Acórdão nº 084118 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Janeiro de 1994

Magistrado ResponsávelCARDONA FERREIRA
Data da Resolução26 de Janeiro de 1994
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em sessão plenária, no Supremo Tribunal de Justiça: I - AA recorre, com base no artigo 763.º do Código de Processo Civil, para o pleno deste Supremo do Acórdão deste mesmo Tribunal de 10 de Novembro de 1992, proferido no processo n.º 82295, em recurso de revista, em que era recorrido BB.

A recorrente invoca, como fundamento, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Fevereiro de 1983, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 324, pp. 584 e seguintes, e Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 117.º, pp. 61 e seguintes, e baseia-se em que, no domínio da mesma legislação, acerca da mesma questão fundamental de direito este Supremo assumiu soluções opostas: tratar-se-ia de saber, a propósito e no âmbito da acção de divórcio, se, saindo um dos cônjuges de casa onde ambos habitavam, o que fica e propõe acção de divórcio tem, para além daquele facto, ónus de prova de culpa do réu, ou se, pelo contrário, o que saiu tem ónus de prova de que agiu sem culpa.

Em 15 de Junho, próximo passado, a 1.ª Secção deste Supremo proferiu, por unanimidade, o Acórdão a fls. 35 e 36, nos termos do artigo 766.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, no sentido de que existe a oposição que serve de base a este recurso, que, assim, mandou prosseguir.

