Acórdão nº 96A737 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Janeiro de 1997

Magistrado ResponsávelTORRES PAULO
Data da Resolução28 de Janeiro de 1997
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- No 3. Juízo Cível de Oeiras A, casada, frente a mandado de despejo relativamente à casa de morada de família, onde vive com o executado, seu marido, deduziu embargos de terceiro, por não ter intervido na respectiva acção de despejo. Houve oposição à dedução dos embargos, dado que a embargante não outorgou o contrato de arrendamento discutido na acção de despejo, não se lhe tendo comunicado a posição de arrendatária, sendo ainda certo que o artigo único da Lei n. 35/81, de 27 de Agosto, não atribui ao cônjuge não arrendatário qualquer direito de natureza substantiva. Por sentença os embargos foram julgados improcedentes. Em apelação o douto Acórdão da Relação de Lisboa - folhas 170 a 175 - confirmou o decidido. 2- Daí a presente revista. A embargante recorrente nas suas alegações conclui, em resumo: a) Para a recorrente, que não foi demandada na acção de despejo, como devia ser para a decisão lhe ser oponível - Lei n. 35/81 ao instituir um litisconsórcio necessário passivo de ambos os cônjuges - o arrendamento de casa de morada de família continua a subsistir. b) A recorrente tem um direito subjectivo a fazer valer os poderes de gozo e uso inerente a esse arrendamento iguais aos conferidos ao próprio cônjuge arrendatário. Em contra alegação os embargados pugnam pela bondade do decidido, estibando-se no carácter excepcional do n. 2 do artigo 1037 do CPC. 3- Colhidos os vistos, cumpre decidir. 4- Está provado pela Relação: a) B, por contrato de 1 de Abril de 1969 cedeu a C o uso e fruição para habitação do prédio urbano designado por M-3-A, sito na Rua ..., em Laveiros, freguesia de Paço de Arcos, concelho de Oeiras, mediante a contrapartida monetária mensal de 2200 escudos b) C e A casaram um com o outro em 22 de Junho de 1969 c) A partir de 22 de Junho de 1969 e até hoje a embargante e o C fazem naquele prédio o centro da sua vida doméstica, aí dormindo todos os dias, aí tomando as suas refeições e aí recebendo amigos e familiares ininterruptamente. d) B instaurou acção de despejo contra o C, sendo então, na altura, aquela dona e senhoria do prédio convertido e) Na referida acção veio a ser proferida, em 3 de Outubro de 1985, sentença a julgar procedente e provada tal acção e o Réu condenado a despejar o aludido prédio, vindo depois tal decisão a ser confirmada por Acórdão da Relação de Lisboa de 24 de Novembro de 1987 f) A referida B instaurou execução da referida sentença contra o C e tendo aquela falecido na sua pendência vieram os ora apelados no competente incidente a ser habilitados a intervir em tal processo executivo na qualidade de sucessores da exequente g) Transitado em julgado o Acórdão de 24 de Novembro de 1987 e instaurada a aludida execução foi passado o competente mandado de despejo, que viria a dar origem aos presentes embargos de terceiro. 5- Discute-se tão somente se em execução de mandado de despejo - artigo 59 do R.A.U. - o cônjuge não accionado na respectiva acção de despejo, onde não se levantou qualquer questão sobre ilegitimidade - pode ou não deduzir embargos de terceiro contra tal execução. É problema largamente controverso na doutrina e na jurisprudência, embora a do Supremo Tribunal de Justiça apoie a tese defendida pelas instâncias. A dificuldade reside nuclearmente no facto de não haver disposição legal que contemple tal situação. Assim por desnecessidade de interpretação de norma, há que surpreender o sistema. O douto Acórdão recorrido ao confirmar a sentença que julgou improcedentes os embargos sentiu que "pode ser, eventualmente imoral e injusta tal solução jurídica, no entanto e nos termos do n. 2 do artigo 8 do Código Civil o juiz não deve eximir-se, ao cumprimento da lei com tais fundamentos" - fls. 175. Só que outra poderia e deveria ter sido a decisão. 6- É o que vamos procurar demonstrar ainda e sempre dentro do sistema. A acção de despejo referida foi intentada só contra o arrendatário C, pessoa que outorgou o respectivo contrato de arrendamento, quando ainda era solteiro, mas que já estava casado com a ora embargante no momento em que ali foi accionado. A embargante nunca teve intervenção naquela acção de despejo. Ficou de fora daquele quadro mínimo de requisitos, girando em volta da relação processual, a ser conhecido pelo tribunal por forma a ulteriormente poder habilitá-lo a conhecer a relação jurídica substantiva em questão. É sabido que muito se discutiu na vigência do Código de Processo Civil, actualizado em 1995, se a falta, no caso em apreço, da mulher do arrendatário, se situaria a nível da capacidade ou da legitimidade. "A capacidade é um modo de ser ou qualidade do sujeito em si. A legitimidade supõe uma relação entre o sujeito e o conteúdo do acto e, por isso, é antes um modo de ser para com os outros" - Prof. M. Pinto, Teoria Geral, Pág. 255. Ali o sujeito é considerado menos apto ou até inapto e nesta natural deficiência está a ratio da protecção do seu próprio interesse. Aqui, na legitimidade, o sujeito é plenamente apto, mas a tutela de interesse alheio impõe o chamamento do seu titular. A casa de morada da família recebeu protecção com a Reforma de 77 com a introdução no Código Civil dos artigos 1682-A n. 2; 1682-B; 1775; 1778; 1793; 2103-A e 2103-C. Procurou-se a defesa do direito à habitação do cônjuge e respectivo agregado familiar, em projecção ao princípio constitucional vasado no artigo 65. Interligando-o à ideia de família fundada no princípio da igualdade entre os cônjuges e com direito à protecção da sociedade e do Estado - artigo 65, 36 n. 3 e 67. Pena é que tenham sido factores políticos e económicos que ocasionalmente tenham adaptado a nossa legislação aos padrões constitucionais. Impõe-se uma estabilidade jurídica que encerre em si equilíbrio e...

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