Acórdão nº 98A200 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Setembro de 1998

Magistrado ResponsávelGARCIA MARQUES
Data da Resolução23 de Setembro de 1998
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I A A, instaurou procedimento cautelar comum, no Tribunal de Póvoa de Lanhoso, contra B, pedindo que se proferisse decisão que considere o local inidóneo para a eliminação dos resíduos sólidos urbanos e instalação de um aterro sanitário e se ordene que a Requerida se abstenha de proceder, na área geográfica das freguesias de Lanhoso e Pedralva, respectivamente, dos concelhos de Braga e Póvoa de Lanhoso e conhecida por Vale de Chão ou Cobertos (na serra do Carvalho), à execução de actividades ou obras que integram o objecto do contrato de concessão entre esta celebrado e o Estado português e que se tornem necessárias para o processamento, depósito ou eliminação de resíduos sólidos urbanos ou a tal equiparados nos termos da lei, designadamente, abate de árvores, execução ou construção de infra-estruturas de estações de transferência, aterro sanitário, unidades de tratamento e, bem assim de quaisquer infra-estruturas associadas, tais como as que têm por objecto a deposição e eliminação daqueles resíduos ou outros. A Requerida deduziu oposição alegando, em síntese, para além das excepções que suscitou, a inexistência de fundamento para o receio de lesão do meio ambiente como consequência da construção e exploração do aterro. Produzidas as provas, incluindo a realização de uma inspecção judicial ao local, o Mmº Juiz proferiu, em 19 de Junho de 1997, decisão em que indeferiu a providência cautelar requerida. Inconformada, veio a Requerente interpor recurso, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 23 de Outubro de 1997, negado provimento ao agravo. Ainda inconformada, trouxe a Requerente o presente recurso de agravo, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões: 1. Os direitos ao ambiente e à qualidade de vida constituem no ordenamento jurídico-constitucional português direitos constitucionais fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados no nosso diploma fundamental, pelo que lhes é aplicável o regime constitucional específico destes. 2. Tais direitos gozam de aplicabilidade directa independentemente da eventual intervenção do legislador e vinculam imediatamente os poderes públicos e as entidades privadas. 3. A compreensão do regime jurídico-constitucional dos direitos fundamentais ao Ambiente e à qualidade de vida e sua aplicação e consideração nos actos de administração da Justiça não podem ser suprimidos ou restringidos a este Venerando Supremo Tribunal por lei ordinária. 4. O disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 755º do C.P.C. encontra-se ferido de inconstitucionalidade material na medida em que apenas prevê para fundamento do presente agravo a violação ou errada aplicação da lei do processo e não já a violação ou errada aplicação da lei substantiva. 5. Tal norma viola o disposto nos artigos 17º, 18º, 66º, 205º, nº 2, da C.R.P. 6. Uma vez que a decisão impugnada pôs termo ao processo, devem ser, em consequência daquela inconstitucionalidade material, apreciados os fundamentos do presente recurso na parte em que se alega e ocorre violação e errada interpretação da lei substantiva. 7. Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 66º da C.R.P. incumbe ao Estado ordenar e promover o ordenamento do território tendo em vista uma correcta localização de actividades e um equilibrado desenvolvimento sócio-económico. 8. O local onde a recorrida pretende instalar o aterro sanitário e proceder à deposição dos resíduos, como consta do Anúncio público para a abertura do concurso para a execução das obras necessárias para o efeito, foi escolhido unilateralmente pela Câmara Municipal de Braga. 9. Como resulta do conteúdo dos documentos constantes dos autos, juntos, de resto, pela própria recorrida, a escolha do local para onde se encontra projectada a construção do referido aterro, obedeceu única e exclusivamente a uma pura escolha política, determinada ainda por razões de puro interesse e racionalidade económica. 10. Não houve, em toda a área dos concelhos de Braga, de Póvoa de Lanhoso e de Vieira do Minho, - beneficiários do dito aterro para deposição e eliminação de lixos -, quaisquer estudos ou prévia indagação de outros locais que se pudessem revelar ou oferecer condições adequadas e seguras à prevenção de previsíveis riscos de sérios danos no ambiente que a construção de um aterro sanitário, em grau elevado, sempre acarreta. 11. Só depois de determinado, por tais motivos e razões, o local assim designado e irremissivelmente fixado para a implantação do aterro sanitário e para deposição dos resíduos é que foram realizados alguns estudos para caucionar ou tentar justificar a adequação do local. 12. As obrigações imputadas ao Estado e, consequentemente, à Administração Pública descentralizada, como é o caso das autarquias locais, por imposição dos princípios jurídicos fundamentas contidos na alínea b) do nº 2 do artigo 66º da C.R.P., obrigam a que esta, na ordenação e promoção do ordenamento do território, proceda, e não deva alhear-se de uma correcta localização das actividades, com vista a assegurar um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e paisagens biologicamente equilibradas. 