Acórdão nº 03P2721 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução16 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam do Supremo Tribunal de Justiça I 1. O Tribunal do Círculo Judicial de V. N. de Famalicão (Processo Comum Colectivo n.° 793/00.5TAVNF, 1.º Juízo Criminal), condenou, por acórdão de 8.4.03: - o arguido MSE pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 203.°, n.° 1 e 204.°, n.° 1 aI. a) e n.° 2, aI. e) do Código Penal, na pena de três (3) anos e seis (6) meses de prisão

- o arguido MR pela prática de um crime de receptação p. e p. pelo artigo 231 n.° 1 do Código Penal, na pena de dois (2) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três (3) anos subordinada ao cumprimento do dever de entregar à Fundação Cupertino de Miranda de V. N. Famalicão, a quantia de Eur 7500,00 no prazo de seis (6) meses após transito

2. Partiu para tanto da seguinte factualidade

  1. ) Na noite de 20 para 21 de Fevereiro de 2000, o arguido MSE decidiu assaltar, a Capela do Solar de Vila Boa, sito em Joane, Vila Nova de Famalicão, de propriedade da ofendida MMBMMPM, com o intuito de se apoderar de objectos de valor que aí encontrassem, mais concretamente objectos de arte sacra antigos que sabia encontrarem-se no interior da mesma e que depois poderia vender

  2. ) Em execução de tal desígnio, a hora não concretamente apurada dessa noite, o arguido MSE, acompanhado de outros indivíduos em número e de identidade não determinada, deslocou-se à referida capela, cuja porta logrou abrir depois de forçar a respectiva fechadura com uma barra de ferro

  3. ) Depois, o arguido MSE e seus acompanhantes introduziram-se no interior, da capela e desmontaram o seu altar-mor, constituído por diversas peças de madeira talhada policromada

  4. ) Do interior da capela, o arguido MSE e seus acompanhantes retiraram cinco sanefas, cinco mísulas de vários tamanhos, dois florões, um remate de altar com cinco cabeças de anjo, duas rosáceas, dois pequenos pináculos estilizados, a caixa do púlpito e a porta do sacrários, peças estas em talha policromada em dourado, azul e rosa, obra de finais do século XVIII, com o valor patrimonial global de Pte 3.000.000$00 (Eur 14.963,94), que colocaram na carrinha em que se haviam feito transportar até àquele local

  5. ) Na posse de tais objectos, o arguido MSE e seus acompanhantes abandonaram o local, levando-os consigo e fazendo-os seus

  6. ) Agindo do modo descrito, sabia o arguido MSE que se introduzia em espaço vedado anexo a habitação, a outrem pertencente, bem como que se apropriava de coisas que não lhe pertenciam e que o fazia sem o consentimento e contra a vontade da respectiva legítima dona, a ofendida, o que quis

  7. ) Após tais factos, por diversas vezes o arguido MSE procurou o arguido MR no estabelecimento comercial a este pertencente, denomina do "Patine do Tempo", sito na Praia da Granja, Vila Nova de Gaia, com o intuito de lhe vender os objectos acima referidos, nunca o tendo logrado fazer até Abril de 2000

  8. ) Finalmente, no dia 7 de Abril de 2000, o arguido MSE conseguiu contactar o arguido MR na loja "Patine do Tempo", tendo-lhe oferecido para venda os objectos acima referidos

  9. ) Depois de ter visto tais objectos, o arguido MR decidiu ficar com os mesmos, oferecendo ao arguido MSE como contrapartida a quantia de Pte 750.000$00 (€ 3740,98), que este aceitou

  10. ) Em resultado de tal acordo, o arguido MR, não obstante saber que tais objectos oferecidos para compra pelo arguido MSE haviam sido ilegitimamente subtraídos ao respectivo dono, recebeu os mesmos e guardou-os no seu estabelecimento comercial

  11. ) Para pagamento do preço acima referido, combinaram os arguidos que o mesmo seria entregue ao MSE após a sua venda pelo MR, venda esta que não veio a ocorrer, na medida em que tais objectos foram apreendidos pela Polícia Judiciária no dia 14.4.2000 no estabelecimento comercial deste último

  12. ) Os arguidos agiram de modo Livre, voluntário e consciente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das respectivas condutas

  13. ) Em datas anteriores aos factos supra descritos o arguido MSE já havia vendido ao arguido MR objectos de arte que haviam sido furta dos, por diversas vezes

  14. ) O arguido MSE é casado segundo os costumes da etnia cigana, tem dois filhos. À data dos factos supra descritos o arguido era consumidor de "droga", estando neste momento a efectuar tratamento de desintoxicação. O seu agregado familiar necessita de apoio económico

  15. ) O arguido MSE por acórdão de 13.07.2001 na 2. Vara Mista de Vila Nova de Gaia, no processo comum colectivo n.° 40/2001, por factos ocorridos em Janeiro de 2000 foi condenado como autor de um crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 204.°, n.° 2, al. e) do Código Penal na pena de quatro (4) anos e seis (6) meses de prisão

