Acórdão nº 348/19.0T8PCV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelALBERTO RUÇO
Data da Resolução17 de Março de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Recorrentes/Autores…………… AA e esposa BB, reformados, com residência na Rua ..., ....

Recorridos/Réus………………… CC e marido DD, reformados, com residência na Rua ..., ...; ……………………………………… EE, divorciada, com residência na Rua ..., ....

Intervenientes Passivos………..

FF; ……………………………………… GG; ……………………………………….

HH; e ……………………………………….

II; todos melhor identificados nos autos.

*I. Relatório

  1. O presente recurso vem interposto pelos Autores e respeita à sentença que fechou o ciclo processual dos autos na 1.ª instância, a qual julgou a ação improcedente e absolveu os Réus do pedido.

    Trata-se de uma ação de simples apreciação negativa, através da qual os Autores pediram a declaração de nulidade de uma escritura pública de justificação e doação lavrada em 16 de setembro de 2005, bem como o cancelamento de todo e qualquer registo feito com base nela, porquanto os factos aí referidos como fundantes da usucapião sobre o imóvel não correspondem historicamente à realidade, padecendo de falsidade, pois é incluída no prédio uma faixa de terreno que é propriedade dos Autores, facto que era do conhecimento dos intervenientes na escritura.

    Trata-se do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...17 da freguesia ..., concelho ....

    Em consequência desta pretendida anulação da escritura de justificação e doação, os Autores pediram ainda a declaração de nulidade de uma segunda escritura pública de doação, realizada pelos Réus em 1 de abril de 2019, cancelando-se todo e qualquer registo feito com base nela, comunicando-se a decisão à respetiva Conservatória do Registo Predial.

    Pediram, por fim, a condenação solidária dos Réus no pagamento de indemnização a favor dos autores, por danos não patrimoniais, decorrentes de tais comportamentos, no montante de €750,00 € (setecentos e quinhentos euros) para cada um, mais juros desde a citação e até pagamento.

    Os Réus impugnarem a sua por estarem desacompanhados de outros intervenientes nas relações jurídicas invocadas, impugnaram os factos alegados pelos Autores, reafirmando a veracidade das declarações vertidas na escritura pública de justificação.

    Foram admitidos a intervir ao lado dos Réus, FF, GG, HH e II, os quais não deduziram contestação.

    Como se referiu inicialmente, no final foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente e em consequência decide-se absolver os Réus CC, DD, EE do pedido contra si formulado por AA e BB.

    Custas a cargo dos Autores.

    Registe e Notifique.» b) É desta decisão, como se disse, que vem interposto o recurso por parte dos autores AA e BB, cujas conclusões são as seguintes: «1. Impugna-se a decisão de dar como provado o facto como constante do ponto 7 dos Factos Provados, estritamente porque, incorrendo em erro de julgamento face à prova constante dos autos e produzida em audiência de discussão e julgamento, ali não é considerado e dado como provado que o “Terreno de quintal e serventia (pegada a DD) ao fundo da casa de DD com 1m de largura 123,25 m2 a 200 esc – 24.650 $”, traduzindo-se num terreno de quintal e de “serventia” com 1 (um) metro de largura, e corresponde, nas respetivas área e dimensão, a 123,25 m2”, cujo direito de propriedade coube ao Autor, integra e faz parte do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...17 e que não se encontrava descrito na competente Conservatória do Registo Predial.

    1. Contrariamente ao que o Tribunal a quo entendeu e decidiu, a narrativa e declarações claramente e comprovadamente falsas sobre como o imóvel teria advindo, e quando, à posse dos justificantes, como vertidas na escritura de justificação e doação à 1ª Ré de 16 de Setembro de 2005, para sustentar o título de propriedade decorrente de uma aquisição por usucapião, e conhecendo os Réus plenamente essa falsidade, não configura um mero lapso desculpável, nem a tanto é equiparável, tão pouco um mero rigor formal, antes tendo sido (e sendo) determinantes, na substância, para a (in)validade do acto jurídico e para a (in)eficácia daquela escritura.

    2. Sem nisso conceder, sempre as falsas declarações de relevo maior na substância importariam e importam também para devidamente e com justeza aferir não só da legalidade (e também, diga-se, licitude), como também da própria credibilidade da actuação e da postura adoptadas pelos Réus, o que, nem dessa forma e para boa decisão da causa, foi considerado pelo Tribunal a quo, e, isto, ainda que se consignando na Sentença recorrida que “o que está em causa nos presentes autos é o facto de se saber se as declarações contidas na escritura de justificação e de doação datada de 16 de setembro de 2005 correspondem (ou não) à realidade – isto é, da veracidade ou da sinceridade do teor das declarações constantes da escritura de justificação e de doação.” 4. O que, desde logo, sobressai na Sentença sob recurso, vista a motivação sobre a decisão sobre os factos dados como provados nos pontos 23, 24, 25, 26, 28 e 29 dos Factos Provados, é uma manifesta desatenção para o que seja “a casa”, o “edifício habitacional”, cuja propriedade foi atribuída à 1ª Ré, casada com DD, em 1980, e o que mais abrange e compõe o imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...17.

