Acórdão nº 00883/06.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelDr
Data da Resolução18 de Setembro de 2008
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO “S..., S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Braga, datada de 02/05/2007, que julgou aquele TAF incompetente em razão da matéria, absolvendo da instância os RR.

“MUNICÍPIO DE GUIMARÃES”, “E..., S.A.” e “C..., LD.ª”.

Formula a aqui recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 436 e segs.

- paginação processo SITAF tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário) as seguintes conclusões que se reproduzem: “...

1 - A realização de escavações e ancoragens provisórias nas paredes de contenção periférica, ao interceptarem as fundações do edifício das AA. provocaram danos, nomeadamente deformações no subsolo e nas paredes periféricas.

2 - As AA. por várias vezes avisaram por escrito o dono da obra e os empreiteiros da existência de danos graves, que foram ignorados tendo a CMG expressamente consentido no prosseguimento das obras.

3 - Foi feita a reclamação a que alude o artigo 225.º do DL 59/99 e atentas as posições assumidas as AA. intentaram esta acção no prazo imposto e neste Tribunal como determina o artigo 253.º desse diploma.

4 - Nenhum dos RR. suscitou a questão da incompetência deste Tribunal, tendo até a CMG reconhecido a sua legitimidade na forma posta em crise na douta sentença proferida, pois apenas alega terem os danos verificados origem na idade e estado de conservação do edifício das AA..

5 - A responsabilidade da CMG é desde logo alicerçada na concepção do projecto e na concordância expressa na continuação das obras origem dos danos sofridos.

6 - Foi a CMG quem definiu a tecnologia de contenção periférica e ancoragem provisória e que exigiu dos concorrentes apenas o dimensionamento dessa construção na forma projectada e o seu custo (Acórdãos proferidos nos recursos 45489, 46388 e 37064).

7 - A CMG é ainda responsável perante as AA. pela garantia do interesse público, do bem-estar das populações e que dela não fica desobrigada pelo facto das obras terem sido executadas na sequência de um contrato de empreitada (Acórdão do STA 074 de 19/10/04).

8 - A CMG tem interesse directo em contraditar nos termos do artigo 26.º do CPC porque a responsabilidade dos empreiteiros é limitada quando os erros e vícios de concepção e execução hajam resultado de obediência à concordância expressa na continuação das obras.

9 - Aliás a responsabilidade da CMG sempre existiria pela aplicação directa das relações comitente/comissário definidas no artigo 500.º do CC.

10 - Os factos alegados imputáveis à CMG não se esgotam nos artigos 45 e 46 da p.i., mas sim nos articulados oferecidos e documentos anexos nos termos dos artigos 272.º, 273.º e 498.º do CPC.

11 - A douta sentença proferida violou o disposto nos artigos 36.º, 37.º, 38.º, 225.º, 253.º do DL 59/99, 500.º do CC, 272.º, 273.º, 498.º do CPC, e 4.º do ETAF …”.

Os RR., aqui ora recorridos, uma vez notificados não apresentaram contra-alegações (cfr. fls. 451 e segs.).

O Ministério Público (MºPº) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA não emitiu qualquer pronúncia (cfr. fls. 476 e segs.

- paginação processo em suporte físico).

Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

  1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”, pelo que os recursos jurisdicionais são “recursos de ‘reexame’ e não meros recurso de ‘revisão’” (cfr. J.C. Vieira de Andrade in: “A Justiça Administrativa (Lições)”, 8.ª edição, págs. 459 e segs.

    ; M. Aroso de Almeida e C.A. Fernandes Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2.ª edição revista, págs. 850 e 851, nota 1; Catarina Sarmento e Castro em “Organização e competência dos tribunais administrativos” - “Reforma da Justiça Administrativa” - in: “Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra - Stvdia ivridica 86”, págs. 69/71).

    As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida ao julgar verificada a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria e ao absolver os RR. da instância enferma de erro de julgamento, ofendendo o disposto nos arts. 36.º, 37.º, 38.º, 225.º e 253.º do DL n.º 59/99, 500.º do CC, 272.º, 273.º e 498.º do CPC e 04.º do ETAF [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].

