Acórdão nº 075346 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Fevereiro de 1993

Magistrado ResponsávelAUGUSTO MARTINS
Data da Resolução02 de Fevereiro de 1993
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no pleno do Supremo Tribunal de Justiça: AA e esposa, BB, recorreram para o pleno deste Tribunal com fundamento em oposição entre os Acórdãos deste mesmo Tribunal de 24 de Novembro de 1987, proferido no processo n.º 75346, 1.ª Secção, e de 10 de Fevereiro de 1983, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 324, a pp. 561 e segs. Reconhecida a existência da invocada oposição, o recurso prosseguiu. Nas suas alegações, os recorrentes pedem que se revogue o acórdão impugnado e se lavre assento no sentido de que «o direito de preferência concedido ao arrendatário pelo artigo 29.º de Lei n.º 76/77, de 29 de Setembro (Lei do Arrendamento Rural), não abrange a venda de quota do prédio, regendo, em tal caso, o artigo 1409.º, n.º 1, do Código Civil». Os recorridos, após defenderem que não há oposição relevante, por não serem iguais as situações de facto que serviam de pressuposto às decisões tomadas, sustentam que, sendo diferente o entendimento do Tribunal, deve ser negado provimento ao recurso e firmado assento que declare que, «na compra e venda de quota de prédio rústico arrendado, o arrendatário rural tem, nos termos do disposto no artigo 27.º da Lei n.º 76/77, de 29 de Setembro, direito de preferência em relação a terceiro não arrendatário». O Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se pela confirmação do acórdão recorrido e pela solução do conflito de jurisprudência através de assento com a seguinte formulação: O direito de preferência concedido ao arrendatário pelo artigo 29.º da Lei n.º 76/77, de 29 de Setembro (Lei do Arrendamento Rural), abrange a venda de quotas do prédio. Cumpre decidir. O tribunal pleno não está vinculado à decisão preliminar da secção, como expressamente dispõe o n.º 3 do artigo 766.º do Código de Processo Civil; há, pois, que reexaminar a questão com o fim de se decidir se se verificam os pressupostos que condicionam o conhecimento do objecto do recurso. Ora, fazendo o seu reexame, concluímos que são idênticas as situações de facto apreciadas nos dois acórdãos que se dizem em oposição, pois trata-se, em qualquer dos casos, da venda de quota ideal de prédio rústico, dado de arrendamento rural, a pessoa diferente do arrendatário e relativamente à qual este pretende exercer o direito de preferência. Com efeito, no Acórdão de 10 de Fevereiro de 1983, com o qual se invoca a oposição, cuidou-se do caso da venda de seis décimas partes indivisas de um prédio rústico, de que os autores eram arrendatários, feita pelo seu dono a terceiro, não arrendatário desse prédio, por escritura pública de 2 de Novembro de 1977; e no Acórdão de 24 de Novembro de 1987 foi versada a preferência na venda do direito a metade de um prédio rústico feita pelo proprietário, por escritura pública de 29 de Setembro de 1979, a pessoa diferente do respectivo arrendatário rural. Não obstante esta identidade de situações de facto, no acórdão-fundamento foi negado ao arrendatário o direito de preferência, enquanto no acórdão recorrido foi-lhe reconhecido esse direito. Adoptaram, pois, soluções clara e diametralmente opostas relativamente à mesma questão fundamental de direito, não tendo havido, durante o intervalo de publicação dos dois acórdãos, qualquer modificação legislativa a interferir, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida; os dois arestos foram proferidos em processos diferentes e presume-se o trânsito em julgado do acórdão anterior. É assim de reconhecer a oposição entre os mencionados acórdãos, proferidos no domínio da mesma legislação (Lei n.º 76/77, de 29 de Setembro), relativamente à mesma questão fundamental de direito, pelo que se considera justificado o recurso para o tribunal pleno, passando-se a conhecer do seu objecto. Segundo o artigo 29.º, n.º 1, da Lei n.º 76/77, de 29 de Setembro, com base no qual foram proferidos os acórdãos em oposição: No caso da venda ou dação em cumprimento de prédios objecto de arrendamento rural, têm direito de preferência, em primeiro lugar, os respectivos arrendatários. De que lado estará afinal a boa doutrina? Do lado do acórdão recorrido ou do lado do acórdão-fundamento? Por outras palavras: o direito de preferência concedido ao arrendatário rural não abrange a venda de quota ideal do prédio, mas apenas a venda de todo o imóvel? Ou abrange também a venda de quota ideal? No primeiro sentido, para além do acórdão-fundamento, pronunciou-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 14 de Outubro de 1980 (Colectânea de Jurisprudência, ano V, t. 3, p. 30). E no segundo, além do acórdão recorrido, decidiram os Acórdãos da Relação de Coimbra de 15 de Março de 1983 (sumariado no Boletim, n.º 326, p. 534) e do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Janeiro de 1984 (Boletim, n.º 333, p. 428). Propendemos afoitamente para a solução adoptada no Acórdão de 24 de Novembro de 1987. Vejamos os fundamentos do Acórdão de 10 de Fevereiro de 1983, segundo a descrição feita por Antunes Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 119.º, p. 382: a) Letra do texto - o artigo 29.º da Lei n.º 76/77 refere-se à venda de prédios, e não de quotas de prédios; b) Natureza da norma - o carácter excepcional do direito de preferência não premite a sua aplicação analógica a casos não previstos na lei; c) História do preceito - o confronto do artigo 29.º da Lei n.º 76/77 com o artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 201/75 revela que o novo diploma omitiu deliberadamente a referência à transmissão «de quota ideal de prédio indiviso», para não conceder o direito de preferência ao arrendatário nesse caso. Ideia confirmada pelo facto de a nova lei ter eliminado a doutrina proclamada na parte final do n.º 1 do artigo 25.º do diploma anterior - segundo a qual a preferência do arrendatário rural cedia em face do direito de preferência do co-herdeiro e do comproprietário. A cedência deixou de ter lugar precisamente porque deixou de existir o direito de preferência do arrendatário no caso de venda ou dação em cumprimento de «quota ideal do prédio indiviso»; d) Espírito da lei - o direito de preferência visa, no caso do arrendamento rural, eliminar a relação senhorio-arrendatário. E esse objectivo não é, no caso, alcançado com a solução aceite pelas instâncias. O arrendatário tornar-se-ia comproprietário do imóvel, em 6/10 dele, mas continuaria como arrendatário em relação aos 4/10 restantes. Como acentua aquele mestre, nenhum dos argumentos se revela convincente. O texto da disposição legal exerce, sem dúvida nenhuma, uma dupla influência, muito importante, na fixação do sentido da respectiva norma. Por um lado, todos sabem que a norma não pode valer com um sentido que não encontre um mínimo bastante de correspondência no invólucro verbal da respectiva disposição (artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil). Por outro lado, é certo também que o sentido que melhor corresponda...

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