Acórdão nº 076178 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Maio de 1994
Magistrado Responsável | RAÚL MATEUS |
Data da Resolução | 26 de Maio de 1994 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 - AA e mulher, BB, ao abrigo do disposto no artigo 763.º do Código de Processo Civil (CPC), recorreram para o tribunal pleno do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 1987, proferido nos autos de recurso de agravo em 2.ª instância com o n.º 75239, e certificado a fls. 8-9.
Invocaram, para tanto, a manifesta oposição deste aresto, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, com anterior Acórdão do Supremo de 18 de Novembro de 1958, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 81, pp. 426-430.
Admitido liminarmente o recurso pelo conselheiro relator, veio depois, em pleno da Secção, a entender-se que, in casu, concorriam os requisitos exigidos pelo artigo 763.º, n.º 1, do CPC, e, por isso mesmo, a determinar-se que o recurso seguisse os ulteriores termos.
Os recorrentes, nas alegações, pugnaram pela prolação de assento que declarasse que a especificação, a partir do momento em que não pudesse já ser objecto de reclamações ou de recurso, valeria como caso julgado formal (assento que, nesse caso, secundaria a posição adoptada pelo acórdão fundamento). A recorrida, nas contra-alegações, e por seu lado, argumentou que, a entender-se que existe efectivamente a apontada oposição, ao nível decisório, entre os dois arestos, então o assento a tirar deveria exprimir doutrina diametralmente oposta (a doutrina que fora acolhida no acórdão recorrido).
O Ministério Público, em bem elaborado parecer, propendeu para a formulação do seguinte assento: A especificação e o questionário, transitados, não conduzem a caso julgado formal que obste à sua justificada alteração em fase posterior do processo.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2 - Reexaminado, a coberto do preceituado no artigo 766.º, n.º 1, do CPC, a questão já apreciada no acórdão do pleno da Secção (questão de admissibilidade do presente recurso), dir-se-á, e muito brevemente, o seguinte: Verificam-se, na verdade, os requisitos impostos pelo artigo 763.º do CPC; Mesmo o requisito que, à partida e quanto à sua existência, poderia suscitar algumas interrogações (o de a oposição de julgados se registar no domínio da mesma legislação) mostra-se efectivamente preenchido, e isto, basicamente, pelos seguintes motivos: a) A «mesma legislação» a que se refere o artigo 763.º, n.º 1, do CPC - v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1991, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 407, p. 413 - não tem uma significação formal, mas antes substancial, podendo, assim, os acórdãos em colisão ser proferidos no domínio de diplomas legais distintos; ponto é que, não obstante isso, a normação de que arrancam para dar solução (divergente) à mesma questão fundamental de direito seja materialmente idêntica («pode até a disposição», escreve Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, reimpressão de 1989, p. 121, nota «não ter transitado ipsis verbis, desde que as alterações sejam irrelevantes»); b) No caso em exame, o acórdão fundamento veio à luz na vigência do Código de 1939 e o acórdão recorrido foi tirado na vigência do Código de 1961; no entanto, e sem embargo disso, as disposições daquele primeiro Código a serem chamadas particularmente à colação, e para o caso, haverão de ser as dos artigos 515.º, 659.º, segunda parte, 672.º, segunda parte, 722.º, § 2.º, e 729.º, segunda parte, normativos a que vieram corresponder naquele segundo Código, respectivamente - e com as alterações irrelevantes quanto à regulação da questão fundamental de direito em causa -, as dos artigos 511.º, 659.º, n.º 2, 672.º, 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2 (note-se ainda que, apesar das alterações, medio tempore, introduzidas nestes artigos 511.º e 659.º, n.º 2, do Código de 1961 pelo Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de Julho, apesar disso, a regulação daquela questão manteve-se nos seus traços essenciais).
Resolvida assim, e de modo definitivo, a questão da admissibilidade do recurso para o tribunal pleno, impõe-se que se passe agora a averiguar os termos em que, à luz do quadro normativo a que precedentemente se fez referência, deverá o conflito jurisprudencial ser resolvido - e ser resolvido, nos termos dos artigos 2.º do Código Civil (CC) e 768.º, n.º 3, do CPC, com fixação de doutrina interpretativa com força obrigatória.
3 - Antes de mais, importa delimitar com rigor os termos desse mesmo conflito jurisprudencial.
No acórdão fundamento, entendeu-se, é certo, que «a peça especificação-questionário constitui um despacho sujeito a reclamação, cuja decisão é passível de recurso, e de toda essa disciplina processual decorre, em curial corolário que, não sendo tal despacho atacado pelas partes oportunamente, já o não pode ser na sequência do processo». No entanto, e no plano do recurso de revista então em apreciação, não estava em causa, e de modo algum, o questionário. Mas tão-somente uma alínea da especificação, a alínea a), onde se dera por assente que o autor da acção era filho ilegítimo da F. (sua mãe). E, assim, em tal acórdão, a questão fundamental de direito que em concreto efectivamente se veio a decidir teve apenas a ver com a especificação. De facto, aplicando de imediato ao caso o entendimento acima transcrito (que se referia também ao questionário), decidiu-se, nesse mesmo acórdão, que o conteúdo de tal alínea a) fora ilegitimamente alterado pela Relação, que, desse modo, ofendera o caso julgado que, quanto a ela, se formara.
Já no acórdão recorrido se tomou efectivamente, e em relação com o concernente caso sub judice, uma decisão concreta mais ampla, que veio a abarcar a especificação e as respostas ao questionário. Estava então em causa, na moldura do recurso de agravo interposto, o acórdão da Relação, que, na óptica dos recorrentes, não respeitara, «em parte, a matéria de facto, quer a especificada quer a constante das respostas aos quesitos». Ora, no...
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