Acórdão nº 01P342 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Janeiro de 2002
Magistrado Responsável | LORENÇO MARTINS |
Data da Resolução | 17 de Janeiro de 2002 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça: I - 1 - O Exmo. Representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, ao abrigo do disposto nos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal, interpôs o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, do Acórdão de 18 de Outubro de 2000, proferido nos autos de recurso penal n.º 6727/2000 - 3.ª Secção, daquela Relação.
Invoca como fundamento a oposição entre tal aresto e o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 28 de Janeiro de 1998, no processo n.º 948/97 (ver nota 1), oposição esta no domínio da mesma legislação, relativamente à mesma questão de direito, havendo ambas as decisões transitado em julgado.
Entende que deve ser fixada jurisprudência no seguinte sentido: «Deduzido o pedido cível em processo penal, se for recebida a acusação e tal pedido, no despacho proferido nos termos do artigo 311.º do Código de Processo Penal, a posterior declaração de extinção do procedimento criminal, por prescrição, antes da realização da audiência de julgamento, não obsta a que o processo deva prosseguir para conhecimento do pedido cível, caso o lesado o requeira.» O acórdão fundamento transitou em julgado e o acórdão recorrido é insusceptível de recurso ordinário.
Tendo o Ministério Público legitimidade, estando em tempo e verificados os restantes requisitos legais, o recurso foi considerado admissível, com efeito meramente devolutivo.
Instruiu-se o processo com certidão das decisões proferidas, alegadamente em oposição.
2 - Pelo Acórdão de 5 de Abril de 2001, a fls. 17 e 18, foi constatada a invocada oposição de julgados relativamente à mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.
A legislação em ambos aplicada - artigos 71.º e seguintes do Código de Processo Penal - é a mesma, sendo também a mesma a questão de direito, ou seja a do prosseguimento ou não prosseguimento do processo para conhecimento do pedido de indemnização civil oportunamente deduzido, tendo sido declarado extinto o procedimento, por prescrição, antes da realização da audiência de julgamento.
No acórdão recorrido entendeu-se: «O Tribunal declarou extinto o procedimento criminal por prescrição antes de realizar o julgamento, por despacho, pelo que o pedido de indemnização civil deduzido pelo Ministério Público, em representação do Estado, na acusação, não pode ser conhecido em processo penal.» Contrariamente, no acórdão fundamento, considerou-se: «A extinção do procedimento criminal por prescrição não impede o prosseguimento do processo para apreciação do pedido de indemnização civil anteriormente deduzido.» 3 - Ordenado o prosseguimento do processo, e efectuadas as notificações a que se refere o artigo 442.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, apresentaram alegações escritas o Ministério Público e o recorrido AA.
O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto defende que o conflito de jurisprudência entre os apontados acórdãos seja resolvido através da seguinte uniformização: «Tendo sido declarado extinto o procedimento criminal, por prescrição, já após a prolação do despacho a que se refere o artigo 311.º do Código de Processo Penal, mas antes de realizado o julgamento, deve o processo prosseguir, se o lesado o requereu ou se manifestou inequivocamente essa sua vontade, para efeitos de conhecimento do pedido cível por si deduzido.» O recorrido AA defende solução contrária, idêntica à do acórdão recorrido, e que condensa nestas conclusões: «1 - O artigo 71.º do Código de Processo Penal consagra o princípio da adesão obrigatória, como regra, da acção cível de indemnização à acção penal.
2 - A competência do tribunal criminal para conhecer do pedido de indemnização civil decorre, apenas, do facto de a acção cível estar conexionada com a acção penal.
3 - O recurso aos meios cíveis, do artigo 72.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, no caso, não é uma faculdade.
4 - Com efeito, trata-se de um corolário lógico-imperativo do nosso sistema de processo penal.
5 - Declarado extinto o procedimento criminal antes de a sentença transitar em julgado, não pode o tribunal conhecer do pedido cível nele enxertado.
6 - Assim, impõe-se a fixação de jurisprudência no sentido consagrado no Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Outubro de 2000, nos seguintes termos: 'Deduzido o pedido cível em processo penal, se for recebida a acusação e tal pedido, no despacho proferido nos termos do artigo 311.º do Código de Processo Penal, a posterior declaração de extinção do procedimento criminal, por prescrição, antes da realização da audiência de julgamento, obsta a que o processo prossiga para conhecer do pedido civil deduzido com a acusação.'» Corridos os vistos, procedeu-se a julgamento, em conferência do pleno das secções criminais. Tendo feito vencimento a tese oposta à que era apresentada, foi o processo redistribuído, nos termos da lei.
