Acórdão nº 0491/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I - RELATÓRIO A..., com os sinais dos autos, interpõe recurso de revista para este STA, ao abrigo do artº 150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, que negou provimento ao recurso que o recorrente interpusera da sentença do Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou improcedente a presente acção administrativa especial, que o ora recorrente intentou contra a Ordem dos Médicos, pedindo a condenação desta a aceitar a sua inscrição no Colégio de Especialidade de Cirurgia Cardio-Torácica.

Termina as suas alegações, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1. O recurso de revista reveste natureza excepcional, só sendo de admitir nos casos previstos no nº 1 do artº 150º do CPTA. A questão a decidir prende-se com a interpretação das normas de direito internacional público e de como elas se harmonizam com o direito interno do Estado Português. Ou seja, como interpretar o Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta celebrado entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil.

  1. Está, assim, em causa saber se o Estado português cumpre com os tratados internacionais que assina, ou se pelo contrário, permite que na sua ordem jurídica interna sejam defraudadas legítimas expectativas de cidadãos de Estados que assinaram com Portugal tratados internacionais.

  2. A matéria de facto encontra-se estabilizada, sendo apenas a decisão de direito que motiva a controvérsia. Deve assim o presente recurso ser admitido e ser proferido acórdão final que decida sobre o mérito da questão jurídica objecto dos autos.

  3. O Tribunal de 1ª Instância deu como não provado que o Recorrente fosse possuidor de título válido de especialista da CIRURGIA TORÁCICA. Inconformado o autor recorreu para o Tribunal de 2ª Instância, vindo este a reconhecer razão ao recorrente, considerando o facto provado que aquele se encontra validamente registado na República Federativa do Brasil, como médico com a especialidade de CIRURGIA TORÁCICA.

  4. A decisão de direito tomada na 1ª Instância ficou inquinada pelo juízo de valor formulado quanto à questão de facto de considerar como inválida a inscrição do Autor na especialidade de CIRURGIA TORÁCICA, ao ponto do tribunal a quo considerar este é «O cerne da situação de facto carreada a juízo» (sic). É ainda aquele tribunal quem afirma «Na verdade, o Autor, destituído, como vimos, do título de especialista obtido no país de origem, cuja validade terminou no ano de 1991 (...) mais não resta à Ordem dos Médicos do que, cumprindo a legalidade, sugerir ao Autor uma formação complementar.».

  5. Acontece que o TCAS apesar de dar razão na questão de facto, manteve a decisão de direito. E manteve essa decisão por considerar que quanto ao Estatuto da Ordem dos Médicos estamos perante uma decisão que se inclui no âmbito da discricionariedade técnica, estando, por isso, afastada do DL nº 326/87, de 1/9 e do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta (TACC) celebrado entre Portugal e o Brasil o recorrente não censurou tal apreciação. Ora, salvo todo o respeito por opinião diferente, o TCAS não cuidou de apreciar o recurso interposto, nem pretendeu resolver o problema jurídico que lhe foi colocado. Vejamos: «Salvo o devido respeito por diferente opinião a douta sentença labora num erro de facto, que condicionou a sua decisão de direito. Ou seja, a sentença recorrida parte de uma premissa falsa, que origina a má decisão de direito» (introdução do recurso interposto da sentença em primeira instância).

  6. Uma vez decidida a matéria de facto, tal como a decidiu o TCAS, a decisão de direito teria de responder a esta pergunta: Tendo o Autor título válido de especialista obtido e registado no Brasil, pode o Estado Português, à luz do Tratado Internacional que celebrou com o Brasil (TACC), impedir a inscrição do Autor no colégio da especialidade a Ordem dos Médicos? O Tribunal não respondeu cabalmente a esta questão.

  7. O Recorrente, cidadão brasileiro, tem o direito de aceder à sua profissão, em Portugal, exercendo esse direito em condições idênticas às prescritas para os nacionais dos outros Estados Participantes no processo de integração regional, no caso dos Estados participantes da união europeia (artº 47º do TCC).

  8. Somos, assim, remetidos para o artº3º do Decreto-Lei nº326/87 de 1 de Setembro, que transpõem para a ordem jurídica interna as Directivas Comunitárias e do Parlamento Europeu: «São reconhecidos em Portugal, nas mesmas condições e com os mesmos efeitos referidos no artigo anterior, os diplomas certificados e outros títulos concedidos nos termos e com as denominações constantes do anexo II a este decreto-lei, relativamente ao acesso às correspondentes actividades de médico especialista e ao seu exercício em território português- artº 3º, nº 1 do citado diploma legal.

  9. Enquadrando-se a situação no nº 1 do artº 3º, não resta alternativa ao Estado Português, através da instituição competente (Ordem dos Médicos) se não conformar-se com o ordenamento jurídico interno e com os tratados internacionais celebrados entre duas nações livres e reconhecer em Portugal o título de especialista ao Autor, cidadão brasileiro, médico de profissão e possuidor, no seu país de origem, do título de especialista.

