Acórdão nº 07P809 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelRODRIGUES DA COSTA
Data da Resolução04 de Outubro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. RELATORIO 1.

    A Rádio N..., P...E P..., SA, com sede na Rua 3 da Matinha, Edifício Altejo, Piso 3, Sala 301, 1900-823 Lisboa, foi condenada por deliberação da Comissão Nacional de Eleições (CNE) de 16 de Janeiro de 2007, pela prática de actos jornalísticos discriminatórios na campanha eleitoral relativa ao concelho de Matosinhos para as eleições autárquicas realizadas em 2005, considerando-se que tal prática consubstanciou a contra-ordenação social prevista nos arts. 40.º e 49.º, n.º 1 e punida pelo art. 212.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais - LEOAL - (Lei Orgânica n.º 1/2001 de 14 de Agosto), tendo-lhe sido aplicada a coima de € 997,60 (novecentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos).

    1. Inconformada, a Rádio N..., P...E P..., SA representado pelo presidente da Comissão Concelhia de Aveiro, veio impugnar judicialmente tal decisão administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 203.º da acima referida Lei Eleitoral e art. 59.º do DL 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social), na redacção introduzida pelos Decretos - Lei n.ºs 356/89, de 17/10 e 244/95, de 14/9 e ainda da Lei n.º 109/2001, de 24/12.

    Entre o mais, alegou a questão prévia da nulidade da decisão, por lhe ter sido notificada não uma deliberação do órgão competente para apreciar e aplicar coimas nesta área, mas um projecto de decisão elaborado e assinado por juristas assessores da CNE.

    Notificada a CNE, esta não veio dar resposta satisfatória quanto à arguida ter sido notificada apenas do projecto de decisão e não da sua própria deliberação, pelo que se ordenou, por despacho do Relator, que fosse novamente notificada a arguida nos termos legais e lhe fosse concedido novo prazo para ela impugnar, se assim o pretendesse.

    Realizada a notificação da deliberação da CNE, a arguida veio apresentar nova impugnação, concluindo-a do seguinte modo: 1 - A deliberação da CNE, ora impugnada, sanciona a arguida nos termos do disposto no art. 212° da LEOAL, segundo o qual "A empresa proprietária de publicação informativa que ⌠...⌡ não der tratamento igualitário às diversas candidaturas é punida com coima de 200.000$00 a 2.000.000$00" No entanto. 2 - A arguida não é proprietária de nenhuma publicação informativa, e as supostas infracções em causa nestes autos teriam sido cometidas em emissões radiofónicas da estacão TSF; 3 - O princípio da legalidade, consagrado no art. 2.º do RGCO, não consente a aplicação analógica ao art. 212° da LEOAL aos operadores de radiodifusão, nem tão pouco que se interprete a palavra "publicação", que tem um sentido preciso consagrado na Lei de Imprensa, como abrangendo "canais de rádio"; 4 - A interpretação preconizada a este respeito na deliberação impugnada não tem qualquer apoio na lei, e viola o principio da legalidade; 5 - O art. 212° da LEOAL, na interpretação perfilhada pela CNE na deliberação aqui posta em crise, enferma de inconstitucionalidade material, por violação do disposto nos n°s l e 3 do art. 29° da CRP, inconstitucionalidade que aqui ..se deixa expressamente invocada pata todos os devidos e legais efeitos: Quanto ao mais, e sem conceder.

    6 - A enumeração dos factos provados constante do projecto de decisão e acolhida na deliberação impugnada não concretiza suficientemente aquilo que é imputado à arguida, designadamente no qu toca ao lugar, ao .momento e à motivação da sua prática, violando o disposto na alínea a) do n.º l do art. 58.º e no n° l do art. 62.º, ambos do RGCO e na alínea b) do n° 3 do art. 283° do CPP, e incorrendo na nulidade sancionada no n.° 3 deste último preceito legal; 7 - A arguida, nos debates que organizou, optou sobretudo pelo modelo "frente a frente", o mais das vezes entre as duas candidaturas de maior peso na autarquia em questão.

    No entanto.

    8 - A opção por este modelo não significa nem acarreta, nem de perto nem de longe, o"apagamento" das demais candidaturas: Na verdade.

    9 - A cobertura informativa dedicada pela arguida às de eleições autárquicas de 2005 não se esgotou, de modo algum, nos aludidos debatas "frente a frente" Pelo contrário, 10 - Foram sempre sendo devidamente reportadas todas as actividades de todos os candidatos autárquicos nos concelhos cobertos pela TSF; 11. O cumprimento do princípio do tratamento igualitário tem que ser aferido perante a cobertura da campanha eleitoral analisada no seu todo, e nesse .contexto o referido princípio foi estritamente observado pela arguida; 12. Termos em que é totalmente infundada a decisão condenatória que aqui se deixa impugnada; 13. A deliberação impugnada viola o disposto nos arts. 2°. 58°. e 62°. n.º l do RGCO no art. 2l2° da LEOAL, no n.° 3 do art. 283.º do CPP, e nos n°s l e 3 do art. 29°da CRP. Termina, pedindo que se dê provimento ao recurso, revogando-se a deliberação recorrida e absolvendo-se a arguida.

