irregular, tendo sido presente ao juiz do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Peso da Régua; - Após interrogatório judicial, foi validada a detenção e aplicada medida de coacção de colocação em centro de instalação temporária ou espaço equiparado, nos termos do disposto no art. 142º nº 1 al c) da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho; - Encontra-se privada de liberdade à ordem do SEF no Centro de Instalação, Unidade de Santo António, na Rua Barão de Forrester, nº 816, no Porto; - A medida de colocação em centro de instalação temporária é uma medida detentiva que visa acautelar ou se destina a assegurar a execução da decisão de afastamento ou expulsão de cidadão estrangeiro, podendo ser aplicada com base no mencionado art. 142º ou ao abrigo do art. 3º nº 1 da Lei nº 34/94, de 14 de Setembro; - No primeiro caso, encontra-se sujeita ao regime geral das medidas de coacção e no segundo caso está submetida a razões exclusivamente de segurança; - Não estando ainda a correr contra a detida processo de expulsão, a medida detentiva apenas só pode aplicada com base na Lei nº 34/94; - No caso, tendo sido aplicada com fundamento no art. 142º da Lei nº 23/2007, o Tribunal fê-lo com base em facto que a lei não permite; - O Tribunal, tendo considerado que as detidas "apresentam alguma mobilidade no país, mobilidade essa que se traduz em perigo de se furtarem à tramitação dos respectivos processos de expulsão do território nacional", deveria ter fundamentado a decisão, não no art. 142º nº 1 al. c), mas no art. 3º nº 1 da Lei nº 34/94, pelo que aplicou medida de coacção privativa de liberdade com violação do preceituado no art. 222º nº 2 al. b) do C.P.P., sendo, por isso, ilegal a sua colocação em centro de instalação temporária, motivo por que deve ser restituída à liberdade; Põe também em causa a requerente os fundamentos em que o tribunal baseou a sua decisão, nomeadamente: - que a peticionante já havia sido notificada a abandonar território nacional e não o fez no prazo determinado; afirmando que, não raras vezes, esse convite ao abandono voluntário do país é uma possibilidade concedida ao cidadão para regularizar a sua situação em Portugal; - que reside com a mãe e a expensas da mesma; como a mãe está integrada no mercado de trabalho nacional, o pai foi viver para a Argentina, sendo desconhecido o seu paradeiro e os irmãos vivem em França, a sua família e o seu centro de vida estão em Portugal, sendo compreensível que queira aqui permanecer e não ausentar-se, ao contrário do afirmado pelo tribunal que considerou que a peticionante não tinha residência certa; - que, não obstante indicar uma residência fixa, o tribunal considera que não tem residência certa; uma vez que vive com a mãe na Rua de Cedofeita no Porto, o tribunal baseou a decisão em facto que não corresponde à verdade; - que, dada a situação de facilidade de mobilidade dentro do espaço Schengen, essa mobilidade se traduz em perigo de se furtar à tramitação do processo de expulsão; contrapõe que, esta situação, para além de se tratar duma afirmação não alicerçada em factos concretos, é inerente a qualquer estrangeiro que seja detido por se encontrar em situação irregular em Portugal; ora a avaliação do perigo de fuga não se compadece com evidência naturais, mas com factos concretos; - existe perigo de fuga, pois foi patente a pouca vontade em regressar ao seu país natal; tendo, o tribunal confrontado a peticionante, durante o interrogatório judicial, com a possibilidade da abandonar o território nacional nos termos do art. 147º da Lei nº 23/2007, e referindo ela que a tal não se mostra disposta, não se pode concluir existir perigo de fuga; Tudo para concluir que o tribunal de 1ª instância baseou a decisão de colocação da ora peticionante em centro de instalação temporária em factos pelos quais a lei não permite, concretamente, concluindo existir perigo de fuga com apoio em factos que, ora não são factos, antes meras conclusões, ora não são/podem ser dirigidos à peticionante, ora não correspondem à verdade.

A juiz do Tribunal Judicial de Peso da Régua informou que, em 18-02-2008, foi aplicada a medida de coacção de colocação em centro de instalação temporária ou espaço equiparado, ficando a ora requerente a aguardar o processo administrativo de expulsão por permanência ilegal em território português e determinou a junção de várias peças do processo.

  1. Convocada a Secção Criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, teve lugar a audiência a que se referem os arts. 223º nº 3 e 435º do Código de Processo Penal.

    Tudo visto, cumpre tornar pública a decisão.

  2. O instituto do habeas corpus, previsto já na Constituição de 1911, mas só introduzido no ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei 45.033, de 20 de Outubro de 1945, consiste "na intervenção do poder judicial para fazer cessar as ofensas do direito de liberdade pelos abusos da autoridade. Providência de carácter extraordinário ... é um remédio excepcional para proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade", conforme se afirma na exposição de motivos do referido diploma.

    A Constituição de 1976 estabelece, no art. 31º, que haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente. A respeito desta norma referem os Profs. Gomes...

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