13. A continuação por forma cautelosa e previdente da defesa do aproveitamento dos recursos naturais, designadamente a manutenção da pureza das águas das várias nascentes existentes no local para onde se encontra prevista a construção do aterro sanitário, tendo em vista sobretudo a sua preservação futura, a médio e longo prazo, preservando a sua capacidade de renovação e estabilidade ecológica, garantidas pelo artigo 66º, nº 2, da C.R.P., não permitia, antes vedava, como veda, à Administração local autárquica, e designadamente, à Câmara Municipal de Braga, uma actividade absoluta, livre, na escolha do local, daquelas vinculações jurídico-constitucionais inscritas naquele preceito. 14. Ao assim não considerar, a douta decisão ora impugnada violou o disposto na alínea b) do artigo 66º, nº 2, da C.R.P. e o disposto nos artigos 17º e 18º do mesmo diploma fundamental, tendo deixado de conhecer de questões que deveria ter apreciado, assim tendo também violado o disposto na alínea d) do artigo 668º do C.P.C. 15. Dessa omissão de pré-selecção de outros locais para a construção do dito aterro resulta a ausência de outro que, podendo ser encontrado noutro local correspondente à área dos três concelhos, pudesse oferecer características adequadas à correcta localização daquela actividade, à salvaguarda da capacidade de recursos naturais e à estabilidade ecológica e, quanto àquele que foi imposto, a inobservância dos factores que, em grau mais elevado, e tendo em vista neste domínio, os princípios fundamentais de cautela, de segurança e de prevenção, possam garantir a eliminação de receios sérios e fundados de que a capacidade de renovação da pureza das águas e da estabilidade ecológica não será alterada a curto, médio e longo prazo. 16. O local conhecido por "Vale de Chão" ou "Cobertos", sito na área geográfica das freguesias de Lanhoso e Pedralva, respectivamente dos concelhos de Braga e Póvoa de Lanhoso, pela sua localização e morfologia, pelas suas características geológicas, hidrológicas, de ar e paisagem é inadequado e inidóneo para nele se construir o aterro sanitário referido nos autos e para nele se proceder à deposição de resíduos. 17. É absolutamente incompreensível e intolerável, do ponto de vista da estabilidade ecológica das águas da sua capacidade de renovação e da defesa da saúde pública, que se construa um aterro sanitário num local impróprio, situando-se tal local sobre uma ribeira e sobre pelo menos onze nascentes, próximo de vários depósitos públicos que captam a água que se integra na rede de abastecimento público do concelho de Póvoa de Lanhoso. 18. Não é tolerável, e repugna ao direito e às normas jurídicas que visam salvaguardar e preservar a pureza das águas e a saúde das pessoas, que se permita a construção de um aterro sanitário e se proceda à deposição de lixos, num local onde as condições naturais existentes permitem a infiltração de efluentes que possam provir dos alvéolos de deposição de lixos e a contaminação das águas. 19. É intolerável e absolutamente inadmissível que se permita a construção do referido aterro numa área que é uma zona de recarga dos aquíferos suspensos que abastecem aquelas inúmeras fontes e nascentes cujo caudal de água é utilizado para fins de abastecimento humano, público e particular. 20. À luz dos factos apurados e das regras da experiência comum existe fundado receio de que a recorrida, através da execução das obras referidas nos autos e da deposição dos resíduos no referido local conhecido por "Vale do Chão" ou "Cobertos", da freguesia de Lanhoso, do concelho da Póvoa de Lanhoso, cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito do Ambiente objecto da defesa e actividade da recorrente, e do direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado de que os representados pela ora recorrente são legítimos titulares. 21. Incumbindo ao Estado prevenir e controlar a poluição, situação a que a douta decisão não deu acolhimento, violou esta o disposto no nº 2, alínea a), do artigo 66º da C.R.P. 22. A douta decisão que indeferiu a providência cautelar, para além daqueles normativos legais e constitucionais, violou ainda o disposto no artigo 381º do Código de Processo Civil, o disposto nos artigos 70º e 349º do Código Civil, o preceituado no artigo 12º, nº 1, da Lei nº 83/95, de 31.08 e, bem assim, o disposto nos artigos 2º, 3º, als. a) e b), 5º, 10º, 11º, 14º, nº 4 do artigo 24º, 26º, 30º, 40º, nº 4, da Lei nº 11/87, de 7 de Abril, o nº 2 do artigo 4º do Dec.-Lei nº 310/95, de 20.11 (que operou a transposição para a ordem jurídica interna portuguesa das Directivas 91/156/CEE e 91/689/CEE, ambas do Conselho), o disposto no nº 1 do artigo 130-S do Tratado da União Europeia, o nº 1 do artigo 30º da Lei nº 11/87, de 11.04, as normas constantes da Directiva 75/442/CEE, do Conselho, de...

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