Acórdão nº 06P1175 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução31 de Maio de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1.

1.1. AA foi julgado no 1º Juízo Criminal de Viana do Castelo, onde foi condenado, pela prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205° nºs 1 e 4-b), do CPenal, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa por dois anos, sob a condição de, no prazo de 6 meses, pagar ao Assistente a quantia fixada a título de indemnização (€ 137.769.43, mais €1.000,00, a título de danos morais).

1.2.

Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães que, pelo acórdão de fls. 343 e segs., julgando procedente o recurso, absolveu o Arguido.

1.3.

Foi então a vez do Assistente de interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, culminando a respectiva motivação com as seguintes conclusões: «A) - Contrariamente ao sufragado no douto Acórdão recorrido, verificam-se todos os elementos constitutivos do tipo de crime (abuso de confiança) e a correspondente responsabilidade do Arguido com base nas provas produzidas; B) - Os elementos constitutivos do crime de abuso de confiança são: a entrega, licitude da entrega, o título não translativo da propriedade, a apropriação e a ilegitimidade da apropriação; C) - Quanto à entrega das importâncias feitas pelo Assistente ao Arguido, não subsistem quaisquer dúvidas, porque reconhecidas pelo Arguido; D) - A licitude da entrega é também evidente, porquanto destinava-se a fim legítimo e não proibido por lei; E) - O título não translativo da propriedade, já que as quantias de dinheiro foram entregues ao Arguido para serem aplicadas na compra conjunta e venda de imóveis, com repartição de lucros entre Arguido e Assistente; F) - A apropriação no caso dos autos verifica-se: - Quanto à entrega da quantia de 12.469,95€ destinada à compra conjunta e venda do estabelecimento denominado "..." quando o Arguido à revelia do Assistente rescindiu amigavelmente com o promitente vendedor o contrato promessa de compra e venda e transferiu o sinal dessa promessa para o negócio duma loja que passou a ser explorada pela esposa do Arguido; - Quanto às quantias de 49.879,79€ e 74.419,69,6 quando o Arguido adquiriu em seu nome exclusivo os imóveis que posteriormente veio a permutar, cujas escrituras estão juntas aos autos; G) - A ilegitimidade da apropriação resulta do facto do Arguido ter actuado em manifesta contradição com o ordenamento jurídico geral da propriedade - Jorge de Figueiredo Dias, in COMENTÁRIO CONIMBRICENSE DO CÓDIGO PENAL, Parte Especial, Tomo II, pag.205; H) - A decisão proferida na 1ª Instância não enferma de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; I) - A matéria de facto provada conjugada com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, permite concluir que no caso em apreciação estão verificados todos os elementos constitutivos do crime de abuso de confiança; J) - O douto Acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação do disposto no n° 2 do artigo 410° do Cod. Proc. Penal.

Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Exas deverá ser concedido provimento ao presente recurso revogando-se o douto Acórdão recorrido e, em consequência, mantida na íntegra a decisão proferida na 1ª Instância, como é de inteira JUSTIÇA».

1.4.

Responderam o Senhor Procurador Geral-Adjunto do Tribunal recorrido e o Arguido. O primeiro concluiu, com dúvidas, pelo não provimento do recurso. O segundo, naturalmente pela confirmação do acórdão recorrido.

1.5.

A Senhora Procuradora-Geral Adjunta deste Tribunal nada viu que obstasse ao julgamento do recurso em audiência.

1.6.

No exame preliminar, o Relator foi de idêntico parecer - razão por que, colhidos os vistos legais, foi designada data para a audiência, a que se procedeu com respeito pelas disposições legais que a regem.

Tudo visto, cumpre decidir.

  1. Decidindo: 2.1.

    São os seguintes os factos julgados provados: «Da acusação e das condições pessoais do arguido No dia 18.01.2002, BB entregou ao arguido 2.500.000$00 (€12.469.95), quantia esta destinada à compra conjunta e venda do estabelecimento denominado "...", imóvel correspondente ao artigo 474° da matriz de Viana do Castelo, com repartição de lucros entre ambos.

    Na referida data o arguido era titular da posição activa num contrato promessa de compra e venda do imóvel referido, estando na posição passiva respectiva CC.

    O arguido e este revogaram por mútuo acordo o referido contrato promessa no dia 31-12-2002.

    Em 07-01-2002, aquele BB entregou ao arguido a quantia de €49.879.79. e no dia 23-04-2002, aquele voltou a entregar a este mais € 74.419.69. quantias estas destinadas a - participar - com o arguido na compra conjunta e venda de prédios urbanos em Viana do Castelo (entre os quais o correspondente ao artigo matricial 283, de Monserrate, Viana do Castelo), com repartição de lucros entre ambos.

    O arguido não deu o destino acordado às quantias que lhe foram entregues e utilizou-as em proveito próprio.

    O arguido agiu consciente e livremente, querendo apoderar-se das quantias referidas, fazendo-as suas e dando-lhes o destino que lhe aprouvesse, bem sabendo que não lhe pertenciam e que dessa forma prejudicava aquele BB.

    Mais sabia o arguido que a sua conduta era prevista e punida por lei.

    O arguido é advogado; casado, a esposa é empresária: têm um filho a cargo; reside em casa arrendada, pagando 250€ mensais de renda. Desconhecem- -se antecedentes criminais.

    Do pedido de indemnização civil O demandado adquiriu em seu nome exclusivo por compra, entre outros, o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Viana do Castelo - Monserrate - sob o artigo 283°.

    Dessa compra não deu qualquer conhecimento ao demandante.

    Posteriormente, o demandado transmitiu a terceira pessoa os prédios urbanos que tinha adquirido, não tendo, também, dado qualquer conhecimento desse negócio ao demandante.

    Até à presente data o demandado não restituiu ao demandante as quantias que recebeu deste.

    O demandante fez já várias diligências junto ao demandado para que este lhe restitua o que recebeu.

    Nenhuma dessas diligências colheu qualquer êxito, não obstante as reiteradas promessas de restituição do dinheiro feitas pelo...

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