Acórdão nº 00043/04 de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Fevereiro de 2006

Data16 Fevereiro 2006
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: S.C.M. Ldª, recorre da sentença que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial que deduziu contra a liquidação adicional de IRC relativa aos exercícios de 1992 e 1993 e respectivos juros compensatórios.

Rematou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: 1ª A liquidação de IRC efectuada à recorrente, referente aos exercícios de 1992 e 1993, é ilegal, por errónea qualificação e exagerada quantificação da matéria tributável, além da falta de fundamentação legalmente exigida, como deveria ter sido reconhecido na douta sentença ora recorrida; 2ª Não há motivos para aplicação no caso “sub judice” de métodos indiciários e muito menos de “correcções técnicas”, de forma que nunca foi explicado pelo Fisco nas notificações enviadas, pois não é pelo facto de um fornecedor ser reconhecido (por quem? Com base em que critérios?) como “emitente habitual de papel falso” que logo se presumem falsas todas as transacções por ele efectuadas, sem se discutirem preços, quantidades, materiais concretos, obras a que se destinavam, etc; 3ª O acto tributário fundamenta-se assim em simples presunção de falsidade das facturas, sem qualquer substrato real; 4ª A Sovil era um fornecedor habitual da recorrente, tendo o rachão adquirido sido utilizado no pavilhão da Gavis, em Viseu, este construído em plano bastante elevado e nos centros de inspecção da Guarda, Ovar e Viseu (cfr. docs. 5 a 10), a cal da Casa Xavier foi utilizado no reboco dos centros de inspecção - vd. doc. 11 e os materiais (ferro, tijolos, etc.), constantes das facturas de Manuel Joaquim Conceição Morais, foram igualmente utilizados nas obras referidas, principalmente nas fossas dos centros de inspecção (cfr. docs. 12 a 17); 5ª Enfermando a sentença do mesmo vício grosseiro, ao não pretender conhecer a realidade da contribuinte e que plenamente justificou os fornecimentos adquiridos (o que mais uma vez se confirma nos documentos anexos, alguns já entregues com a impugnação, mas todos eles referenciados em 1ª Instância), ainda mais com quem já anteriormente tinha tido relações comerciais e não lhe oferecia dúvidas; 6ª A douta sentença não se pronunciando em todo o texto, sobre a factura do fornecedor Manuel João Conceição Morais, no montante de Esc. 6.807.500$00 ou € 33.955,67 e ao não considerar tal fornecedor como “emitente habitual de papel falso” ou outros argumentos (duvidosos ou no mínimo questionáveis), “a contrario” reconheceu tal factura como “verdadeira”, pelo que deveria ter procedido à respectiva correcção na proporção do IRC liquidado; 7ª A falta de inventariação do material, o facto de uma factura ter como data 31/12 ou de ter sido considerada paga por “caixa”, não é suficiente para considerar uma factura como «falsa», quando dos autos constam elementos comprovativos dos gastos de material subjacentes às mesmas; 8ª Além de que a falta de inventariação do material justifica-se pelo facto do material recebido ter sido considerado gasto nesse mesmo dia, sendo habitual o transbordo para outras obras (cfr. doc. 18, como exemplo), sob pena de fiscalmente ficar a contribuinte penalizada c/ excesso de inventário para o exercício seguinte; o facto de uma factura ter como data 31/12, justifica-se por respeitar a mesma a fornecimentos contínuos (vivia-se um período “louco” de trabalho), sem que tal signifique obrigatoriedade de emissão imediata da factura e o facto de terem as mesmas sido consideradas pagas por “caixa” (e não propriamente “em dinheiro”), justifica-se face à dificuldades financeiras da recorrente, com pagamentos pessoais comprovadamente assumidos pelo sócio-gerente, não é suficiente para considerar uma factura como «falsa»; 9ª Em súmula, além de várias lacunas e de sofrer assim de falta de fundamentação juridicamente válida, necessária e relevante, para poder justificar as suas próprias conclusões, a sentença violou o princípio da verdade material e da prevalência da substância sobre a forma, ao não reconhecer como verdadeiras as transacções efectuadas pela recorrente face à prova produzida e nada se pronunciando sobre os gastos efectivamente realizados pela empresa, repete-se, revela falta grave e incorrigível e deturpa por completo os rendimentos da recorrente, pois sem custos também não se podem verificar proveitos; 10ª A falta de fundamentação demonstra-se pela limitação da douta sentença recorrida a enunciar abstractamente as razões que considera válidas ou os conceitos como “emitente habitual” que utiliza para justificar as suas opções, por si só são insuficientes para determinar qualquer tipo de conclusão e por lacuna ou mesmo por deficiente esquematização, torna a sentença nula, pois conforme exige o art. 668º do Código de Processo Civil, por remissão do art. 2º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a sentença deve especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; 11ª Podendo e devendo o Tribunal sindicar os pressupostos de facto que justificaram o recurso ao método presuntivo para quantificação do imposto e tendo em seu poder elementos que provam em sentido contrário - cfr mais uma vez documentos anexos, sendo as fotografias, como se disse, os originais dos documentos juntos à impugnação e explicitadas em 1ª Instância pelas testemunhas, tal como os restantes; a sentença errou ao não dar como provados factos como a utilização dos materiais nas obras em causa; 12ª O que, em nosso entender, deverá agora ser dado como provado pelo Tribunal “ad quem”, conforme se poderá confirmar dos próprios autos, não se tendo assim o juiz “a quo” pronunciado sobre questões que deveria ter apreciado - cfr. art. 668º nº 1, alínea d) do C.P.C., por remissão do já referido art. 2º do C.P.T. e inerentes ao princípio do contraditório previsto em todo o acto tributário - cfr. art. 45º do C.P.P.T; 13ª E se ao Tribunal compete também controlar o apuramento da matéria colectável, estando vinculado à prova do excesso na respectiva quantificação consagrado pelo art. 74º da L.G.T., ao decidir-se como decidiu, foi violada a lei tributária; 14ª Motivos pelo que deverá a mesma ser plenamente revista e em consciência ser mandadas anular as liquidações adicionais de IRC, dos exercícios de 1992 e 1993, assim se fazendo JUSTIÇA.

* * * Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso por entender, em suma, que a sentença recorrida não merece censura.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

* * *Invocada que vem, pela recorrente, a nulidade da sentença (conclusões 10ª e 12ª), cumpre conhecer prioritariamente tal questão.

Na tese da recorrente, a sentença padece de falta de fundamentação de facto de direito que justifique a respectiva decisão, já que se limitou a enunciar abstractamente as razões que considera válidas e a enunciar conceitos genéricos como “emitente habitual de papel falso”, o que por si só não é suficiente para determinar qualquer tipo de conclusão (conclusão 10ª). E, por outro lado, padece de omissão de pronúncia em virtude de não ter ponderado e relevado todos os elementos probatórios constantes dos autos, designadamente o conjunto da prova testemunhal e documental produzida (conclusão 12ª).

Quanto à nulidade por omissão de pronúncia.

Como se sabe, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, prevista tanto no art. 125º do CPPT como no art. 668º alínea d) do CPC, está directamente relacionada com o comando fixado nº 2 do art. 660º do CPC, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

Daí que esta nulidade só se verifica quando o Tribunal omite a resolução das questões concretas cuja solução lhe é pedida pelas partes, e não quando deixa de apreciar argumentos, raciocínios, razões, considerações, fundamentos ou outros elementos carreados ou aduzidos pelas partes, embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença os pleiteantes.

Donde decorre, também, não existir omissão de pronúncia quando o Tribunal não pondera todos os elementos probatórios constantes dos autos nem considera todos os elementos factuais que a recorrente considera essenciais para a ilação jurídica que deles pretende extrair em abono da sua tese. Saber se determinados factos deviam ou não ter sido objecto de apreciação (para serem julgados provados ou não provados), é matéria que se coloca já no âmbito da validade substancial da sentença, que não no da sua validade formal.

Ou seja, o facto de a sentença não ter considerado todos os elementos probatórios constantes dos autos, designadamente o conjunto da prova testemunhal e documental produzida, nem considerado toda a factualidade que com ela se visava demonstrar, poderá constituir erro de julgamento, mas nunca omissão de pronúncia. Pelo que inexiste a apontada nulidade.

Quanto à nulidade por falta de fundamentação.

A doutrina e a jurisprudência são concordantes no sentido de que só uma ausência total e absoluta de fundamentação afecta o valor legal da sentença, provocando a sua nulidade, pelo que não ocorre essa nulidade quando a fundamentação é escassa, incompleta, deficiente ou errada – cfr. Prof. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol V, págs 139/140 e Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra, 1985, pág. 687.

Assim, uma coisa é falta absoluta de fundamentação e outra é a fundamentação medíocre ou errada. Só aquela fere de morte a sentença, tornando-a nula, enquanto esta afecta o seu valor doutrinal, fazendo-a correr o risco de ser revogado ou alterado em recurso.

Em suma, a deficiente ou não convincente motivação da sentença (seja no que toca aos fundamentos de facto seja no que toca aos fundamentos de direito) pode afectar o valor...

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