Acórdão nº 02259/08 de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelJOSÉ CORREIA
Data da Resolução04 de Março de 2008
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul: I.- RELATÓRIO F..., com os sinais identificadores dos autos, vem interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Lisboa, que julgou improcedente o recurso que interpusera ao agasalho dos artºs. 89º A, nºs 6, 7 e 8 da LGT e 146º B do CPPT, contra a fixação do rendimento tributável de IRS por métodos indirectos referente ao ano de 2004.

Em alegação, o recorrente formula conclusões que se apresentam do seguinte modo: "1.A sentença recorrida deve ser revogada.

  1. A questão decidenda prende-se com o uso, por banda da Administração Tributária, da faculdade de avaliar indirectamente a matéria tributável do contribuinte, relativa ao ano de 2004, nos termos do artigo 89e-A da LGT.

  2. No decurso da fase administrativa do processo, o recorrente, convidado a esclarecer o motivo pelo qual comprara uma fracção por 357.500,00€ sem ter declarado rendimentos no ano da compra, esclareceu, tal qual no anúncio, que "foi ao BES"! 4. Com efeito, não só resulta do texto da escritura de fls. 49 a 55 que a compra é (parcialmente) financiada pelo BES -Banco Espírito Santo - com a respectiva constituição de hipoteca a favor do Banco (note-se que a escritura pública se inscreve no rol de documentos que o Tribunal "a quo" considera como não impugnados!), e a confissão de dívida do recorrente, 5.Como o recorrente juntou documentos, a fls., que demonstram a existência do contrato de financiamento, o contrato nº 249000337.

  3. Assim, o recorrente demonstrou duas coisas: que recebeu do Banco 250.000,00€, destinados à compra de habitação, de acordo com as regras próprias do regime da concessão de crédito para compra de habitação própria e que tal importância foi adjudicada ao pagamento da fracção.

  4. Mesmo a Representante da Fazenda Pública não deixa de constatar, ainda que timidamente, que "Fica pois por provar como terão sido pagos 107.500,00€ do remanescente do preço de aquisição, acrescidos do montante pago a título de IMT" - vide resposta da Fazenda Pública, a fls. (sublinhado nosso) 8.Assim,é ostensivo que a Administração Tributária aceita que os 250,000,00€ mutuados junto do BES foram adjudicados à compra da habitação acima referida.

  5. De resto, a escritura pública não foi impugnada.

  6. Estranhamente, o Tribunal "a quo" não se dá por convencido de que o dinheiro emprestado pelo BES foi definitivamente adjudicado à compra do imóvel, isto é, que foi entregue à vendedora! 11.Face aos documentos juntos aos autos, é ostensivo que o imóvel foi comprado com recurso ao crédito bancário.

  7. Assim, em consonância com os documentos de fls. juntos aos autos -e com a própria "confissão" da Administração Fiscal, o Tribunal "a quo" deveria ter ido "mais longe" no ponto 2 da matéria de facto provada, dando por provado que o BES "concedeu um empréstimo ao recorrente (...) para a compra da habitação referida no ponto 1 da fundamentação, tendo esse empréstimo sido aplicado na compra da casa." 13.As reservas que o Tribunal "a quo" coloca ao destino desse dinheiro, entregue pelo BES, são perfeitamente descabidas, e inteiramente inaceitáveis! 14.Bastaria ao Tribunal recorrido ler atentamente o Ac. do TCA Sul, de 11.12.2007, proc. nº 02085/07, que cita, para perceber que a junção de cópia da escritura pública de compra e venda, com recurso a financiamento (ainda que parcial) bancário, tem a virtualidade de ilidir a presunção do artigo 89--A da LGT. - no mesmo sentido, mas de modo ainda mais impressivo, vide o Ac. do TCA Sul 5.07.2005, proc. nº 649/2005.

  8. No procedimento tributário (cfr. artigos 589 e 72° da LGT e 50º do CPPT) e no processo judicial tributário, vigora o princípio do inquisitório.

  9. Tanto o Tribunal quanto a Administração Fiscal se regem por princípios de boa-fé.

  10. O processo de impugnação da decisão proferida nos termos do artigo 89º-A da LGT é, por definição, um processo urgente (vide, nos 7 e 8 do preceito atrás referido), no qual apenas se pode produzir prova documental, e em prazos muito côngruos, no que corresponde a um modo necessariamente sumário de defesa de direitos.

  11. Prazos bem mais curtos do que aqueles de que beneficia a Administração para instruir o processo, ou o Tribunal para decidir (90 dias).

  12. Os factos em causa não são factos pessoais do recorrente, isto é, o Fisco tinha a possibilidade de, querendo, notificar o vendedor do imóvel, ou mesmo o BES.

  13. Igual possibilidade tinha o Tribunal.

  14. Nem um nem outro o fizeram, limitando-se o Tribunal a "sancionar" o contribuinte, invocando, convenientemente, a "falta de documentos" que, no fundo, comprovem "o destino do dinheiro".

  15. Ora, o Tribunal recorrido tinha a possibilidade, nos termos dos artigos 13º do CPPT, e 99- da LGT - leia-se, o dever, de ordenar, oficiosamente, as diligências de prova que entendesse necessárias à descoberta da verdade material! 23.Assim, é ilegítimo e inaceitável que o Tribunal decida contra o contribuinte por este não ter junto documentos que a Administração Fiscal poderia ter carreado para os autos, e que deliberadamente negligenciou.

