Acórdão nº 07P1583 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelSANTOS MONTEIRO
Data da Resolução11 de Julho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em audiência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: Em processo comum com intervenção do tribunal colectivo , sob o n.º ... .4GJCTB , do 1.º Juízo Criminal de Castelo Branco , foi submetido a julgamento AA , vindo , a final , a ser condenado como autor material de um crime de homicídio qualificado , p . e p . pelos art.º s 131 .º e 132.º n.ºs 1 e 2 , als. h) e i) , do CP , na pena de 16 anos de prisão e pela prática de um crime de detenção ilegal de arma , p . e . p. pelo art.º 6.º n.º 1 , da Lei n.º 22/97 , na redacção introduzida pela Lei n.º 98/2001 , de 25/8 , na pena de 6 meses de prisão , em cúmulo jurídico na pena única de 16 anos e 3 meses de prisão , bem como ao pagamento de 35.000 € pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima ; 7.500 € à viúva BB , por danos morais ; 5.000 € aos assistentes CC e DD por danos morais , em conjunto aos assistentes e demandantes BB , CC e DD , a soma de 819 € a título de danos patrimoniais , bem como ao ISS /CNP da soma de 3.757 , 89 € , acrescendo juros legais desde a notificação e até integral reembolso , à taxa de 4% .

I . Inconformado com o teor da decisão recorrida , interpuseram o arguido e os assistentes , recurso para a Relação de Coimbra , que , declinando a sua competência , endereçou os autos a este STJ , apresentado aquele na sua motivação as seguintes conclusões : Não ficou demonstrado que tenha agido com frieza de ânimo e/ou com reflexão sobre os meios usados, nem que o meio seja insidioso, muito menos que se tenha provado perversidade ou especial censurabilidade , pois o facto de se encontrar perto da vítima , munido de uma arma de fogo, num plano superior ao daquela, não justifica tal qualificação .

Nem o facto de ter ido buscar a arma autoriza tal classificação, pois a situação progride dentro do mesmo nexo de causalidade.

O facto de a vítima ter sido alertada para o facto de se achar armado e mesmo assim ter decidido avançar com um pau, de aproximadamente , 1, 50 metros , com um prego saliente na extremidade , provocando-o , não pode declarar preenchido tal crime.

A surpresa não se concretiza por uma mais que eventual presença de testemunhas.

O arguido gritava ao chamar a vítima.

Estava nervoso e de cabeça quente.

O comportamento do arguido deriva da discussão havida momentos antes com o ofendido.

O processado inclui-se num único acto temporal.

A frieza de ânimo não pode ter lugar porque houve uma discussão antes.

O tribunal decidiu com base em factos que não autorizam tal subsunção, violando o princípio " in dubio pro reo ".

Não praticou o crime de homicídio qualificado, mas de homicídio simples, por ele devendo ser responsabilizado, de forma atenuada.

II . Dos assistentes BB, CC e DD , são as seguintes conclusões : As indemnizações atribuídas pecam por insuficiência.

A indemnização atribuída pela perda do direito à vida da vítima, de 30.000 € é inferior `a fixada pelos tribunais superiores, devendo ser substituída pela de 50.000 €.

É mais justa a indemnização de 15.000 € pelo dano não patrimonial sofrido pelo ofendido antes de falecer, em vez da importância de 5.000 €.

Pelos danos não patrimoniais sofridos pela viúva com a morte do marido é mais adequada a indemnização de 25.000 €, substituindo-se à de 7.500 €.

Aos filhos da vítima pela morte do pai é mais justa a soma de 15.000 € em lugar de 5.000 €.

Ficou provado, por documentos juntos, que gastaram a título de danos emergentes a importância de 1610, 64 €.

No que concerne aos lucros cessantes ficou provado que: À data do óbito o arguido e a viúva viviam em economia comum.

Ficou demonstrado que a vítima usufruía de remediada situação económica concorrendo para o agregado familiar.

Não se apurou a importância com que a vítima concorria para o orçamento familiar.

Em consequência da morte a viúva ficou provada dessa contribuição mensal, desse acréscimo patrimonial.

A viúva deixou de receber um acréscimo patrimonial nos próximos 6 anos, embora de inapurado valor.

E, por isso, deve esse quantitativo, ser relegado para liquidação em execução de sentença, até ao quantitativo de 14.400 €.

III .Responderam o M.º P.º e os assistentes defendendo -se , na 1.ª instância , o acerto da decisão recorrida e , neste STJ , após aperfeiçoamento do recurso , o Exm.º Procurador Geral-Adjunto requereu que se designasse dia para o julgamento .