  10. Destarte, em cumprimento do artº 47º do TACC e do artº 3º, nº 1 do DL 326/87, de 1/9, deve a Ordem dos Médicos ser obrigada a reconhecer o título de especialista ao Autor, devendo para tanto inscrevê-lo no colégio de especialidade.

  11. As normas de direito internacional público dispõem de valor superior às normas das leis internas ordinárias. Não pode, assim, o Estado validamente editar normas que contrariem o direito internacional, enquanto se mantiver a vinculação às normas internacionais. No direito internacional rege o princípio "Pacta sunt servanda" que torna imperativo o cumprimento dos tratados e acordos vinculativos para as partes contratantes.

  12. Mas se o recorrente deve ver o seu título de especialista reconhecido em Portugal ao abrigo do TACC, considera que também ao abrigo do disposto no estatuto da Ordem dos Médicos, nomeadamente o seu artº 92º, nº 2 a) podia e devia a Ordem dos Médicos ter procedido à sua inscrição no colégio da especialidade.

  13. A Ordem dos Médicos veio a efectuar a aludida apreciação curricular, tendo considerado que o autor não reunia as condições mínimas para que lhe fosse reconhecida a equivalência. Considerou o TCAS que tal decisão por estar fundamentada se inclui no âmbito da discricionariedade técnica, estando por isso afastada da sindicância do tribunal.

  14. Considera o Júri da Ordem dos Médicos que da análise do CV do recorrente se destaca a sua vertente da formação e actividades académicas e que o facto de estar em Portugal desde 2001, onde está impedido, pela Ordem dos Médicos, de exercer a actividade operatória, tal condiciona a apreciação curricular, e como tal o Júri considera inaceitável o pedido de inscrição apresentado pelo Recorrente - cfr. Alínea l) dos factos provados.

  15. Continua o parecer do Júri, a actividade cirúrgica do candidato embora nalgumas áreas se possa considerar suficiente, noutros campos é restrita ou inexistente. Terminando «no entanto, se a experiência técnica em cirurgia cardio-torácica do candidato for alargada, naturalmente será de esperar, numa eventual oportunidade, o seu pedido venha a ser aceite»- cfr. Alínea l) dos factos provados.

  16. Mas que experiência, ou falta dela, revela o curriculum vitae do Recorrente? A resposta é dada pela alínea K) dos factos provados, onde se percebe que o total das operações cirúrgicas é superior a 300 intervenções (179 operações, excluídas as implantações de "pacemaker" e na área da cirurgia torácica não cardiovascular realizou 127 intervenções.

  17. Ainda na mesma alínea, o Júri considera que «no entanto, seria de esperar que ao fim de 17 anos de prática o Dr. A... apresentasse uma casuística substancialmente maior e que seria expressão de experiência cirúrgica reforçada e amadurecida.» 19. Salvo o devido respeito, o que resulta claro é que a Ordem dos Médicos, através do Júri do Colégio da Especialidade Cardiotorácica, reconhece o Recorrente como médico e como possuidor do título de especialista obtido no seu país de origem, mas recusa a sua inscrição com base na pouca experiência do candidato em número de intervenções cirúrgicas, atento o lapso de tempo da carreira médica.

  18. Quer ao abrigo do disposto nos tratados internacionais, quer ao abrigo do disposto no estatuto da Ordem dos Médicos, deve ser reconhecido ao Recorrente o direito de se inscrever no Colégio da Especialidade na Ordem dos Médicos, revogando-se a decisão do Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos que negou tal inscrição.

  19. Entende-se, assim, que o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, violou os artº 47º do TACC assinado entre Portugal e o Brasil, bem como o artº 3º, nº 1 do Decreto-Lei nº 326/87, de 1 de Setembro, bem como a alínea a) do nº 2 do artº 92º do EOM.

    *Contra-alegou a Ré Ordem dos Médicos, CONCLUINDO assim: 1. O presente recurso não deverá ser aceite, por não preencher os requisitos de admissibilidade previstos no artº 150º do CPA.

  20. O recorrente não identifica as razões excepcionais que justificam a admissão do recurso, ficando-se sem saber exactamente qual a importância que a questão assume no domínio jurídico da interpretação e aplicação do direito, ou em que termos é socialmente importante.

  21. Ainda que venha a ser aceite, o presente recurso deverá ser julgado improcedente, porquanto falecem todos os vícios imputados ao acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que manteve a decisão da primeira instância.

  22. Com efeito, não há omissão de pronúncia.

  23. Tal como o acto impugnado não viola o princípio da igualdade, o Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, celebrado entre Portugal e o Brasil ou o Decreto Lei nº 326/87, de 1 de Setembro.

  24. As decisões...

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