Acórdão nº 08P437 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelRAÚL BORGES
Data da Resolução05 de Março de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do processo comum colectivo nº 39/04.7GJBJA, do Tribunal da Comarca de Ferreira do Alentejo foi submetido a julgamento o arguido AA, casado, reformado, nascido em 05-04-1930, na freguesia e concelho de Aljustrel, residente na Rua ....., nº ...., em Jungeiros, Ferreira do Alentejo, Por acórdão do Colectivo do Círculo Judicial de Beja de 28 de Setembro de 2007, foi o arguido condenado: Como autor material de um crime de abuso sexual de crianças, p. p. pelos artigos 171º, nº 2 e 177º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de seis anos de prisão; Como autor de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. p. pelo artigo 6º, nº 1, da Lei nº 22/97, de 27-06, na pena de quatro meses de prisão; Em cúmulo, na pena única de seis anos e dois meses de prisão.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando a motivação de fls. 510 a 515, que remata com as seguintes conclusões: 1°. - A douta sentença recorrida condenou o Arguido na pena de SEIS ANOS E DOIS MESES de prisão; 2°. - A razão do recurso reporta-se tão somente à medida da pena, nomeadamente no que respeita ao crime de abuso sexual de crianças; 3°. - No que respeita à matéria de facto dada como provada o Recorrente nada tem a reclamar porque é o resultado fiel da prova produzida em audiência de julgamento e nos autos; 4°. - Em face da matéria de facto dada como provada e não provada entendemos que o douto acórdão violou, por erro de interpretação, o disposto nos artºs 71°, 171°, nº 2 e 177°, nº 1 al. a) todos do Código Penal; 5°. - Nos termos do artº 171°, nº 2 e 177°, nº 1 al. a), a moldura penal para o crime de abuso sexual de crianças é de 4 a 13 anos e 4 meses de prisão; 6°. - A determinação da medida da pena far-se-á em função da culpa do agente e das exigências da prevenção - artº 71° nº 1, do C.P; 7°. - Ponderando a matéria de facto dada como provada, entendemos que a pena aplicada não levou em consideração as circunstâncias em que os factos ocorreram, assim como as condições familiares, sociais e económicas do Arguido; 8°. - O Arguido é primário e goza de boa reputação na vizinhança; 9°. - Tem actualmente 77 anos dei idade e só na recta final da sua vida se deixou arrastar por instintos que não conseguiu dominar; 10°. - Acresce que o Arguido é pessoa de humilde condição social e está integrado social e familiarmente; 11°. - A prevenção geral e a reintegração do Arguido na sociedade se poderá fazer de forma mais equilibrada, mediante uma pena menos gravosa; 12°. - Tudo ponderado, ao abrigo do disposto no artº 71°, 171°, nº 2 e 177°, nº 1, al. a), todos do Código Penal, entendemos adequada a aplicação ao Arguido de uma pena de 4 anos e 6 meses de prisão.

13°. - Como o Arguido foi também condenado na pena de quatro meses de prisão pelo crime de detenção de arma de defesa, cuja pena não nos oferece qualquer reparo - o mesmo deverá ser condenado, em cúmulo, na pena única de QUATRO ANOS E OITO MESES DE PRISÃO; 14°. - Além disso, é nosso entendimento que a pena deverá ser suspensa por um período de TRÊS ANOS.

No provimento do recurso pede a alteração do acórdão no sentido proposto.

Respondeu o MºPº conforme fls. 536 a 540, concluindo: 1 - A pena aplicada mostra-se perfeitamente adequada face ao comportamento do arguido, à personalidade demonstrada no momento anterior e posterior à prática dos factos, aos critérios elevados de prevenção geral e especial; 2 - São prementes as exigências de prevenção geral nos crimes contra a autodeterminação sexual de crianças, face aos valores que se visa proteger e às consequências nefastas para a criança; 3 - Atendendo-se à culpa do agente e as exigências de prevenção geral e especial positivas, afigura-se-nos não existir razão ao recorrente, tendo sido feita, no acórdão uma correcta interpretação dos factos e uma correcta interpretação e aplicação das normas.

Pede a manutenção do acórdão recorrido.

Neste Supremo Tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta a fls. 597 apôs visto.

O presente recurso foi interposto, bem como a decisão recorrida proferida foi já no domínio da nova redacção dada ao CPP pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, entrada em vigor em 15-09-2007, sendo que não foi requerida audiência.

Passou a dispor o n.º 5 do artigo 411º, do CPP: "No requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação que pretende ver debatidos".

