Acórdão nº 07A2464 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelAZEVEDO RAMOS
Data da Resolução04 de Dezembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : AA e marido BB, CC e mulher DD instauraram a presente acção de impugnação de justificação notarial contra EE e mulher FF, pedindo : a) Se considere impugnado, para todos os efeitos legais, o facto justificado na escritura de 14 de Fevereiro de 1996, referente à invocada aquisição pelos réus, por usucapião, do prédio que identificam no art. 1º da petição inicial ; b) - Se declare nula e de nenhum efeito essa mesma escritura de justificação notarial, por forma a que os réus não possam, através dela, registar quaisquer direitos sobre o prédio nela identificado e objecto da presente impugnação ; c) - Se ordene o cancelamento de quaisquer registos operados com base no documento aqui impugnado ; d) - Se declare que o prédio identificado no art. 1º da petição pertence à herança aberta e ilíquida de GG e mulher HH, avós do réu marido .

Para tanto, os autores alegaram, em síntese: São falsas as declarações que os réus produziram na escritura de justificação, nomeadamente, quanto à data do falecimento do anterior proprietário do prédio a que a escritura respeita, bem como sobre a existência da invocada doação verbal do imóvel aos réus e que estes tenham entrado na sua posse na data que afirmam e o tenham adquirido por usucapião .

O prédio pertence à herança dos indicados GG e HH, de quem os autores são herdeiros, por serem seus filhos .

Os réus contestaram .

Por excepção, invocaram a caducidade do direito de acção e, por impugnação, contradisseram os factos invocados pelos autores.

Além disso, deduziram reconvenção, pedindo : a) - Sejam os réus declarados únicos donos e legítimos proprietários e possuidores do prédio identificado no art. 1º da petição inicial, objecto da justificação notarial, por o terem adquirido por usucapião .

b) - Subsidiariamente, seja reconhecido o direito de propriedade dos réus sobre o mesmo prédio, por via da aplicação do instituto da acessão industrial imobiliária .

Houve réplica dos autores .

No despacho saneador, foi deliberado : 1- Admitir a reconvenção, com base no disposto na al. c), do nº2, do art. 274, do C.P.C., com a argumentação de que, independentemente da natureza jurídica da acção de impugnação de justificação notarial, em geral considerada como acção de apreciação negativa, e da questão do ónus da prova dos factos incluídos na escritura de justificação, o certo é que toda a controvérsia respeita ao direito invocado pelo justificante, que aqui é o direito de propriedade sobre o prédio rústico, tendo os autores formulado também o pedido de declaração de que esse direito pertence à herança em que são interessados .

2- Julgar improcedente a excepção da caducidade da acção .

Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença, que decidiu : 1- Julgar a acção improcedente e absolver os réus dos pedidos .

2- Julgar procedente o pedido reconvencional principal e, consequentemente, declarar os réus únicos e legítimos proprietários e possuidores do prédio objecto da justificação notarial de 14-2-96, identificado no art. 1º da petição inicial .

Apelaram os autores, com êxito, pois a Relação de Guimarães, através do seu Acórdão de 6-3-07, sentenciou nos seguintes termos ( fls 410): " 1- Julga-se procedente a apelação.

3- Revoga-se a sentença, atendendo-se ao peticionado pelos recorrentes".

Agora, são os réus que pedem revista, produzindo alegações, onde resumidamente concluem : 1- Era aos autores que incumbia, diversamente do decidido, alegar e provar factos susceptíveis de ilidir a presunção do art. 7º do Cód. Reg. Predial de que os réus beneficiavam, oriunda do facto de terem efectuado o registo do seu direito, com base na escritura de justificação notarial, o que os autores não lograram fazer, pelo que o Acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro de sentido diverso.

2 - Da matéria de facto dada como provada resulta que a posse dos réus reveste os seus elementos constitutivos ( corpus e animus) e que se iniciou, pelo menos, há mais de 15 anos desde a propositura da acção, pelo que deverá ser atendida a aquisição do direito de propriedade pelos réus, através da usucapião .

3 - A acção em causa é uma acção de simples apreciação negativa, mas os autores também peticionam que seja declarado que o prédio pertence à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito dos indicados GG e mulher HH, pelo que, face às regras do ónus da prova, pelo menos este pedido de apreciação positiva deve ser julgado improcedente .

4 - No Acórdão recorrido existe manifesta contradição entre a fundamentação e a parte decisória, por não ser reconhecido aos réus o direito inerente à presunção derivada do registo predial e por ser reconhecido o direito de propriedade da mencionada herança sobre o mesmo imóvel .

5 - Consideram violados os arts 7º do C. Reg. Predial, 4º do C.P.C. e 342º, 343º, 1252º, nº2, 1296º e 1253º, al. b), do C.C.

Os autores contra-alegaram em defesa do julgado .

