Acórdão nº 06S2963 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução05 de Dezembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - O autor AA pede, com a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, que a ré Empresa-A, SA seja condenada a: 1. Ver declarada a ilicitude do despedimento do Autor, por inexistência de justa causa e por não ter sido precedido de processo disciplinar; 2. Pagar-lhe a quantia de 9.158,79 €, a título de créditos salariais, acrescidos dos juros vencidos que, à data da propositura da acção, liquida em 433,60 €, totalizando a quantia de 9.592,39 €; 3. Pagar-lhe a quantia de 963,86 €, correspondente a 30 dias de retribuição antes da propositura da acção; 4. Pagar-lhe o montante das retribuições desde a propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal; 5. Reintegrar o Autor ou, caso este não opte pela reintegração, a indemnizá-lo na quantia de 11.566,32 €, conforme estipulado no AE; 6. Nos juros vincendos desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese: Foi admitido para trabalhar sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré em 07/01/2002, para o exercício das funções inerentes à actividade de jornalista profissional com a categoria de "jornalista estagiário".

Embora a Ré lhe tenha apresentado para que o Autor assinasse, no início da prestação de trabalho, um documento designado "Acordo para a Frequência de Estágio de Formação", e mais tarde lhe tenha apresentado outro documento designado "Aditamento a Acordo para a Frequência de Estágio de Formação", o certo é que, durante a prestação de trabalho, o Autor nunca teve qualquer formação profissional, não frequentou quaisquer aulas de estágio ou formação, nem recebeu qualquer quantia a título de bolsa de formação. Tais documentos tiveram como objectivo o encobrimento de um verdadeiro contrato de trabalho.

Assim, quando a Ré comunicou ao Autor que estava dispensado de lhe prestar serviço a partir de 04/01/2003, procedeu a um despedimento ilícito.

Acresce que a Ré não concedeu ao Autor a totalidade das férias a que tinha direito, não lhe pagou subsídio de férias nem de Natal, não lhe pagou subsídio de horário irregular, subsídio de transporte, subsídio de refeição e compensação pela prestação de trabalho nocturno.

A R. contestou, referindo, em síntese: Entre as partes não se estabeleceu uma relação de trabalho subordinado, mas foi tão só celebrado um acordo para a frequência de um estágio de formação em Jornalismo, antecedido de um acordo de formação, estágio esse que efectivamente se realizou.

Concluiu pela improcedência da acção.

Após julgamento, foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

O A. apelou, tendo, além do mais, impugnado a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto.

A Relação de Lisboa julgou improcedente a apelação interposta pelo A., tendo confirmado a sentença.

O A. interpôs revista, tendo este Supremo, por seu acórdão de fls. 622 a 632, revogado o acórdão recorrido e ordenado a remessa dos autos à Relação, para que aí fosse apreciada a impugnação da matéria de facto e lavrada nova decisão de mérito.

A Relação proferiu novo acórdão, em que voltou a confirmar a sentença.

II - Novamente inconformado, o A. interpôs a presente revista, com as seguintes conclusões: 1ª. Na reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal "a quo" e na sequência do Acórdão de 08.03.2006 proferido por esse Supremo Tribunal - proc. n° 3823/05-4 - Relator: Exmo. Conselheiro Dr. Sousa Peixoto, publicado em www.dgsi.pt, com o n° 05S3823) -, que decidiu a "baixa dos autos" à Relação para que esta conhecesse da impugnação da matéria de facto, o Tribunal Recorrido, não cumpriu o poder/dever que lhe é conferido pelo art° 712° do CPC, violando desse modo, o dever de sindicância da prova imposto por aquele preceito legal; 2ª. Efectivamente, o Tribunal "a quo" ao não proceder à alteração e ao aditamento dos factos invocados na impugnação da matéria de facto - n°s. 8 e 9 das Conclusões da Apelação -, não fundamentando porque razão desconsiderou tais factos, violou os artigos 712°, n° 1, alíneas a) e b) e n° 2, 514°, n° 1, 515°, 653°, n° 2 e 659°, n° 3, todos do CPC e os artigos 20°, n° 1, , 202°, n° 1 e 2 e 205°, n° 1 todos da Constituição da República Portuguesa; 3ª. O não cumprimento do dever de sindicância foi ainda, mais evidente, quando o Tribunal Recorrido não conheceu do aditamento pretendido pelo Recorrente ao n° 23 da matéria de facto; 4ª. Tal violação de lei permite, que esse Supremo Tribunal de Justiça exerça o seu poder de sindicância sobre o Tribunal Recorrido; 5ª. Na verdade, o art° 712°, n° 6 do CPC, não exclui a possibilidade do Supremo exercer censura sobre o mau ou bom uso que a Relação faça dos poderes que lhe são conferidos, podendo o Tribunal "ad quem", fazer uso da prerrogativa estabelecida no art.° 729°, n° 3 do CPC; 6ª. Assim, deverá este Tribunal, caso considere que a matéria de facto alegada, constante das conclusões n° 8 e 9 da Apelação se mostra capaz de contribuir para uma melhor base de decisão de direito da presente causa, mandar ampliar a matéria de facto (art° 729°, n° 3 do CPC), passando naquela, a constar os seguintes factos: A) Factos a introduzir na "matéria de facto": a)- O n° 34 da matéria de facto, deverá passar a ter a seguinte redacção: "Durante o período compreendido de 07.01.2002 a 04.01.2003, o A. teve como actividade principal e permanente a que prestou para a Ré, estando totalmente inserido na sua estrutura organizativa." b)- O n° 28 deverá passar a ter a seguinte redacção: "No período compreendido entre 7 de Janeiro de 2002 a 4 de Janeiro de 2003, o A. efectuou trabalho de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias, opiniões mediante a elaboração de textos, por imagem e por som, tudo destinado à divulgação informativa da R., sendo que todo o seu material de trabalho era fornecido pela R." B) Factos a aditar: a- Segundo o Despacho Normativo, o objectivo do concurso era "seleccionar trinta (30) estagiários em Jornalismo para a Direcção de Informação, em razão da futura vertente noticiosa do Canal 2". E ainda serviria "para seleccionar dez (10) estagiários para reforço da redacção actual".

