Acórdão nº 07S3786 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Janeiro de 2008
Magistrado Responsável | BRAVO SERRA |
Data da Resolução | 16 de Janeiro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
I 1.
Pelo Tribunal do Trabalho do Porto instaurou AA contra BB - Divulgação Promocional de Indústria e Comércio, S.A.
, acção de processo comum solicitando a condenação da ré a pagar-lhe € 31.059,60 correspondentes ao valor das comissões não pagas relativas à Delegação de Coimbra da ré, € 7.477,04 correspondentes à diferença de valor das comissões não pagas relativas à Delegação do Porto da ré, a quantia, a liquidar em execução de sentença correspondente à remuneração variável do autor relativa à Delegação do Porto da ré, € 40.77,75 correspondente à diferença do valor de indemnização pelo despedimento colectivo, e juros.
Em síntese, invocou que: - - ele, autor, foi admitido pela ré em 14 de Outubro de 1980 para, sob as ordens, direcção, fiscalização e subordinação desta, trabalhar como vendedor, percebendo uma remuneração fixa e outra variável, vindo, a partir de 1 de Janeiro de 1997, a ser promovido à categoria de Director Comercial Norte, competindo-lhe dirigir as Delegações da ré no Porto e Coimbra; - a ré comunicou, em 14 de Maio de 2004, a sua intenção de promover um despedimento colectivo, englobando vários trabalhadores, entre os quais o autor, o que veio a suceder em 18 de Agosto de 2004; - todavia, a ré veio a pagar ao autor quantias muito inferiores àquelas a que tinha direito, pois que não só lhe não foram pagas as comissões desde Setembro de 2002 referentes à Delegação de Coimbra - 4% do valor da facturação sobre os valores dos contratos que angariava e que correspondia à sua remuneração variável -, num quantitativo médio mensal de Esc. 259.454$00, como ainda, em relação à Delegação do Porto, a ré, contra a vontade do autor, reduziu de 4% para 3% o valor das comissões, o que traduziu uma diferença, para menos, de € 7.477,04, além de, referentemente a esta última Delegação, lhe não ter sido pago o valor das comissões relativas à publicidade angariada a partir do mês de Novembro de 2004; - assim, aqueles não pagamentos e diminuição da percentagem das comissões fez com que a média da remuneração do autor para efeitos do cálculo de indemnização devida pelo despedimento colectivo fosse inferior à devida.
Após contestação da ré, e prosseguindo os autos seus termos, veio, em 31 de Março de 2006, a ser proferida sentença, por intermédio da qual, julgando-se improcedente a acção, foi a ré absolvida dos pedidos formulados.
Sob apelação do autor, que também impugnou a matéria de facto, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 26 de Fevereiro de 2007, concedeu-lhe parcial provimento, determinando a condenação da ré a pagar ao autor o quantitativo a liquidar em execução de sentença e referente a comissões relativas à Delegação de Coimbra no período compreendido entre 1 de Setembro de 2002 e 18 de Agosto de 2004.
2.
Do assim decidido pediram revista autor e ré, tendo o recurso do primeiro sido considerado deserto por falta de alegação.
A ré rematou a sua alegação com as seguintes «conclusões»: - "1 - O presente recurso visa a decisão do venerando Tribunal da Relação do Porto, que considerou que a Ré violou in casu o princípio da irredutibilidade da retribuição (artº 21 nº 1 c) da LCT e artº 122 d) do CT 2 - Está provado nos autos com interesse para a causa que: 2.1 O Autor foi contratado como ‘vendedor' da Ré em 14.10.1980 (ponto 1 da matéria provada).
2.2 A partir de 1.1.97 o Autor foi promovido a ‘director comercial Norte' competindo-lhe dirigir as Delegações da Ré no Porto e em Coimbra (ponto 2 da matéria provada).
2.3 O Autor auferia remuneração mista que incluía desde Janeiro de 1997 uma comissão de 4% sobre o valor dos contratos de publicidade angariados na Delegação do Porto e também, até Setembro de 2002, sobre os contratos da Delegação de Coimbra (ponto 8 da matéria provada) 2.4 Por haver apenas dois trabalhadores na Delegação da Ré em Coimbra (um chefe de vendas e um vendedor) em Setembro de 2002, a Ré, alegando esse facto e dificuldades económico financeiras, comunicou ao Autor que eram dispensados os seus serviços relativamente à Delegação de Coimbra (ponto 9 e 10 da matéria provada).
2.5 A partir de Setembro de 2002 o Autor nunca mais desempenhou quaisquer funções de direcção de vendas da Delegação de Coimbra e nunca mais compareceu nos respectivos escritórios para qualquer serviço, passando a exercer a direcção de vendas da Delegação do Porto (ponto 11 da matéria provada).
3 A retribuição é aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
4 A retribuição inclui apenas as atribuições patrimoniais que sejam contrapartida do trabalho dos trabalhadores.
5 Todas as outras atribuições de cariz patrimonial que não sejam contrapartida de trabalho não integram o conceito de retribuição e não estão, assim, abrangidas pela garantia de irredutibilidade da retribuição.
