Acórdão nº 072164 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Maio de 1989

Magistrado ResponsávelMENERES PIMENTEL
Data da Resolução10 de Maio de 1989
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (STJ): I - Relatorio 1 - A e mulher, recorreram para o tribunal pleno do Acordão do STJ de 26 de Janeiro de 1984 (folhas 7 a folhas 22), para o que alegaram estar o mesmo em contradição com o de 21 de Dezembro de 1982 (tambem do STJ), publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 322, paginas 333 e seguintes. E esta oposição incidiria sobre a mesma questão fundamental de direito, pois ambos decidiram acerca da nulidade (ou não) do titulo constitutivo da propriedade horizontal quando este violar ou infringir o projecto aprovado pela camara municipal quanto ao destino das partes componentes do predio urbano.

Assim, o acordão recorrido decidiu que a referida violação acarretava a nulidade parcial do titulo em causa por aplicação dos artigos 292 e 294 do Codigo Civil (CC), enquanto o acordão-fundamento optou por tese oposta, uma vez que so importava nulidade do titulo a falta neste dos requisitos legais mencionados no artigo 1415 do mesmo Codigo Civil. 2 - O acordão a folhas 41 reconheceu a existencia dos pressupostos ou requisitos exigidos pelo artigo 763 do Codigo de Processo Civil (CPC), pelo que o recurso prosseguiu os seus termos. Então, os recorrentes apresentaram alegação, propondo a revogação do acordão e a consequente emissão de assento no sentido de não ser nulo o titulo constitutivo de propriedade horizontal quando nele seja dada a certa fracção ou fracções autonomas destino diferente do constante do projecto aprovado pela autarquia local. De opinião oposta e a recorrida (administração do Edificio Tagus). O Ministerio Publico (MP) pronunciou-se no sentido de não haver oposição de julgados, mas, se assim não se vier a entender, sustenta a manutenção do acordão impugnado, propondo este assento: O titulo constitutivo ou modificativo da propriedade horizontal e afectado por nulidade na parte em que infrinja os artigos 1415 ou 294 do Codigo Civil, este ultimo, nomeadamente, por violação de normas imperativas de interesse e ordem publica constantes do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU).

II - Discussão e fundamentação 1 - Importa reexaminar o problema de oposição relevante entre os dois acordãos, pois a lei assim o impõe (artigo 766, n. 3, do Codigo do Processo Civil) e, no caso concreto, quer o Ministerio Publico, quer a recorrida discordam do decidido sobre tal questão preliminar. Salvo o merecido respeito, neste aspecto não tem razão, pois ambos os arestos decidiram sobre as implicações juridicas resultantes da desconformidade (quanto ao destino de certa fracção autonoma) entre o projecto aprovado pela camara municipal e o titulo constitutivo da propriedade horizontal. Isto, por um lado. Por outro, o acordão-fundamento decidiu que, em tal caso, o titulo e totalmente valido, enquanto na decisão recorrida a conclusão foi a oposta, ou seja, a nulidade parcial daquele. Acresce que, no intervalo entre os dois acordãos, não foi proferida modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida. Finalmente, as situações de facto são identicas: no de 1982, o projecto camarario destinou a cave do imovel a estacionamento privativo dos inquilinos e o titulo afectou-a a armazem; no acordão recorrido, a decisão da camara destinou todo o predio a habitação e o titulo conferiu a uma das fracções (o res-do-chão) a utilização como atlier.

2 - Esta em causa saber qual a interpretação a dar ao artigo 1416, n. 1, do Codigo Civil, isto e, a expressão "falta de requisitos legalmente exigidos" abrange tão-so os enunciados no artigo 1415 do mesmo Codigo Civil (constituirem as fracções autonomas unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saida propria para uma parte comum ou para a via publica) ou tambem "os concretizados pelas competentes autoridades camararias, de acordo com as normas que regem as construções urbanas". Como decorrencia desta questão, importa saber qual a consequencia da nulidade, no caso, como e evidente, de esta existir.

3 - A solução contraria a do acordão recorrido (não atribuir, no plano da invalidade, qualquer consequencia a desconformidade entre o destino conferido a fracção autonoma pelo projecto aprovado pela camara municipal e o negocio juridico constitutivo da propriedade horizontal) tem de aceitar, pelo menos, a possibilidade de as autarquias locais ordenarem a demolição ou o embargo administrativo das obras executadas em desconformidade com o disposto nos artigos 1 a 7 do RGEU, aprovado pelo Decreto-Lei n. 38382, de 7 de Agosto de 1951, bem como o despejo sumario dos inquilinos e demais ocupantes das edificações ou parte das edificações utilizadas sem as respectivas licenças ou em contradição com elas, pois isto resulta do artigo 165 do citado RGEU (redacção do Decreto-Lei n. 44258, de 31 de Março de 1962).

Consequentemente, a tese oposta a do acordão recorrido consistiria, por um lado, no reconhecimento da validade do negocio juridico constitutivo da propriedade horizontal e, por outro, na permissão de a camara municipal sumariamente despejar o inquilino e ocupantes da fracção quando verificasse a desconformidade entre a utilização prevista naquele titulo e aquela que esta destinada para os diferentes compartimentos no projecto aprovado (artigo 6 do RGEU).

Esta chocante consequencia constitui o primeiro sinal de alarme para se tentar harmonizar o nosso sistema juridico, tanto mais que tal harmonia existe, quer com base no Codigo Civil, quer com fundamento noutras disposições legais. Com efeito, o artigo 13 do Decreto-Lei n. 148/81, de 4 de Junho (em vigor entre as datas dos dois acordãos e hoje revogado pelo artigo 51, n. 1, do Decreto-Lei n. 13/86, de 23 de Janeiro, mas com a sua doutrina mantida no artigo 44...

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