    Indicou como prova 3 testemunhas. 3.

    Colhidos os vistos, foi realizada a audiência de julgamento, tendo sido inquiridas duas das três testemunhas indicadas, pois a testemunha João Paulo Meneses faltou, tendo sido prescindida no final da produção de prova..

  2. FUNDAMENTAÇÃO 4. Matéria de facto apurada 4.1. Factos dados como provados: 1. A vinte de Setembro de dois mil e cinco, deu entrada nos Serviços da Comissão Nacional de Eleições uma denúncia apresentada pelo candidato da CDU à Câmara Municipal de Matosinhos, através da qual o mesmo dava conhecimento do anúncio de um debate/ frente-a-frente a realizar na estação de Rádio TSF, no dia 21 de Setembro, pelas 10h, apenas com os candidatos do PSD/CDS-PP e do PS e para o qual o participante não tinha sido convidado, solicitando a intervenção da CNE para impedir a concretização desse debate ou, em alternativa, uma entrevista pessoal com o candidato para reparação dos prejuízos causados por aquela estação de Rádio à candidatura da CDU em Matosinhos.

    1. O referido debate frente-a-frente veio a realizar-se no dia 21 de Setembro de 2005, às 10 h., na estação de Rádio TSF. Nesse próprio dia, a CNE solicitou por fax à TSF para no prazo de 48h se pronunciar, querendo, sobre os factos constantes da participação, nomeadamente sobre os critérios jornalísticos que presidiram à feitura dos debates.

    2. Por fax datado de 23 de Setembro, veio o director da referida Rádio Notícias, J...F... invocar, em resumo, o seguinte: "Em relação a Matosinhos, dada a não candidatura de Narciso Miranda, histórico candidato do PS à câmara local, optámos por um frente-a-frente entre os dois candidatos que representam os partidos mais votados naquele concelho ... Esta opção nada tem a ver com a cobertura das acções de campanha eleitoral em Matosinhos. Apesar da escassez de meios da rádio e da diversidade de candidatos autárquicos existentes, de Norte a Sul do país (ilhas incluídas), a TSF está a dedicar, por opção editorial, um espaço regular à campanha neste concelho".

    3. Sobre o assunto, a CNE, na sessão plenária de 27/09/2005, deliberou remeter o processo para a Alta Autoridade para a Comunicação Social e ainda. solicitar à TSF a indicação, no prazo de 48h., relativamente a que concelhos realizou debates e frente-a-frentes, bem como quais as forças candidatas e critérios subjacentes à escolha das candidaturas.

    4. A TSF nada respondeu.

    5. Em 3 de Outubro de 2005, o candidato da CDU por Matosinhos veio reiterar a intervenção da CNE para que a TSF fosse instada a realizar uma entrevista pessoal, destinada a reparar os prejuízos causados à candidatura da CDU em Matosinhos.

    6. Em 25 de Outubro de 2005, a CNE fixou um novo prazo de 48h. à TSF para que cumprisse a deliberação tomada em 27/09/2005, e indicasse relativamente a que concelhos realizou debates e frente-a-frentes, bem como quais as forças candidatas presentes e quais os critérios que presidiram à escolha das candidaturas, não tendo a TSF apresentado qualquer resposta.

    7. Com o objectivo de proceder a uma avaliação do cumprimento pela TSF do principio da igualdade de tratamento das candidaturas no processo eleitoral autárquico de 2005, a CNE contratou os serviços da empresa Mediamonitor para recolher toda a informação sobre debates realizados na TSF no período compreendido entre 27 de Setembro e 9 de Outubro de 2005 - período de campanha eleitoral.

    8. Da informação obtida, resulta que a TSF realizou debates durante o período de campanha eleitoral em vários concelhos, adoptando, na generalidade deles, o critério de convidar apenas os candidatos de partidos com representação parlamentar.

    9. No que se refere a Matosinhos, a arguida optou pela realização de um debate frente-a-frente, entre os candidatos que representavam os dois maiores partidos, com maior representação no concelho e com mais possibilidade de ganhar as eleições.

    10. Todavia, a cobertura informativa dedicada pela Arguida à campanha eleitoral em Matosinhos não se esgotou naquele debate.

    11. Ao contrário, em noticiários e jornais de campanha, foram reportadas as actividades dos restantes candidatos autárquicos àquele concelho e foram elaborados vários trabalhos sobre as diversas candidaturas.

    12. A entrevista solicitada pelo candidato da CDU como compensação por não ter participado no frente-a-frente, não foi realizada, porque a arguida entendeu que "não tem que andar ao sabor daquilo que querem os candidatos".

    13. A arguida agiu voluntária e conscientemente ao ter excluído do debate frente-frente o candidato da CDU, sabendo que tinha de dar igual tratamento às...

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