6 O princípio da irredutibilidade aplica-se apenas às verbas ou atribuições que se incluam no conceito de retribuição.
7 Todavia, e no que refere à irredutibilidade da retribuição, a doutrina e a jurisprudência são unânimes no sentido de que certas atribuições patrimoniais inseridas na ‘retribuição' num dado momento, podem ser retiradas sem que se viole o dever de não reduzir a retribuição.
8 É o caso de atribuições relativas a penosidade, serviço em turnos, risco, isolamento, isenção de horário de trabalho, etc. que são devidos enquanto se mantiverem os condicionalismos que as determinam.
9 Se o trabalhador deixa de trabalhar por turnos, de se sujeitar ao risco, isolamento ou à isenção de horário, deixa de ter direito à atribuição correspondente, e não pode invocar a seu favor o princípio da irredutibilidade da retribuição.
10. O entendimento contrário seria absurdo porque partiria de uma interpretação [que] violava o conceito de retribuição, a que faltaria o elemento essencial do conceito da retribuição, que é o sinalagma, o nexo entre as duas prestações de pagar e trabalhar.
11 O autor deixou de prestar à Ré a partir de Setembro de 2002 qualquer trabalho em Coimbra e nada reclamou, designadamente em acção judicial ou de outra natureza, acerca do efectivo exercício de função de direcção em Coimbra - o que era um pressuposto mínimo para fundamentar o actual pedido de pagamento de comissões.
12 Está provado que o Autor manteve até fim do contrato a sua categoria ‘Director Comercial Norte', e o desempenho de funções de direcção no Porto.
13 Além de ser mantida a categoria e funções do Autor, foi-lhe mantida a retribuição mista que vinha auferindo, embora a parte variável passasse a ser apenas reportada às vendas da Delegação do Porto onde ele trabalhava efectivamente.
14 Mantiveram-se, portanto, as regras essenciais do contrato, com redução parcial do âmbito geográfico da actividade.
15 No contexto factual em que se determinou esta alteração do contrato do Autor é manifesto que a pretensão do Autor em receber comissões por vendas que não dirigiu é abusiva e carecida de fundamento.
16 Viola o princípio geral de direito civil que impõe que as partes procurem o balanço ou equilíbrio contratual e, nomeadamente, que as partes procedam de boa fé no cumprimento da obrigação e no exercício do respectivo direito (artº 762º nº 2 do CCivil).
17 O pagamento que o Autor reclama da Ré não tem como pressuposto a prestação de qualquer trabalho a favor da Ré, faltando-lhe assim a característica ‘contrapartida' que é elemento do conceito legal de retribuição.
18 Com o devido respeito não tem fundamento a asserção de que apenas seria justificada a cessação de pagamento das comissões relativas a Coimbra se a Ré tivesse encerrado esse estabelecimento.
19 A administração da Ré tinha de optar por encerrar ou reestruturar a actividade do estabelecimento, e não pode ser penalizada por não ter tomado a medida mais drástica, que entendeu não se justificar segundo o seu prudente critério de gestão.
20 O relevante na apreciação da validade da medida de cessação do pagamento ao Autor das comissões relativas a Coimbra, é ver se o Autor trabalhou ou não no período em causa na Delegação de Coimbra, e se a Ré podia ter decidido a reorganização a que procedeu dispensando o Autor das funções em Coimbra.
21 A opção da Ré não ofende algum direito legítimo do Autor pois que manteve a categoria e a retribuição mista relativa ao trabalho que prestou.
22 O Acordão recorrido carece de fundamento ao considerar que a Ré podia reorganizar as funções do Autor mas sem lhe reduzir a retribuição variável.
23 Se a área geográfica da função é alterada e se o trabalhador deixa de exercer certa função ou de estar sujeito a outra condição contratual de que derivava o direito a uma prestação complementar da retribuição base, como por exemplo a isenção de horário de trabalho, deixa de se verificar o pressuposto do pagamento, e só por absurdo se entenderia devido o valor em causa.
24 Seria considerar que o trabalhador teria um direito adquirido a uma atribuição patrimonial, mesmo que os respectivos pressupostos se não verificassem no futuro - o que é inaceitável por absurdo.
25 Por fim, e quanto ao decidido acerca da questão ‘retribuição global', afigura-se-nos, com o devido respeito pela diferente opinião do Tribunal recorrido, que neste capítulo da irredutibilidade da retribuição a maioria dos autores e da jurisprudência defende que o princípio se refere à retribuição em termos globais e não estritos. Diz por exemplo Monteiro Fernandes ‘Desde que não resulte modificado, - ou melhor, diminuído -, o valor total da retribuição (artº 21/lc) da LCT) a estrutura dela pode ser alterada pelo empregador ...
' 26 Parece-nos, pois, que falta fundamento à posição recorrida e que é manifesto que não ficou provado que a perda de comissões de Coimbra acarretaram diminuição da retribuição global do Autor. Não se pode retirar esta...
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