Acórdão nº 07P3185 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução18 de Outubro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

"AA" foi julgado, juntamente com outra, na 4ª Vara Criminal do Porto, no âmbito do processo n.º 1070/03.5SJPRT, acusado da co-autoria material de dois crimes de falsificação de documento e dois crimes de burla, p.p. pelos art.ºs 256.°, n.ºs 1, al. a) e 3 e 217.º, n.º 1, do Código Penal.

Procedeu-se ao julgamento com intervenção do tribunal colectivo e, por acórdão de 17 de Maio de 2007, decidiu-se julgar a acusação procedente e, consequentemente, condenar o referido arguido pela prática dos aludidos crimes, sendo os dois crimes de falsificação de documentos punidos com a pena de 9 (nove) meses de prisão para cada um deles e os dois crimes de burla com a pena de 7 (sete) meses de prisão para cada um deles; em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, foi condenado na pena unitária de 1 (ano) e 6 (seis) meses de prisão.

A co-arguida foi também condenada nas mesmas penas, mas a execução da pena, em relação a ela, ficou suspensa por dois anos.

  1. Do acórdão condenatório recorreu o arguido para a Relação do Porto, mas a 1ª instância remeteu o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, por versar exclusivamente matéria de direito, conforme questão prévia suscitada na resposta pelo M.º P.º.

    Após motivação, o arguido conclui o seguinte (transcrição): 1. O tribunal "a quo" condenou o arguido pela prática, em autoria material de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256°, n.ºs 1, al. a) e 3 do CP, e pela prática, em autoria material de dois crimes de burla, p. e p. pelo art.º 217, n.º 1 do CP; e em cumulo jurídico, na pena única de um ano e seis meses de prisão.

  2. Decidindo desta forma, violou o Tribunal "a quo" o disposto no art.º 30°, n.º 1 do C.P., que dispõe o seguinte: "O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de creme for preenchido pela conduta do agente. " 3. Ora. no entender da defesa, e salvo o devido respeito por melhor opinião, o arguido deveria apenas ser condenado pela prática de um crime de burla, p. e p. pelo art.º 217°, n.º 1 do CP, dada a existência de um concurso aparente de normas sob a forma de consumpção entre o crime de falsificação de documentos (no caso dos autos de cheque) e o crime de burla, na medida em que a falsificação do cheque pelo arguido foi realizada como meio para atingir/concretizar o crime de burla, devendo nestas circunstâncias o agente apenas ser punido pela prática de um crime de burla, existindo unidade de resolução criminosa, pois o agente teve de falsificar para burlar.

  3. Ao decidir pela existência de concurso real entre o crimes de burla e de falsificação de cheque violou o tribunal "a quo" o disposto no art.º 30°-, n.º 1, uma vez que a conduta do arguido apenas integra a prática de um crime de burla, dada a existência de uma relação de concurso aparente entre aqueles dois crimes, resolvida pelas regras da consumpção, em que o arguido deverá ser punido apenas pelo crime de burla, uma vez que a falsificação dos documentos (cheque) é realizada com meio para atingir o crime de burla, isto é o agente teve de falsificar para burlar, existindo portanto unidade de resolução criminosa.

  4. Nos termos do art.º 30, n.º 2 do CP: "Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protegem o mesmo bem jurídico, executado de forma essencialmente homogénea e no quadro de solicitação de uma mesma situação exterior que diminui consideravelmente a culpa do agente".

  5. Não obstante os crimes praticados nos presentes autos não serem um acto isolado, bem como todos os crimes de falsificação de documento e burla pelo arguido praticados, e pelos quais foi condenado e que constam do seu vasto certificado de registo criminal (apenas os processos n.ºs 8407/02.2 TDPRT; 2475/02.4 TAVNG; 7410102.7 TDPRT; 14571/02.3 TDLSD; 561/05.8 JAPTM; 539/00.8 JAPTM e 1236/04.0 JAPRT não são condenações por crimes de burla e falsificação de documento), reconduzem-se todos eles a um determinado período da sua vida (praticados entre o ano de 2002 e o ano 2004), ilícitos esses praticados, porque o arguido embora exercesse com regularidade funções de segurança, tinha o vicio de jogar, tal como consta do seu relatório social junto aos autos.

  6. Agiu portanto o arguido neste período da sua vida com intenção de obter vantagem patrimonial não permitida à custa do prejuízo de terceiros que enganou, levando-os a supor que era legitimo titular dos documentos de identificação que usava e cheques, através da realização plúrima de diversos crimes de burla (e falsificação), entre os quais, os pelos quais foi condenado nos presentes autos, no quadro de uma mesma solicitação exterior susceptível de diminuir consideravelmente a sua culpa, que se revela nas circunstâncias de lhe terem chegado às mãos os cheques e os documentos de identificação que utilizou, bem como a facilidade como por toda a parte lhos aceitaram, não sendo de duvidar que tais circunstâncias, a que se juntou a pressão do seu vício do jogo e carências económicas, foram exteriores ao agente e facilitaram a este o repetição dos actos que cometeu e portanto lhe diminuem a culpa existindo o requisito da unidade do bem jurídico do tipo de crime realizado.

  7. Dado que estes factos, são integradores de uma única continuação criminosa, deve pois a pena nestes autos ser apenas reformulada, de acordo com o estatuído no acórdão do STJ de 04.11.92, CJ, XVII, tomo V, 5, não podendo o arguido ser condenado pela prática de novos crimes de burla e de falsificação sob pena de entrar em contradição com as anteriores condenações, designadamente com a condenação do arguido o qual já foi condenado pela prática de dois crimes de burla e de falsificação de documentos continuados, no processo nos 299/02.8 PBGDM, em 09.03.2006.

  8. O acórdão recorrido é nulo, por não ter considerado a existência de caso julgado, voltando a condenar o arguido pela prática de novos crimes de falsificação de documentos e novos crimes de burla, sendo que tais factos integram-se numa única continuação criminosa, conforme dispõe o art.º 30 do CP.

  9. A violação do caso julgado contende com o principio do "ne bis in idem", que consubstancia o reconhecimento do direito fundamental que garante ao cidadão não ser julgado/condenado mais que uma vez pelo mesmo crime.

  10. A decisão recorrida ao não reconhecer a existência de caso julgado viola o art.º 29, n.º 5 da CRP, o que aqui se invoca também para dar cumprimento ao art.º 72 da LTC.

  11. Assim deve reconhecer-se a unidade de infracção cometida, com a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime, protegendo o mesmo bem jurídico, executados de uma forma homogénea, e no quadro de uma mesma solicitação que diminui consideravelmente a culpa do agente, de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 30 do CP, correspondendo pois a várias resoluções criminosas, mas enquadradas, dada a verificação dos apontados requisitos, a um só crime continuado.

  12. Assim haverá neste processo que apurar da gravidade da conduta do arguido nestes autos em relação à já apreciada no processo n.º 299/02.8 PBGDM e manter-se a pena aplicada anteriormente, dada a gravidade ser idêntica à...

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