Não tendo sido requerida audiência, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos do artigo 419º, n.º 3, alínea c), do CPP.

Como é pacífico e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente retira da motivação apresentada, na qual resume as razões do pedido (artigo 412º, nº 2 do CPP), que se fixa e delimita o objecto do recurso.

Questão a resolver A única questão a decidir prende-se com a redução da medida da pena aplicada pelo crime de abuso sexual de criança, com o natural reflexo na pena conjunta.

Factos Provados Estão provados os seguintes factos, que são de ter por definitivamente assentes, por não ocorrer qualquer vício decisório nem nulidade de conhecimento oficioso.

a)BB nasceu a 18 de Maio de 1994 e é filha de DD e de CC.

O Arguido é pai de DD e avô da menor BB.

b)O casal composto por DD e CC tem uma outra filha, EE, cerca de cinco anos mais velha que a BB.

c)O DD é guardador de gado.

Actividade em que tem sido auxiliado pela CC.

Tal actividade profissional leva a que o DD e a CC passem temporadas fora de casa e em locais diversos.

Com o propósito de proporcionarem às filhas um ambiente familiar estável e a frequência regular da escola, o DD e a mulher, CC, colocaram-nas à guarda e cuidados de seus avós paternos.

Assim, entre data não determinada de 1997 e final de Fevereiro de 2004, a menor BB e sua irmã EE viveram na companhia dos seus avós paternos, na Rua ...., nº ..., em Jungeiros, concelho de Ferreira do Alentejo.

Nesta residência, a menor BB e a EE passavam a semana. Regularmente, aos fins-de-semana, deslocavam-se para a companhia dos pais, habitando casa sita no Monte dos Narizes, concelho de Aljustrel, ou a caravana que os mesmos usavam quando acompanhavam o gado que guardavam.

d)O Arguido é proprietário da casa acima referida, sita na Rua ...., e de uma outra casa, também localizada em Jungeiros, na Rua do Castanheiro, nº 15.

Esta última casa, que estava destinada à habitação dos pais da menor BB, não era usada há vários anos.

A casa da Rua .... era diariamente frequentada pelo Arguido ou pela sua mulher, com o propósito de regarem as plantas aí existentes e de a arejarem - abrindo as suas janelas de manhã e fechando-as à tarde.

e)Em data não concretamente apurada, mas situada pouco antes de a menor BB começar a frequentar a escola primária, quando completou seis anos de idade, o Arguido levou-a à casa acima referida, sita na Rua .....

Num dos quartos de tal casa, o Arguido acariciou a zona do peito da menor BB e, de seguida, despiu as calças e baixou as cuecas que usava e retirou à neta as calças e cuecas que a mesma usava.

De seguida, deitou a menor numa cama e friccionou o seu pénis na zona vulvar da menor BB.

f)Desde então, quando o Arguido se dirigia à casa sita na Rua ...., apenas acompanhado pela menor BB, praticava actos idênticos aos acabados de descrever.

Também nessas ocasiões, o Arguido dava beijos na boca à menor BB, introduzindo a sua língua na boca desta.

Com frequência, o Arguido obrigava a menor a agarrar o seu pénis e a friccioná-lo na sua zona vulvar.

Tais práticas finalizavam quando o Arguido ejaculava.

Por diversas vezes, o Arguido masturbou-se em frente à menor BB e obrigou-a a segurar o seu pénis com a mão, friccionando-o, até que ejaculasse.

Também por diversas vezes, o Arguido colocou o seu pénis na boca da menor BB.

Por duas ou três vezes, o Arguido procurou introduzir o seu pénis na vagina da menor BB.

A reacção da BB a tal prática do Arguido, mexendo-se e revelando dor, apenas permitiu a este a introdução de parte do seu pénis na vagina da menor.

Em todas estas ocasiões, o Arguido ejaculou.

g)Actos como os que acabam de se descrever foram também praticados pelo Arguido na casa sita na Rua ..., em algumas ocasiões em que o mesmo se encontrava a sós com a menor BB - por a irmã menor se encontrar na escola e a esposa do Arguido ter ido às compras ou ao médico, a Beja.

h)A EE começou a reparar que o seu avô a tratava de forma diversa daquela que tratava a irmã BB - oferecendo a esta última mais prendas.

Reparou também que a irmã BB se queixava com frequência de dores de barriga e que, na companhia do avô, passava muito tempo na casa da Rua ....

No final do mês de Fevereiro de 2004, em dia não concretamente apurado, a EE, introduziu-se na casa da Rua ...., onde antes haviam entrado o seu avô e irmã.

Aí viu o...

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