Acórdão nº 07B2374 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelGIL ROQUE
Data da Resolução27 de Setembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

1- AA S.A., intentou em 29.10.2001 contra BB Auto, Lda, a presente acção de anulação sob a forma de processo ordinário, pedindo que seja : a) declarada a ilegitimidade da Ré para requerer a desanexação por fraccionamento do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Alter do Chão, sob o nº 645/Freguesia de Alter do Chão, requerido nos termos do pedido de registo apresentado nesta Conservatória sob o nº 2 de 28 de Outubro de 1998, com a consequente inutilização ou cancelamento do averbamento nº .. e inscrição .. -1 da mesma descrição; b ) declarada a nulidade da hipoteca sobre o prédio acima identificado, constituída nos termos da respectiva inscrição C-I, cujo registo foi requerido sob a apresentação nº 3 de 28.10.98 e ordenado o respectivo cancelamento; c ) declarada a ilegitimidade da Ré para requerer a rectificação de área do mesmo prédio, requerida nos termos do pedido de registo apresentado na Conservatória, sob o nº 3, de 18.01.01, com a consequente inutilização ou cancelamento do averbamento nº 3 da referida descrição predial; d) declarada a nulidade da constituição em propriedade horizontal do mesmo prédio, a que se refere o registo predial pedido na referida Conservatória, sob a apresentação 4, de 15 de Março de 2001, cancelando-se, consequentemente, o registo constante da inscrição F-2; e) declarada a nulidade da hipoteca das fracções autónomas designadas pelas letras A, B, C, D, E e F do prédio em causa, após a constituição da propriedade horizontal, constituídas nos termos das respectivas inscrições C-2 de cada uma das descrições dessas fracções, cujos registos foram requeridos na mencionada Conservatória, sob a apresentação nº 3, de 27 de Abril de 2001, com o consequente cancelamento desses registos; t) declarados nulos todos os restantes e eventuais negócios jurídicos que tenham como objecto o mesmo prédio urbano e que afectem ou sejam incompatíveis com o pleno exercício do direito de superfície de que é titular a Autora, ordenando-se o cancelamento dos respectivos registos prediais entretanto requeridos na dita Conservatória do Registo Predial, até à data do registo da presente acção.

Alegou para o efeito, em síntese, que: - A Ré era dona e legítima proprietária, no regime de propriedade plena, do prédio urbano sito na Estrada Nacional, nº ----, na freguesia e concelho de Alter do Chão; - Em 17 de Julho de 1991, por escritura pública, foi constituído pela Ré, a favor da autora, pelo prazo de trinta anos, o direito de superfície sobre o dito prédio; - O referido direito de superfície incidia e abrangia todo o edifício já construído, bem como todo o logradouro, ou área de superfície descoberta de que era composto o prédio urbano e abrangia a faculdade de a autora construir e manter no referido prédio, durante a sua vigência, o edifício e instalações para um posto de abastecimento de combustíveis; - A Autora não submeteu a constituição do direito de superfície a registo, junto da competente Conservatória do Registo Predial até ao dia 20 de Agosto de 2001; - Em 28 de Outubro de 1998 a Ré requereu e procedeu através do registo predial, à desanexação de uma parcela de terreno, com a área de 50 m2, da área descoberta do prédio em causa, fraccionando assim o mesmo e provocando a abertura dum nova descrição predial para o novo prédio; - Naquela data, a Ré requereu o registo da hipoteca que constituiu a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A., para garantia de empréstimo contraído junto desta instituição bancária, que foi deferido; - Em 15 de Março de 2001 a Ré requereu o registo da constituição em propriedade horizontal do referido prédio urbano, pedido este que foi deferido; - Em 27 de Abril de 2001 a Ré pediu o registo da hipoteca que constituiu a favor da CGD, para garantia de novo empréstimo, pedido que obteve deferimento; - Os actos mencionados são inválidos, dada a ilegitimidade da Ré para a disposição do bem que constitui o seu objecto; - Efectivamente, ao proceder à constituição da hipoteca e à constituição da propriedade horizontal, sem conhecimento e intervenção da Autora, a Ré praticou actos de disposição e modificação do direito de propriedade de um prédio cuja titularidade em termos de propriedade plena sabe que não tem; - Consequentemente, a validade substantiva de todos os negócios jurídicos onerosos praticados pela Ré, após a constituição do direito de superfície a favor da autora, pelos quais tenha alienado o imóvel ou tenha estabelecido quaisquer encargos sobre ele, são nulos nos termos da disposição legal que regula a venda de bens alheios - cfr. art. 892° do Código Civil - extensiva a todos os negócios onerosos por força do disposto no art. 939º do mesmo Código.

Contestou a Ré invocando a sua ilegitimidade passiva para os termos da acção, alegando que esta também deveria ter sido proposta contra a Caixa Geral de Depósitos, S. A, uma vez que parte do pedido atinge os direitos desta instituição bancária, que tem registada a seu favor hipoteca sobre o prédio em questão, hipoteca esta que a Autora pretende ver invalidada.