De novo apreciado, cumpre ponderar e decidir. II - Uma vez que a decisão emanada da conferência da secção, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, carece de força de caso julgado formal, atenta a diferente composição do órgão competente para a decisão última, impõe-se a reapreciação dos indispensáveis pressupostos legais da oposição de julgados - decisão da mesma questão de direito, no domínio da mesma legislação.
Sem que se justifiquem latos desenvolvimentos, não temos dúvidas em afirmar a dita oposição de julgados, emitidos sobre a mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.
Com efeito, no acórdão recorrido decidiu-se que uma vez extinto, por despacho, o procedimento criminal por prescrição antes de se realizar o julgamento, o pedido cível deduzido pelo Mininstério Público em representação do Estado, na acusação, não pode ser conhecido em processo penal - artigo 72.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
Enquanto no acórdão fundamento se decretou que, extinto o procedimento criminal por prescrição, quando já havia sido deduzido o pedido de indemnização cível e designada data para julgamento, o processo deve prosseguir para julgamento desse pedido, a menos que os lesados intentem, como podem, acção cível em separado, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
Trata-se evidentemente da mesma questão de direito e as decisões são opostas - numa, entendeu-se que o processo penal, após a declaração de prescrição, deve terminar, ainda que deduzido o pedido cível, na outra, o processo penal deve prosseguir -, proferidas na pendência da mesma legislação processual penal.
Ponderando o que acaba de ser reavivado, é patente que se deve manter a anterior conclusão, obtida em conferência, de que existe oposição de julgados, no domínio da mesma legislação, sobre a mesma referida questão de direito, qual seja a de saber se extinta a a acção penal por prescrição, em momento posterior à dedução do pedido cível mas antes do julgamento, deve ou não prosseguir o processo para a apreciação do pedido cível.
Determinado que está o objecto do presente recurso para fixação de jurisprudência, importa agora encontrar o sentido em que essa fixação deve ser feita.
III - Enunciemos os dispositivos legais em análise e, logo de seguida, a argumentação em confronto.
1 - Dispõe o artigo 71.º do Código de Processo Penal («Princípio de adesão»): «O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.» Acrescenta-se no artigo 72.º do mesmo diploma («Pedido em separado»): «1 - O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando: a) ... b) O processo penal tiver sido arquivado ou suspenso provisoriamente, ou o procedimento se tiver extinguido antes do julgamento; ... 2 - ...» Dispõe, por seu lado, o artigo 77.º («Formulação do pedido»), na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto (ver nota 2): «1 - Quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é deduzido na acusação ou no prazo em que esta deve ser formulada.
2 - O lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 75.º, n.º 2, é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ele houver lugar, para, querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias.
3 - Se não tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil ou se não tiver sido notificado nos termos do número anterior, o lesado pode deduzir o pedido até 10 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação ou, se o não houver, o despacho de pronúncia.
4 - Quando, em razão do valor do pedido, se deduzido em separado, não fosse obrigatória a constituição de advogado, o lesado, nos prazos estabelecidos nos números anteriores, pode requerer que lhe seja arbitrada a indemnização civil. O requerimento não está sujeito a formalidades especiais e pode consistir em declaração em auto, com indicação do prejuízo sofrido e das provas.
5 - Salvo nos casos previstos no número anterior, o pedido de indemnização civil é acompanhado de duplicados para os demandados e para a secretaria.» De interesse, apresenta-se também o artigo 377.º, n.º 1, que determina: «A sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no artigo 82.º, n.º 3.» 2 - Debrucemo-nos então sobre a fundamentação jurídica invocada por cada um dos acórdãos em oposição.
2.1 - Eis o modo como se discorreu o acórdão fundamento: «Com efeito, segundo o princípio da adesão com assento no artigo 71.º do Código de Processo Penal o recorrente deduziu o pedido de indemnização civil no presente processo ao abrigo desse normativo.
E tal pedido só podia ser deduzido em separado nos casos taxativamente enunciados no artigo 72.º do mesmo Código, que...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO