Acórdão nº 07S740 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 2008
Magistrado Responsável | MÁRIO PEREIRA |
Data da Resolução | 12 de Março de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - O autor AA pediu, com a presente acção sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, que a ré BB seja condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da opção pela indemnização por despedimento a exercer no momento processual próprio, e a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas desde 17 de Abril de 2005 até à data da decisão final, acrescidas de juros de mora legais desde a citação e até integral pagamento.
Alegou, para tal, em síntese: Foi admitido ao serviço da Ré, em 01 de Janeiro de 1989, para o exercício das funções de professor de viola dedilhada e, em 11 de Junho de 2004, a Ré fez cessar o contrato de trabalho, com fundamento na caducidade do contrato por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de ele, autor, prestar o trabalho, por ter sido indeferida pela Direcção Regional de Educação de Lisboa (doravante também denominada DREL) a autorização provisória de leccionação ao abrigo da qual se encontrava a exercer as funções de professor na Ré; Porém, a cessação do contrato é ilícita, uma vez que o acto de indeferimento da DREL se encontra ferido de nulidade, sendo, por isso, recorrível, pelo que não podia o contrato de trabalho cessar por caducidade.
A Ré contestou, sustentando, em suma, que, tendo o Autor sido contratado em 1 de Janeiro de 1989 para desempenhar as funções de professor de viola dedilhada, veio efectivamente a desempenhar tais funções ao abrigo de autorizações provisórias de docência, de validade anual, por não possuir as habilitações próprias ao exercício da referida docência.
Porém, em Março de 2004, a DREL indeferiu a concessão de autorização provisória de leccionação referente ao Autor, por este não ter as habilitações necessárias para a leccionação.
E, não obstante a reclamação da Ré, a DREL manteve tal decisão, pelo que, não podendo o Autor continuar a leccionar, (ela, Ré) declarou a caducidade do contrato por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva do Autor prestar o trabalho.
Pugna, por isso, pela improcedência da acção.
Após julgamento, no decurso do qual o Autor optou pela indemnização de antiguidade em detrimento da reintegração, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a Ré do pedido.
Dela apelou o Autor, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado a apelação procedente e, declarando ilícito o despedimento, condenou a Ré a pagar-lhe: « a) Uma indemnização, em substituição da reintegração, correspondente a 20 dias de retribuição de base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo-se, para este efeito, o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, mas nunca inferior a três meses de retribuição de base, relegando-se a respectiva liquidação para uma ulterior fase de execução por se desconhecer a aludida data do trânsito; b) As retribuições que o mesmo deixou de auferir desde os 30 dias que precederam a propositura da presente acção, ou seja, desde 17-04-2005 até ao trânsito em julgado da presente decisão (incluindo férias, subsídio de férias e de Natal), deduzidas das importâncias que aquele tenha, comprovadamente, obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a data de citação relativamente às retribuições vencidas até essa data e desde a data do respectivo vencimento em relação às que se vencerem posteriormente, até integral pagamento, relegando-se também a respectiva liquidação para uma ulterior fase de execução por se desconhecer a data do trânsito».
II - Inconformada agora a Ré veio interpor a presente revista, em que formulou as seguintes conclusões: 1ª. O artigo 712.° do C.P.C. permite ao Tribunal da Relação, enquanto tribunal de um segundo grau de jurisdição, alterar as respostas dadas às perguntas que o Tribunal de 1.ª instância considerou relevantes para tomar uma decisão, mas não lhe permite alterar as próprias perguntas para, em seguida, lhes responder (pois que o Tribunal da Relação não aprecia meios de prova, antes procede à reapreciação dos mesmos).
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Como resulta do acórdão de que ora se recorre (página 10), o Tribunal a quo procedeu à alteração dos próprios quesitos 3.° e 6.° da Base Instrutória, para, em seguida, poder alterar a resposta aos mesmos.
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Assim, no que concerne ao quesito 3.° (onde se perguntava: "O Requerimento de concessão de autorização provisória de leccionação foi objecto de indeferimento por despacho proferido no dia 4 de Fevereiro de 2004?"), o Tribunal a quo alterou a sua redacção de tal forma que a resposta ao mesmo passou a ser: "Por despacho proferido pela Directora Regional Adjunta da Direcção Regional de Educação de Lisboa no dia 20 de Fevereiro de 2004, o requerimento de concessão de autorização provisória de leccionação para o ano lectivo de 2003/2004, referente ao A., foi objecto de indeferimento para a Disciplina de Viola Dedilhada - Curso Básico, fundando-se esse indeferimento no facto de a formação superior frequentada pelo A. não lhe conferir habilitação própria nem suficiente para a leccionação da referida disciplina, e foi objecto de deferimento, a título vincadamente excepcional, para a disciplina de Iniciação à Viola Dedilhada".
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Da redacção dada pelo Tribunal a quo à resposta ao quesito 3.° facilmente se depreende que este tribunal não procedeu à alteração à matéria de facto, mas sim à modificação do próprio quesito (porquanto também se pronuncia sobre a disciplina de Iniciação à Viola Dedilhada - a qual nunca foi discutida nos presentes autos) alteração essa que o mesmo não poderia fazer à luz do disposto no artigo 712.º do C.P.C. (e, como tem sido o entendimento da jurisprudência, citando-se, por todos, o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 4 de Fevereiro de 1993, publicado no Bol. do Min. da Justiça, 424, 575).
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Por outro lado, o Tribunal a quo não se limitou a modificar a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de 1.ª instância para de tal alteração retirar uma conclusão jurídica diferente daquela a que havia chegado o Tribunal de 1.ª instância.
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O Tribunal a quo foi bastante mais além: modificou a matéria de facto e retirou de tal alteração um conjunto de ilações e presunções que não encontram qualquer fundamento nos restantes factos constantes dos autos, chegando mesmo a considerar factos que nem sequer foram alegados pelas partes (quanto mais provados), para utilizar depois tais ilações para fundamentar a sua posição no que concerne à matéria de direito! Senão vejamos ...
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O Tribunal a quo deu como provado que a Direcção Regional de Educação de Lisboa indeferiu o pedido de concessão de autorização provisória para leccionação referente à disciplinar de Viola Dedilhada e, simultaneamente, deferiu, a título vincadamente excepcional, o pedido de concessão de autorização provisória de leccionação para a disciplina de Iniciação à Viola Dedilhada.
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Na sequência desta modificação à matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de 1.ª instância, conclui o Tribunal a quo que não se verifica uma situação de impossibilidade absoluta para o trabalho por parte do Recorrido porquanto este poderia leccionar a disciplina de Iniciação à Viola Dedilhada.
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Sucede que o Tribunal a quo não sabe se a disciplina de Iniciação à Viola Dedilhada é leccionada na Recorrente, se a mesma alguma vez foi leccionada pelo Recorrido, bem como se, na data em que foi declarada a caducidade do contrato de trabalho do Recorrido por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o mesmo prestar trabalho, havia algum posto de trabalho vago na Recorrente que permitisse a esta manter o Recorrido ao seu serviço, leccionando apenas a disciplina de Iniciação à Viola Dedilhada.
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E não o sabe porque nenhum destes factos foi alegado pelas partes (maxime pelo Recorrido) e porque nunca foi produzida qualquer prova sobre os mesmos.
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Acresce que os factos de que o Tribunal a quo tem conhecimento - porque resultaram provados em sede de audiência de julgamento - contrariam claramente as ilações retiradas pelo mesmo na sequência da alteração à matéria de facto a que o mesmo procedeu.
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Assim, provou-se que o Recorrido foi contratado para exercer as funções de professor de Viola Dedilhada (e não de Iniciação à Viola Dedilhada), bem como que, desde a data da sua contratação pela Recorrente, o Recorrido desempenhou as funções de professor de Viola Dedilhada (e não de Iniciação à Viola Dedilhada).
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Tendo em consideração estes factos, não poderia o Tribunal a quo concluir que o Recorrido poderia leccionar a disciplina de Iniciação à Viola Dedilhada, sem saber se a mesma é leccionada na Recorrente, se algum dia foi leccionada pelo Recorrido e se, na data dos factos, existia algum posto de trabalho vago que permitisse à Recorrente manter o Recorrido ao seu serviço leccionando apenas tal disciplina! 14ª. Considerando importante para a decisão da causa a alteração à matéria de facto em apreço, e uma vez que não dispunha de elementos suficientes para - em função dessa mesma alteração - tomar uma decisão, deveria o Tribunal a quo ter formulado novos quesitos (tais como: leccionava o Recorrido a disciplina de Iniciação à Viola Dedilhada?) e ordenado a repetição do julgamento.
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Conclusão que resulta inequívoca do disposto no artigo 712.° do C.P.C. e que tem sido acolhida unanimemente pela jurisprudência, citando-se, a título exemplificativo, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora onde se afirma: "I - Mesmo que não tenha havido reclamações das respostas aos quesitos o tribunal de recurso pode oficiosamente, nos termos dos artigo 712.°, n.º 2, do C.P.C., anular a decisão do juiz sobre a matéria de facto, atenta a remissão do artigo 792.° do mesmo código, se considerar deficientes, obscuras ou contraditórias as respostas aos quesitos. II - Tal anulação implicará a repetição do julgamento da matéria de facto...
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