Por iniciativa do anterior Ex.mo Conselheiro Relator, veio a ser determinado pelo Ex.mo Sr. Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça que a revista fosse julgada de forma ampliada, com vista à uniformização de jurisprudência, nos termos dos arts. 732-A e 732-B do C.P.C.

Foi emitido parecer pelo Ex-mo Procurador Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal, no qual foi defendida a concessão da revista pedida, com uniformização da jurisprudência no sentido seguinte .

" Na acção de impugnação de facto justificado notarialmente e inscrito definitivamente no registo, incumbe ao autor ilidir, mediante prova em contrário, a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, face às disposições conjugadas dos arts , , 10º e 116º, nº1, do Cód. Reg. Predial, 344º, nº1 e 350º do Cód. Civil".

Corridos os vistos, cumpre decidir.

A Relação considerou provados os factos seguintes : 1- Em 14-2-96, no Cartório Notarial de Vila Nova de Cerveira, os réus EE e mulher outorgaram a escritura de justificação notarial, cuja fotocópia constitui documento de fls 10 e segs, para efeito de registo de aquisição, por usucapião, do prédio rústico, composto por terreno de cultivo, denominado Calves, sito no lugar de Crastos, da freguesia de S. Pedro da Torre, da concelho de Valença, inscrito na matriz sob o art. 4776, na qual intervieram como "primeiros outorgantes" os ora réus e como "segundos outorgantes" II, JJ e LL, donde consta o seguinte : " Pelos primeiros outorgantes foi dito que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio rústico composto por terreno de cultivo, denominado de Calves, com a área de 2.600m2, sito na lugar de Crastos, freguesia de S. Pedro da Torre, inscrito na matriz sob o art. 4776 ....

Que o identificado prédio foi adquirido por doação feita pelo avô do justificante marido, GG, entretanto já falecido, no ano de 1974, sem que no entanto ficassem a dispor de título formal que lhes permita o respectivo registo na Conservatória do Registo Predial; mas desde logo entraram na posse e fruição do prédio, em nome próprio, posse que assim detém há muito mais de vinte anos, sem interrupção ou ocultação de quem quer que seja .

Que essa posse foi adquirida sem violência e mantida sem oposição, ostensivamente, com conhecimento de toda a gente e com aproveitamento de todas as utilidades do prédio, agindo sempre por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, quer usufruindo como tal o imóvel, quer suportando os respectivos encargos .

Que esta posse em nome próprio, pacífica, contínua e pública, conduziu à aquisição do imóvel, por usucapião, que invocam, justificando o direito de propriedade, para o efeito de registo, dado que esta forma de aquisição não pode ser comprovada por qualquer outro título formal extrajudicial .

Pelos segundos outorgantes foi dito que confirmam as declarações que antecedem, por corresponderem inteiramente à verdade " .

2 - O extracto dessa escritura foi publicada no Jornal " Notícias de Valença ", de 10-3-96 .

3 - A aquisição do referido prédio, por usucapião, foi inscrita no registo predial, a favor dos réus, em 23-5-96.

4 - GG, avô do réu, faleceu em 7-6-82, no estado de casado com HH, que veio a falecer em 1-4-89 .

5 - Os autores AA e CC são filhos dos falecidos GG e HH .

6 - O prédio referido no anterior nº1 pertenceu ao casal dos referidos GG e HH .

7 - No inventário nº 279/99, instaurado no Tribunal Judicial de Valença, para partilha das heranças dos mencionados GG e HH, em que foi cabeça de casal MM ( filha daqueles e mãe do réu), não foi relacionado o prédio, mencionado no nº1 ; não houve reclamação contra a relação de bens ; os bens foram adjudicados, por acordo, em conferência de interessados de 28-2-02 ; os autores não estiveram presentes, mas estiveram representados, nessa conferência .

8 - A partilha, nesse inventário, foi homologada por sentença de 24-5-02, transitada em julgado .

9 - No processo de imposto sucessório por óbito do indicado GG, foi apresentada a relação de bens de fls 20 a 30, onde o prédio em questão foi incluído sob a verba nº 25 .

10 - Pelo menos a partir de 1983, o réu e, depois, ele e sua mulher, passaram a cultivar e a colher os frutos do prédio, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém .

11 - Pelo menos a partir de 1983, os réus iniciaram a construção da casa de habitação no terreno do questionado prédio, tendo essa construção se prolongado por vários anos .

12 - A parte do prédio que não se encontra fisicamente ocupada pela casa é utilizada acessoriamente a esta, nomeadamente, sendo utilizado parte para cultivo de horta, fruteiras e vinha e parte para jardim .

13 - A referida casa e terreno formam uma unidade económica, limitada e vedada, e a separação deles depreciaria quer a casa, quer o logradouro.

14 - O valor da casa de habitação é de 132.480 euros e o valor do terreno referido no nº1 é de 34.036 euros .

15 - Os autores residem no Brasil e no Canadá e vêm a Portugal...

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