    3. Nesse pressuposto incorrecto de que o imóvel se reconduz ao que se destinasse efectivamente à habitação dos pais do Autor e da 1ª Ré, o Tribunal a quo entendeu e decidiu, à revelia da prova produzida e mesmo quando conjugada com as regras da lógica e da experiência comuns, que só à morte daqueles se efectivaria o que já vinha mesmo sendo praticado tanto por Autores, como pelos próprios 1º e 2º Réus, ou seja, actos de posse por estes inerentes a um direito de propriedade.

    4. Atenta a prova produzida nos autos e mesmo o que é das regras da lógica e do senso comuns, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, e também em patente contradição na respectiva fundamentação, ao decidir dar como provados os factos constantes dos pontos 23, 24, 25, 26, 28 e 29 dos Factos Provados, bem como ao dar como não provado o que consta da alínea a) dos Factos não Provados.

    5. A decisão do Tribunal recorrido de dar como não provado os factos constantes das alíneas b) e c) dos Factos não Provados decorre não só de erro de julgamento, não tendo atentado correctamente na prova produzida e constante dos autos, conjugada entre si e reforçada pelo que é de lógica e do senso comuns, como também da própria conduta ilegal dos Réus, pautada por falsidade e logro, contrariando deliberadamente e com dolo a realidade que conhecem, no que foi declarado e, assim, se consignou nas escrituras de 16 de Setembro de 2005 (escritura de usucapião e de doação à 1ª Ré) e de 1 de Abril de 2019 (escritura de doação à 3ª Ré).

    6. Para além de responsabilidade criminal, sobressai a responsabilidade civil extracontratual dos Réus por factos ilícitos e no que configura conduta claramente dolosa, em que se evidencia o propósito, conseguido, de causar, como causaram (e estão a causar) lesão a legítimos direitos e interesses dos Autores, e, sem prejuízo disso, certo é que a indubitável falsidade e o logro por que se pautou a conduta dos Réus em sede e para efeitos da realização de ambas as escrituras públicas – e até dada como provada pelo Tribunal a quo no que respeita, logo em parte substancial e de maior relevo, à escritura de justificação e doação de 16 de Setembro de 2005 – assumia e assume pertinência em sede de apreciação e decisão sobre a presente causa, e, desde logo, para correcta decisão sobre a matéria de facto).

    7. Na decisão do Tribunal a quo de dar como não provados cada um dos concretos factos constantes das alíneas d), e), f) e g) dos Factos não Provados, para mais objecto preciso do litígio e questão controvertida estabelecidos por despacho saneador de 17 de Junho de 2021, incorreu o Tribunal recorrido em violação do que se consagra no artigo 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa enquanto dever/direito elementar, e, bem assim, em violação do que se estabelece nos artigos 154º e 607º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil, sendo essa sua decisão nula ao abrigo do estatuído no artigo 615º, n.º 1, alínea b), daquele mesmo diploma legal.

    8. Sempre serão inconstitucionais entendimento e aplicação do previsto nos artigos 154º e 607º, n.º 4, do Código de Processo Civil sem que o Tribunal efectivamente especifique e motive, com clareza, de forma inteligível e concretamente, a sua decisão de dar como provado ou, no caso, como não provado um facto em determinado sentido, por violação do dever (direito) elementar plasmado no artigo 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, bem como da própria equidade processual (incluindo uma plena e efectiva possibilidade de exercício do direito elementar de recurso), com consagração não só no artigo 20º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, como também no artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no artigo 6º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, no artigo 14º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, e no artigo 47º § 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

    9. Precludida a própria possibilidade de um exercício efectivo do direito de recurso nesta parte, por não se lograr conhecer e compreender, muito menos de forma explícita e mediante exame crítico, o que levou o Tribunal a quo a considerar como não provado o que concretamente consta de cada uma das alíneas d), e), f) e g), dos Factos não Provados, apenas se poderá aqui, ainda assim, aludir ao que é revelado, em contrário do decidido, pelos próprios depoimentos de parte dos Autores (em si), no depoimento de JJ e ao que é também desde logo das próprias regras da experiência comum.

    10. As declarações apresentadas e consignadas na escritura de justificação notarial de 16 de Setembro de 2005, sustentando a aquisição do direito de propriedade (e da posse) com uma doação verbal em 1970 por KK, falecido em 1923, e a sua viúva LL, que em 1925...

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