Tal facto deverá ser inserido a seguir ao facto n° 1 da decisão da matéria de facto.

b- Tal Curso de Formação constituiu a 4ª fase e última fase de selecção a ter lugar nos meses de Junho a Outubro de 2001, seguido de uma nota "final".

Tal facto deverá ser inserido a seguir ao facto sob o n° 6 da decisão da matéria de facto.

c- No período compreendido entre 7 de Janeiro de 2002 e 4 de Janeiro de 2003 o A. exerceu funções inerentes à actividade de Jornalista Profissional com a Categoria de Jornalista Estagiário.

d- No período compreendido entre 7 de Janeiro de 2002 e 4 de Janeiro de 2003, o A. não teve qualquer formação profissional e não frequentou quaisquer aulas de estágio ou formação.

e- Era intenção da R. após a realização do "curso de formação" referido em 8. celebrar um contrato de trabalho com o A. e com os outros candidatos que ficassem aprovados.

f- O A. exerceu a sua actividade no período compreendido entre 7 de Janeiro de 2002 a 4 de Janeiro de 2003, sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré.

g- O A. exerceu a sua actividade profissional para a R. como qualquer outro jornalista integrado nos quadros da mesma.

h- Ao n° 38, (queria-se dizer n° 23) deve ser aditado outro parágrafo com a seguinte redacção: De 1 de Novembro de 2002 a 4 de Janeiro de 2003, dos 04 horas às 12 horas para o programa "Bom Dia Portugal; 7ª. Não obstante o defendido nos pontos anteriores destas conclusões e que esse Tribunal melhor apreciará da sua razão ou não, é convicção do Recorrente que, da matéria de facto assente e dos diversos documentos juntos aos autos, resultam indícios claros que, analisados em conjunto, são por si só suficientes para o Tribunal aferir dum contrato de trabalho entre Recorrente e Recorrida no período compreendido de. 07.01.2002 a 04.01.2003 8ª. Labora assim, o Tribunal Recorrido em "erro de aplicação de direito", porquanto, fez uma incorrecta indagação, interpretação e aplicação dai regras de direito aos factos considerados provados, ou seja, das regras jurídicas aplicáveis ao presente caso, violando desse modo, o art° 659, n° 2 do CPC, o artigo 1 ° do DL n° 49408 de 1969 (actual art° 10° do Código do Trabalho) e art° 1152° do Código Civil); 9ª. Inexplicavelmente, o Tribunal Recorrido valorou apenas e só, os documentos ("acordos") assinados entre as partes (n°s. 7 e 10 da matéria de facto); 10ª. Constitui jurisprudência assente que, independentemente da qualificação jurídica que as partes possam dar a um contrato, o "nomen juris", este não vincula o Tribunal, nem as próprias partes. Importa sim, atender às funções efectivamente desempenhadas pelo trabalhador e à forma como as mesmas eram desempenhadas, sendo completamente irrelevantes as denominações ou qualificações escolhidas pelas partes intervenientes para qualificar o "acordo". Nesse sentido, vide Ac. do STJ de 28.01.2004, proc. 03S796, www.dgsi.pt e Ac. do STJ de 09.10.2002, proc. n° 336/02-4 onde se escreve que: é " irrelevante o "nomen juris" escolhido pelas partes para qualificar o acordo, pois é o comportamento posterior destes em execução do contrato, que em rigor permite decidir a qualificação da relação"; 11ª. Releva, deste modo, analisar o comportamento das partes, antes e após a celebração dos "acordos", o que, no caso concreto, após a celebração do "acordo" referido no n° 10 da matéria de facto, se consubstanciou após 7 de Janeiro de 2002, numa relação de empregador/trabalhador.

12ª. A única preocupação da Recorrida na elaboração dos "acordos" (n°s 7 e 10 da matéria de facto), foi desde logo, por um lado, afastar qualquer "vínculo jurídico-laboral" (cláusula sexta do acordo) e por outro, sujeitar a outra parte a condições que poderão, facilmente, ser classificadas de "abusivas" (cláusula sexta a décima do acordo); 13ª. Se é certo que nos contratos se deve apurar a "vontade real das...

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