IV . Colhidos os legais vistos, cumpre decidir, considerando que se provaram os factos seguintes advindos da acusação do Ministério Público: a) Desde há vários anos atrás que o arguido e o EE , residentes em Rochas de Baixo , freguesia de Almaceda , vinham mantendo desavenças um com o outro por causa de uma passagem em terrenos confinantes de que eram proprietários no local denominado Ribeirinha , próximo da referida localidade .

b) Por questões não concretamente apuradas ocorriam desavenças entre ambos, para além das referidas em a).

c) No dia 6 de Março de 2006, cerca das 18 horas, numa altura em que EE e FF , traziam com eles às costas tubos de plásticos de rega para os deixarem dentro do palheiro pertencente ao segundo , palheiro sito na quelha junto à Rua de ... , em Rochas de Baixo , o arguido abordou aqueles , junto ao referido palheiro , perguntando-lhe para onde é que iam os canos e dizendo . " há agora aí tantos vigaristas ...não sei para onde irão os canos " .

d) Ao ouvir a expressão " vigaristas " EE questionou o arguido se lhe estava a chamar " vigarista " , tendo-se desde logo , gerado uma discussão entre eles .

e) Na sequência dessa discussão, empunhando uma catana, que acabara de utilizar para descascar um eucalipto, o arguido fez menção de desferir com ela uma pancada em EE , ao que nisso foi impedido por FF o qual , ao aperceber-se de tal propósito , se colocou entre os dois , protegendo este último com o corpo .

f) Nessa altura o arguido acabou por abandonar o local e foi em direcção a sua casa , sita na referida Rua de ... .

g) Alguns instantes depois o arguido saiu de casa e voltou ao local, trazendo com ele na mão a espingarda de caça de que é proprietário, de dois canos sobrepostos, marca " Marochi " , calibre 12 , devidamente manifestada e registada , para a qual dispunha de autorização de simples detenção no domicílio .

h) Aí chegado posicionou-se no terreno situado por cima da quelha onde se situa o palheiro atrás aludido na confluência da quelha com a Rua ... , junto à parede lateral do palheiro , terreno situado à altura aproximada de 3 metros da quelha por referência à perpendicular onde se encontrava e à altura de cerca de 4, 20 metros do ponto onde se encontrava vítima AA -queria dizer-se EE - por referência à perpendicular onde este se encontrava , sendo que a distância entre a vítima AA -lapso de escrita de novo - e o ponto acima do qual se encontrava o arguido é de 8, 20 metros , sendo que o cômoro na perpendicular onde este se encontrava tem 3 metros de altura como melhor se vê do " croquis " junto a fls . 532 e da respectiva legenda .

i) Seguidamente introduziu dois cartuchos de chumbo na câmara da espingarda de caça e começou a gritar para o EE , o qual estava a arrumar os tubos de plástico dentro do palheiro juntamente com o FF dizendo " vem para aqui agora , vem para aqui agora " .

j) Nessa altura EE e FF saíram para fora do palheiro, trazendo o primeiro com ele na mão um pau com aproximadamente 1, 20 metros de comprimento e com um prego saliente na extremidade.

k) Apercebendo-se que o arguido iria dispara a arma contra aqueles, GG, que por ali passava , disse para o arguido : vai levar a arma a casa , senão ficas sem ela e , a ver aquele levantar o cano da espingarda disse-lhe : " você não faça isso , não atire " .

l) Não obstante isso, após responder " não faz diferença ", no momento em que o EE e o FF surgiram no seu ângulo de visão, próximo da esquina do palheiro , o arguido , de cima para baixo , a uma distância de ceca de 8, 20 metros do primeiro , efectuou , de imediato , dois disparos , com a espingarda na direcção do EE , atingindo-o com o primeiro disparo , junto do ombro direito , tombando-o no chão , vindo a massa de chumbo do segundo disparo a atingir o solo , junto aos pés do FF, que se encontrava a cerca de 11,20 metros .

m) Logo após, o arguido voltou a introduzir dois cartuchos na câmara da espingarda.

n) Em consequência do disparo que o atingiu, EE, sofreu duas feridas contundentes com cerca de 2 x 2 cm, na face anteroexterna do terço superior do braço direito, com destruição parcial do músculo, várias pequenas feridas na região do ombro direito, fracturas dos arcos anteriores das 1.ª, 2.ª, 3.ª costelas direitas com " vollet" e perda de substância, rotura de pleura parietal, perfuração da cavidade pericárdia , perfuração do miocárdio a nível do ventrículo direito , extensa solução de continuidade da pleura com hemotórax , ( local onde estava alojada a bucha do cartucho da caçadeira ) , esfacelo do lóbulo superior do pulmão direito , sendo as lesões torácicas sofridas causais do choque hipovolémico cardíaco o que lhe determinou directa e necessariamente , a morte .

o) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de tirar a vida a EE.

p) Não obstante a discussão em que se...

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