A recorrente apresentou subsequentes alegações, concluindo (fls. 39 e seguintes): A) Ao contraírem casamento entre si, com vista à formação de uma comunhão plena da vida, nos termos do artigo 1577.º do Código Civil, os cônjuges ficam reciprocamente vinculados aos deveres conjugais, designadamente ao de coabitação, sendo normal que os cônjuges vivam um com o outro, adoptando a residência de família previamente fixada; B) Nos presentes autos, foi dado como provado que, após o casamento, autora e réu foram viver com os pais da primeira para Taboeira, Cantanhede, ou seja, que o lar conjugal foi fixado em casa dos sogros do recorrido, nada permitindo contrariar tal conclusão; C) O pedido de divórcio só pode proceder se se verificarem os diferentes requisitos do artigo 1799.º, n.º 1, do Código Civil, isto é: violação dos deveres conjugais culposa grave ou reiterada que comprometa a possibilidade de vida em comum; D) Foi dado como provado que o réu saiu, no dia de Páscoa de 1989, de casa dos sogros, onde vivia com a autora, e que, após essa data, lá não voltou; E) Assim, ao sair da residência previamente fixada, o recorrido não só violou o dever conjugal de coabitação como comprometeu definitivamente, a possibilidade de vida em comum, dado que não voltou àquela residência decorridos que estão mais de quatro anos, tendo, assim, eliminado qualquer convivência em comum; F) Antes de analisarmos a problemática da culpa importa, enquanto questão prévia, assentar que o casamento assume a natureza de contrato, pois resulta de duas declarações de vontade livremente expressas, contrapostas mas harmonizáveis, emitidas pelos nubentes, de quererem casar um com o outro; G) Nem a intervenção do Estado na respectiva celebração através da figura do oficial público, à semelhança do que acontece com o notário na outorga de escritura pública, afasta tal natureza jurídica do casamento, de acordo com o artigo 189.º, n.º 2, do Código do Registo Civil, o Estado não é parte no acto matrimonial, sendo testemunhal e proclamatória a intervenção do oficial público na sua realização; H) Nem a pré-fixação legal dos efeitos fundamentais do casamento altera tal natureza contratual, pois a sujeição a efeitos previamente fixados na lei verifica-se nos mais diversos tipos de contratos, designadamente o arrendamento, cujos direitos e obrigações dos contraentes, à semelhança do que acontece com o casamento, se prolongam e sofrem mutações legais no tempo sem que, por isso, deixe o mesmo de assumir natureza contratual; I) Ora, sendo o casamento um contrato, encontra-se sujeito ao regime jurídico do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, relativamente à prova da culpa no incumprimento contratual; J) Assim, é ao cônjuge infractor do dever conjugal, designadamente de coabitação, que cabe o ónus de demonstrar que agiu sem culpa, sob pena de, verificando-se os demais requisitos exigidos pelo artigo 1779.º, n.º 1, do Código Civil, dados como provados nos autos, se ter de dar como assente a culpa e, dessa forma, por reunião de todos os pressupostos, decretar-se o divórcio peticionado; L) Nem este entendimento comporta qualquer desrespeito pelo artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, cuja aplicação é aqui afastada pelo artigo 344.º, n.º 1, do mesmo diploma, já que, havendo presunção de culpa, esta tem de ser acatada; M) Mas ainda por outro fundamento, designadamente o artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, o divórcio deveria ter sido concedido; N) Na verdade, da aplicação desta norma resulta que é ao cônjuge que sai de casa que incumbe fazer a prova de circunstâncias justificativas da sua conduta violadora dos deveres conjugais, tornando este insusceptível de qualquer censura ou reprovação, na medida em tal facto é impeditivo do direito ao divórcio por parte do outro cônjuge, demonstração que, não logrando ser feita, deverá ter como consequência o divórcio peticionado; O) E a conclusão é ainda esta se atentarmos em que a prova de que o cônjuge infractor dos deveres conjugais actuou sem culpa se apresenta como demonstração da realidade de facto negativo, cuja prova é de muito maior dificuldade do que a de factos positivos, o que decorre do artigo 343.º, n.º 1, do Código Civil no que respeita às acções de declaração negativa, devendo assim, também sob esta perspectiva, o ónus da prova de inexistência de culpa por parte do cônjuge infractor recair sobre este e não sobre o outro; P) Assim, não tendo o recorrido, cônjuge infractor do dever conjugal de coabitação, ilidido a presunção de culpa que sobre ele legalmente recaía, nem tão-pouco provado factos impeditivos do direito ao divórcio da requerente, que, por seu lado, provou todos os demais requisitos do mesmo direito, previstos no artigo 1779.º, n.º 1, do Código Civil, o douto acórdão recorrido deveria ter declarado dissolvido, por divórcio, o casamento entre a recorrente e o recorrido, pelo que deve o mesmo ser revogado e substituído por decisão nesse sentido, dado encontrarem-se violados, entre outros, os artigos 1577.º, 799.º, n.º 1, 342.º, n.º 2, e 344.º, n.º 1, do Código Civil, fixando-se, para tanto, assento que fixe a seguinte doutrina: o casamento não deixa de ser um contrato, à luz do artigo 1577.º do Código Civil; sendo um contrato, deve considerar-se submetido ao regime do artigo 799.º do Código Civil relativamente à prova da culpa; dado tratar-se de facto impeditivo do direito ao divórcio, é ao réu que incumbe fazer a prova de que, em face das circunstâncias verificadas, a sua conduta não é reprovável; porque a prova de factos negativos reveste sérias dificuldades, é mais curial que se faça incidir sobre o cônjuge infractor o ónus da prova da inexistência de culpa da sua parte.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público apresentou o douto parecer a fls. 47 e seguintes, terminando por propor a confirmação do acórdão recorrido e a formulação de assento onde se diga: O abandono do lar conjugal só fundamenta o divórcio quando não seja imputável ao abandonado, competindo a este, quando o invoca, a prova da exclusão de culpa sua.

Foram proporcionados vistos a todos os Exmos. Conselheiros deste Supremo. II - Visto o disposto no artigo 766.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, ao tribunal pleno compete reapreciar, sendo caso disso, oficiosamente, a questão prévia da existência da oposição de acórdãos.

Contudo, não valerá a pena dizer muito acerca desta questão. Em rigor e ao contrário do que uma leitura apressada da lei poderia fazer crer, nem seria indispensável que, aqui e agora, algo explicitássemos sobre a existência de oposição de acórdãos.

Com efeito, o que a lei (n.º 3 do artigo 766.º do Código de Processo Civil) diz é que o acórdão da Secção a tal respeito não impede que o pleno decida em sentido contrário; o que vale por dizer que pode não fazer, necessariamente, caso julgado sequer formal.

Mas isto só significa que o pleno pode pronunciar-se em sentido contrário e fazê-lo oficiosamente; não significativa que o pleno tenha de abordar a questão para...

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