Pede, assim a Ré, atento o disposto no art. 28º do Código de Processo Civil, a sua absolvição da presente instância.

Impugnou a matéria de facto articulada pela autora, alegando, em síntese, que: - Pela escritura pública celebrada, a autora tem a faculdade de sobre o referido prédio, construir e manter, durante o prazo estipulado, o edifício e instalações para um posto de abastecimento de combustíveis; - Na petição inicial a autora não esclarece com rigor qual a faculdade do direito de superfície que se encontra prejudicada pela constituição do prédio em propriedade horizontal; - Porque a autora vem concretizando a manutenção do posto para abastecimento de combustíveis, deve reportar-se, apenas, à possibilidade de construir no prédio existente; - Em 1975, altura em que foi inscrito na Conservatória do Registo Predial, o prédio já tinha a seguinte estrutura: rés-do-chão, primeiro e segundo andar tendo sido, naquela altura, que se colocou em funcionamento um posto de abastecimento de combustíveis; - Com a constituição do prédio em propriedade horizontal todo o espaço que era afecto ao posto de abastecimento manteve-se exactamente o mesmo, agora incluído na fracção A; - A faculdade de construir a que se alude na escritura pública que constituiu o direito de superfície sobre o prédio, há-de concretizar-se na faculdade de construir obra sobre o prédio existente, isto é, para cima do segundo andar, pois não existe no mesmo qualquer possibilidade de construir obra/edifício noutro sítio; - O regime estabelecido no art. 1526° do Código Civil manda que se apliquem as normas da propriedade horizontal no caso do direito de sobre elevação, quer o edifício já esteja nesse regime quer o não esteja; - Assim, no presente caso, se autora quisesse construir, teria de edificar um terceiro andar e, uma vez construído, passava a ser condómina da parte que construísse, passando obrigatoriamente o prédio a estar sujeito ao regime da propriedade horizontal e a autora era apenas mais um condómino, com direito de propriedade superficiária sobre a fracção por si construída, mas que em nada poderia restringir ou limitar o direito de propriedade da ré sobre as restantes fracções; - Com a constituição do direito de superfície nestes moldes, não perde a ré o direito de dispor sobre a coisa, como pretende a autora.

A Ré deduziu, ainda, no mesmo articulado, pedido reconvencional contra a Autora, alegando para tanto que: - Na escritura celebrada entre a Autora e a Ré instituiu-se a favor da primeira as faculdades de construir e manter obra sobre o prédio, o que se afigura contrário ao regime decorrente do art. 1524° do Código Civil que não admite que se estabeleçam cumulativamente estas duas faculdades, contrariamente ao que sucedia no âmbito da Lei nº 2030°, nomeadamente, no seu art. 21°, onde se definia o direito de superfície como "a faculdade de implantar e manter edifício próprio em chão alheio ... ".

- Nestes termos, o objecto do acto que instituiu o direito de superfície a favor da autora tal como consta da escritura pública é nulo, porque ilegal, violando o art. 1524°, não podendo, por isso, produzir quaisquer efeitos.

Terminou a Ré, pedindo seja julgada procedente por provada a reconvenção, declarando-se nulo o acto que instituiu o direito de superfície a favor da autora, determinando-se, consequentemente, que a autora/reconvinda, entregue à ré/reconvinte, o prédio do qual tem a posse ao abrigo do contrato cuja nulidade do objecto se peticiona.

A Autora apresentou articulado de réplica, respondendo à excepção de ilegitimidade suscitada pela ré, bem como ao pedido reconvencional contra si deduzido.

Quanto à excepção dilatória de ilegitimidade, a Autora admitiu a necessidade de chamar a Caixa Geral de Depósitos, S. A., à presente acção, para que esta possa produzir o seu efeito útil tendo em conta o pedido formulado na petição inicial. Assim, visando sanar a excepção de ilegitimidade verificada, a Autora pediu a intervenção principal daquela instituição bancária, em conformidade com o disposto nos arts. 325º nº 1, 326º nº 1 al. a) e 320º al. b), todos do Cod. Proc. Civil.

Quanto ao pedido reconvencional, diz a Autora em sua defesa e, em síntese, que: - A interpretação do regime decorrente do art. 1524º do Código Civil não pode ser a que é adiantada pela Ré. Efectivamente, a única conclusão a retirar daquele preceito legal é a de que a lei, onde poderia apenas prever o exercício do direito de construir e manter obra por edificar, incluiu também na sua previsão, com a expressão de manter uma obra, a faculdade de que o direito de superfície se constitua também com o objectivo de se conservar, gozar e fruir uma obra já edificada; - Mesmo que assim não se entenda, o negócio em causa não pode ser considerado nulo, pois face aos princípios da boa fé que regem os negócios jurídicos, terá que ser adoptada uma interpretação restritiva...

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