  16. Documentos cuja junção poderia e deveria ter sido ordenada pelo Tribunal, se da parte deste houvesse dúvidas -como parecem existir! -, mas cuja junção não foi ordenada! 25.Assim, caso se entenda que as "reservas" do Tribunal são legítimas -no que toca ao "destino do dinheiro", e ao empréstimo bancário como fonte directa, ainda que parcial, do pagamento da compra do imóvel-, terá de se concluir que a actividade instrutória conduzida no processo é insuficiente, com prejuízo grave para o contribuinte.

  17. Não havendo outro remédio que não ordenar a baixa do processo, nos termos do artigo 712º, nº 4, do CPC, para ampliação da matéria de facto.

  18. O que se requer.

  19. E sem prescindir ou conceder, mas para a hipótese académica do Tribunal de recurso entender que a Administração Tributária agiu como pessoa de bem, e que o Tribunal cumpriu os seus deveres de ofício de "descoberta da verdade", 29.Então desde já se requer a V. Exªs se dignem admitir a junção de 1 documento, a cópia do cheque emitido pelo BES, e destinado à sociedade vendedora do imóvel, documento que se juntará, e se dá por integralmente reproduzido como doc. 1.

  20. Com efeito, 31.Dado o prazo apertado de que o recorrente dispunha para reagir à decisão administrativa - 10 dias -, e os termos escorreitos que devem presidir ao recurso (cfr. artigo 89º-A, ns. 7 e 8) não foi possível obter junto do BES a cópia do referido cheque.

  21. Por esse motivo, R. agora a junção do referido documento, nos termos dos artigos 524º, nº 1 e 706º do CPC, aplicáveis por força do artigo 2º, e) do CPPT.

  22. Note-se que, em qualquer caso, a junção desse documento, nesta fase, se torna necessária pelo modo como é redigida a sentença, e pelo modo como se formou a convicção decisória.

  23. Com efeito, atentas as regras da experiência, e os documentos juntos (de novo aludimos ao Ac. do TCA Sul acima indicado), tendo-se consignado, na escritura, a existência de um mútuo para habitação, dúvidas não haveria de que a fonte do "rendimento" foi o empréstimo.

  24. Assim, só a "inusitada" posição do Tribunal recorrido torna útil, agora, a junção desse documento.

  25. Desse modo, em qualquer caso, e agora por subsídio do nº 2 do artigo 524º do CPC, sempre será de admitir a junção da cópia do referido cheque.

  26. Dessa forma obviando, em qualquer caso, à necessidade de ampliar a matéria de facto, face à omissão do Tribunal "a quo".

  27. Uma e outra solução apenas se justificam se o Tribunal "ad quem", atentos os documentos já juntos a fls., entender que não pode concluir que o empréstimo concedido pelo BES não serviu para a compra do imóvel em questão.

  28. Assim, deve, nos termos supra expostos, proceder-se à reforma da decisão sobre a matéria de facto.

  29. Visto isto, dúvidas não há de que o Tribunal - e a Administração Fiscal - fizeram um uso errado do mecanismo previsto no artigo 89º-A da LGT, em desconsideração ostensiva dos direitos do contribuinte e do princípio da substância, previsto no artigo 11º, nº 3, do mesmo diploma (nos termos infra).

  30. O recorrente, nos termos do nº 3 do artigo 89º-A da LGT, com a redacção conferida pela Lei nº 53-A/2006, de 29.12. esclareceu que o pagamento do preço do imóvel se fez, parcialmente, com o recurso ao crédito bancário, nos termos acima descritos.

  31. Com isso, o recorrente ilidiu a presunção de que possui um rendimento compatível com a manifestação de fortuna em causa (ou de evasão fiscal, mais concretamente), nos termos da tabela constante do nº 4 do artigo 89º-A da LGT.

  32. Ou melhor ilidiu na parte correspondente à quantia mutuada, ficando apenas por esclarecer o diferencial, como bem refere a Administração Tributária.

  33. Assim, só quanto ao diferencial é que pode operar a presunção a que se reporta o artigo 89º-A da LGT - isto é, quanto aos 107.500,00€.

  34. Ou seja, quanto à parte do preço cuja proveniência o recorrente não esclareceu.

  35. Ao partir da totalidade do preço, ignorando o mútuo, para achar a importância de 37.500,00€ de rendimento presumido (50% de 75.000,00€, os quais, por seu turno, correspondem a 20% do preço), a Administração Fiscal e o Tribunal violam a lei e o dito princípio da substância.

  36. Deve considerar-se que o preço da aquisição, deduzido o valor do empréstimo (devidamente justificado), não excede o montante previsto no nº 4 do artigo 89º-A (250.000,00€).

  37. Deste modo, nem sequer se coloca a questão da avaliação indirecta, devendo a sentença ser pura e simplesmente revogada.

  38. Com efeito, o valor "não justificado" é apenas de 107.500,00€.

  39. Tudo se passa como se o prédio adquirido apenas tivesse custado 107.500,00€, pois que esse é o valor "sem causa".

  40. Isto é, o valor relativamente ao qual não foi ilidida a presunção.

  41. Como é fácil de ver, um prédio desse valor está abaixo dos limites fixados pelo nº 4 do artigo 89º-A da LGT.

  42. Ou seja, não é suficiente para desencadear a avaliação indirecta.

  43. Logo, não se compreenderia que o...

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