  16. ) O arguido MR esteve emigrado na França. Encontra-se estabelecido em Portugal à cerca de sete anos. O arguido recebe de reforma a quantia de cerca de Eur 134,68, e retira de rendimentos do aludido estabelecimento comercial cerca de Eur 1000,00 mensais. O arguido ajuda no sustento de um neto, dado que o seu filho faleceu à cerca de dois anos. Tem como habilitações Literárias o 7.° ano do Liceu, actual 11.0 ano de escolaridade. É pessoa considerada na área da sua residência

  17. ) O arguido MR por acórdão de 13.07.2001 na 2. Vara Mista de Vila Nova de Gaia, no processo comum colectivo n.° 40/2001, por factos ocorridos em 30 de Janeiro de 2000 foi condenado como autor de um crime de receptação p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 1 do Código Penal na pena de trezentos (300) dias de multa à taxa diária de Pte 7.000$00

Não se provaram quaisquer outros factos, designadamente: 1.°) O arguido MR tem bom comportamento anterior aos factos. II 2.1. Inconformado, o arguido MR recorreu para a Relação do Porto, concluindo na sua motivação: 1 - Os critérios que presidem à medida concreta da pena são os indicados no arts 40, 70 do C.P

2 - Terá ainda o julgador na determinação da medida da pena, que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (art 71 n°2 do C.P.P)

"Citando Rodrigues Devesa poder-se-á dizer "a ilicitude e a culpa são susceptíveis de variação consoante as circunstancias que concorram no caso concreto no crime cometido, quer dizer que, são capazes de uma graduação maior ou menor que repercute sobre a gravidade"

3 - Ter-se-ia que ter em conta que o arguido não auferiu qualquer ganho com os objectos que foram furtados e que por si foram consignados sendo certo que, e como consta da nota de consignação, o valor consignado foi determinado pelo co-arguido. Tais objectos foram por si entregues voluntariamente, na medida em que a P.J. deslocou-se ao referido estabelecimento na sequência de outro processo 4 - A condenação sofrida anteriormente pelo crime de receptação estar relacionada com o mesmo indivíduo sendo certo que ocorreu nos meses de Março e Abril do mesmo ano, o que significa que aquando da aquisição destes objectos o arguido não sabia ainda que os anteriormente comprados tinham sido objecto de furto. Todos estes actos ocorrem no mesmo período

5 - O arguido ter à data da prática dos factos 64 anos de idade, não ter a partir desta data praticado quaisquer actos ilícitos

6 - Ser conceituado na área de residência. Ter uma condição sócio económica média, auxiliando ainda no sustento do neto

7 - Se se pudesse ter como definitivamente fixa a matéria de facto que o tribunal deu como apurada tal matéria seria subsumível á previsão dos art. 231, n.º 1 do C.P, mas atento aos critérios do art. 40, 50, 70 e 71 do C.P, deveria ao recorrente ser aplicada uma pena não superior a 12 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, sendo reduzida para 3.250 Euros a quantia a pagar à Fundação Cupertino de Miranda, no prazo de 6 meses após o transito

9 - A decisão recorrida violou nesta parte o arts. 40, 51 al c) 70 e 71, do C.P (não foi formulada conclusão com o n.º 8)

10 - Pelo que deve ser revogada, nos termos sobreditos

2.2. Respondeu o Ministério Público que concluiu pela improcedência do recurso

2.3. Foi ordenada a remessa dos autos a este Supremo Tribunal de Justiça. III Neste Tribunal, o Ministério Público teve vista dos autos e pronunciou-se pela competência da Relação para conhecer do recurso, quer pela circunstância de ter sido interposto para aquele Tribunal Superior, quer pela circunstância de se tratar crime cuja pena aplicável é inferior a 5 anos, pelo que não caberia recurso directamente para o Supremo Tribunal de Justiça, por não o caber de uma eventual decisão da Relação

Foi cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do CPP. Colhidos os vistos, teve lugar a audiência, pelo que cumpre conhecer e decidir. IV E conhecendo

4.1. No caso presente, a questão prévia da competência deve ser subdividida em dois temas, a saber: a) No recurso penal de decisões finais do tribunal colectivo, em que se pede exclusivamente a reapreciação da matéria de direito, o recorrente pode escolher entre dirigir-se à Relação ou optar por fazê-lo directamente para o Supremo Tribunal de Justiça? b) Ainda que assim não se entenda, sendo a decisão final do tribunal colectivo de que se recorre reportada a crime cuja pena aplicável é igual ou inferior a 5 anos de prisão, não cabe recurso directamente para o Supremo Tribunal de Justiça, por não o caber de uma eventual decisão da Relação? 4.1.1. Primeiro tema proposto: De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça, conforme expressamente dispõe o art.º 432º, al. d), do CPP. Mas, não se diga que, tendo a Relação competência para conhecer de facto e de direito nos recursos de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo (art.º 427.º do CPP), pode a Relação, por maioria de razão, conhecer de recurso que vise só questões de direito. Este argumento "por maioria de razão" não colhe, pois a competência dos tribunais é questão de interesse e ordem pública, pertencendo a reserva relativa de competência da...

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