  2. FUNDAMENTOS 3.1.

    DE FACTO Para a apreciação do objecto do presente recurso tem-se em conta o seguinte quadro factual: I) A A., aqui recorrente, e outra, interpuseram no TAF de Braga acção administrativa comum, sob a forma ordinária, contra os RR. “MUNICÍPIO DE GUIMARÃES”, “E..., S.A.” e “C,,,, LD.ª”, peticionando a condenação solidária dos mesmos a “… pagarem à Autora S... os prejuízos materiais e danos morais que se vierem a liquidar… em execução de sentença; … procederem à integral reparação do prédio de modo a repô-lo no estado em que se encontrava; ou em caso de incumprimento pagarem à S... a quantia que se liquidar em execução de sentença …”, pelos fundamentos vertidos no articulado inicial inserto a fls. 02 a 09 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido; II) Na contestação apresentada pelo co-R. “Município de Guimarães” foi deduzida defesa por excepção (incompetência material do TAF, ilegitimidade activa, ilegalidade pedido e coligação ilegal), tendo a co-R. “C..., Ld.ª” sustentado na sua contestação igualmente defesa por excepção (ilegitimidade activa) (cfr., respectivamente, fls. 103 e segs. e fls. 333 e segs. dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido); III) Conclusos os autos veio nos mesmos a ser proferida a decisão judicial ora objecto de recurso que parcialmente se reproduz: “… Da competência do tribunal: Está em causa um contrato de empreitada adjudicada pelo 1º réu às 2ª e 3ª rés.

    Põe-se a questão de saber se, num caso destes, a responsabilidade civil extracontratual, decorrente de danos alegadamente provocados pela execução da obra, pode ser assacada também ao dono da obra, ou deve sê-lo apenas às empreiteiras.

    No contrato de empreitada não se está no domínio das relações comitente-comissário, mesmo pela evidência de que, quem outorga, como dono da obra, um contrato deste tipo, é, normalmente, pessoa não habilitada a levá-la a cabo, não podendo, pois, falar-se, como naquelas relações, em encarregar alguém de alguma coisa que, em princípio, caberia ao dono da obra efectuar.

    Com a empreitada, o dono da obra visa um certo resultado (art. 1207.º do CC), sendo-lhe relativamente indiferente a forma de o alcançar, e não podendo, por outro lado, como parece evidente, e pese o direito de fiscalização que tem, dar ordens de natureza técnica ao empreiteiro, que é, justamente, suposto conhecer o modo correcto de levar a obra a bom termo.

    Reveste, assim, naturalidade que a responsabilidade por danos causados a terceiros pela deficiente execução da obra seja de assacar apenas ao empreiteiro - art. 483.º, 1 do CC.

    O STA, no seu douto Ac. 0736/03, de 1410.2003, in www.dgsi.pt, decidiu que: ”Não existe no regime do DL 405/93, de 10.12 (como já não existia no DL 235/84 de 184 nem no subsequente, do DL 59/99, de 02.04) um princípio geral de responsabilização do dono da obra decorrente dos prejuízos causados pelo empreiteiro no âmbito da execução do contrato. O que ali existe, é, em primeira linha, a responsabilização geral do empreiteiro (art. 38.º, n.º 1), cingindo-se a responsabilidade do dono da obra aos prejuízos provocados naqueles casos em que os vícios da mesma obra resultam de ordens ou instruções transmitidas pelo fiscal por aquele nomeado, ou quando hajam obtido a sua concordância expressa, e também daqueles outros em que tenha havido erros de concepção do projecto imputáveis ao dono da obra - art. 39.º (…) - é errado perspectivar a questão da responsabilidade do dono da obra à luz de qualquer outro regime jurídico, nomeadamente do que dimana do art. 1348.º do Cód. Civil (normativo que tem o seu campo primacial de aplicação no domínio das relações jurídico-privadas), bem como ao abrigo de qualquer outra figura jurídica, como v. g, o da comissão a que se refere o art. 500.º do Cód. Civil.” No mesmo sentido, podem ver-se os doutos acórdãos de 30-01-79, do STJ, in BMJ n.º 283, pág. 301, e de 21-01-77, do Tribunal da Relação do Porto, in BMJ n.º 265, pág. 280.

    O 1º réu é de opinião que falece competência ao tribunal.

    As autoras, louvando-se no disposto nos artigos 36.º e 37.º do DL 59/99, de 02-03, entendem o contrário.

    Vejamos: A responsabilidade assacada ao 1º réu está fundamentada nos artigos 45.º e 46.º da petição inicial.

    O fundamento constante do art. 45.º não colhe, visto que o regime dos ditos artigos 36.º e 37.º vai no sentido de excluir a responsabilidade solidária dos outorgantes do contrato de empreitada; segundo tais normativos, ela (responsabilidade) ou é do empreiteiro ou do dono da obra (ver n.º 2 do art. 36.º - A responsabilidade do empreiteiro cessa …, e n.º 1 do art. 37.º - … responderão o dono da obra ou o empreiteiro …).

    O fundamento levado ao art. 46.º não é enquadrável em qualquer previsão legal, como flui do exposto, notando-se que, em termos de fiscalização da obra, o dito art. 36.º, 2 responsabiliza o dono da obra quando o seu fiscal...

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