Acórdão nº 07P2846 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Agosto de 2007

Magistrado ResponsávelARMÉNIO SOTTOMAYOR
Data da Resolução02 de Agosto de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, arguido no processo nº 865/05.0 TAPNF da 2º Juízo do Tribunal Judicial de Paredes, actualmente em recurso no Tribunal da Relação do Porto, onde tem o nº 911/07 da 1ª secção, veio, em 26 de Julho de 2007, através de escrito assinado pelo seu advogado, requerer a providência excepcional de habeas corpus, invocando, para tanto, o disposto no art. 222º nº 2 als. a) e b) do Código de Processo Penal.

Alega que a medida de coacção de permanência na habitação, com vigilância electrónica, a que se encontrava sujeito há cerca de 20 meses, foi alterada, por decisão do relator do processo no Tribunal da Relação, para a de prisão preventiva, com efeitos desde o dia 19 de Julho de 2007. Discordando de tal decisão, reclamou para a conferência, conforme requerimento que reproduziu na petição de habeas corpus, do qual consta que o motivo substancial invocado para a alteração da medida de coacção é o facto de a esposa e de o filho do requerente terem actualmente emigrado para Espanha, ficando o arguido sozinho na habitação, a qual foi vendida em hasta pública, não existindo qualquer outro local em que o arguido possa cumprir aquela medida coactiva. Refere que este motivo de alteração e agravamento da medida de coacção não se encontra previsto na lei, sendo inconstitucional, pois a aludida venda da casa, que implica a necessidade de evacuação, não é um direito especialmente protegido e com a mesma força dos direitos liberdades e garantias, de que a liberdade individual faz parte integrante. E depois de sustentar que a alteração da medida de coacção, para outra em especial mais gravosa, não tem base legal que seriamente a sustente, considera-se na situação de presumido inocente, afirmando que, não obstante a sua condenação em 1ª instância, confirmada pela Relação, existe uma atenuação das exigências cautelares, visto que decorreu um longo período de tempo, que se aproxima da metade da pena, e defendendo que, a ser alterada a medida, deve ser para outra menos gravosa, como a de apresentações periódicas, que lhe permitiria procurar um trabalho, ou que, mantendo-se numa situação de obrigação de permanência na habitação, deve ser autorizada a sua saída, duas vezes por semana, por uma hora e meia, a fim de comprar mantimentos. Alega ainda que a alteração da medida de coacção decidida pelo tribunal de recurso fere o princípio do juiz natural e impede o recurso, sustentando que o processo deveria ter baixado, de forma a ser o juiz que lhe aplicou a medida e a manteve ao longo de mais de 15 meses a decidir da referida alteração. Finalmente, chama a atenção para a circunstância de não ter sido ouvido, afirmando, em jeito de conclusão, que "se encontra preso ilegalmente através de uma alteração qualitativa da medida de coacção, com base numa fundamentação que, objectivamente desprotegeu o direito fundamental que era o seu, em favor de um arrematante da casa vendida, cujo direito que se não põe em causa é, no entanto, incapaz, por natureza e definição legal de poder alcandorar-se ao nível da dignidade e de protecção da liberdade individual constitucionalmente consagrada".

Em cumprimento o disposto no art 223º nº 1 do Código de Processo Penal, foi prestada a informação no sentido de que se mantém o despacho que determinou a prisão preventiva, por ter sido proferido no âmbito do reexame dos pressupostos da prisão preventiva, por substituição da anterior medida de obrigação de permanência na habitação, após prévia audição do Ministério Público e do arguido.

  1. Convocada a Secção Criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, teve lugar a audiência a que se refere os artº 223º nº 3 e 435º do Código de Processo Penal.

    Tudo visto, cumpre decidir.

  2. O instituto do habeas corpus, previsto já na Constituição de 1911, mas só introduzido no ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei 45.033, de 20 de Outubro de 1945, consiste "na intervenção do poder judicial para fazer cessar as ofensas do direito de liberdade pelos abusos da autoridade. Providência de carácter extraordinário ... é um remédio excepcional para proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade", conforme se afirma na exposição de motivos do referido diploma.

    A Constituição de 1976 estabelece, no art. 31º, que haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente. Referem os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa - Anotada, 4ª edição revista, 2007, pág. 508), em anotação a esta norma, que, "a prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos no art. 27º, quando efectuada ou ordenada por autoridade incompetente ou por forma irregular, quando tenham sido ultrapassados os prazos de apresentação ao juiz ou os prazos estabelecidos na lei para a duração da prisão preventiva, ou a duração da pena de prisão a cumprir, quando a detenção ou prisão ocorra fora dos estabelecimentos legalmente previstos, etc.".

    O habeas corpus visa, portanto, reagir contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, constituindo, segundo o Prof. Germano Marques da Silva, (Curso de Processo Penal, II, pág. 321) "não um recurso, mas uma providência extraordinária com a natureza de acção...

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