Acórdão nº 021/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelEDMUNDO MOSCOSO
Data da Resolução27 de Novembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NO PLENO DA 1ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: 1 - A..., recorre do Acórdão da Secção, de 14.12.2005 (fls. 314/335), que negou provimento ao recurso contencioso de anulação, que dirigira contra o despacho do SECRETÁRIO DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO EDUCATIVA, de 17 de Julho de 2002, que em processo disciplinar aplicou à recorrente uma pena de multa de 8 salários mínimos nacionais, com obrigação de repor nos cofres do Estado a quantia de 75.972,18 €.

Na respectiva alegação formulou as seguintes CONCLUSÕES: I - O Dec.-Lei nº 553/80, de 21 de Novembro (Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo) não estava "autorizado" pela Lei nº 9/79 (Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo) a legislar sobre matéria da instituição de ilícitos contra-ordenacionais e respectivas sanções, pelo que, nessa parte está ferido de inconstitucionalidade orgânica.

I - O Dec.-Lei nº 553/80, de 21 de Novembro (Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo) é originariamente inconstitucional, na medida em que: (i) - sem credencial parlamentar, regulou aspectos essenciais de uma liberdade abrangida pelo regime de direitos, liberdades e garantias - a liberdade de criação de escolas, enquanto dimensão específica da liberdade de ensino e de educação (liberdade de aprender e ensinar) e como dimensão da liberdade de iniciativa económica privada - e, consequentemente, pela reserva de lei, dando assim corpo a uma inconstitucionalidade orgânica.

(ii) remeteu para Portaria do Governo a regulamentação de matérias que, na versão da CRP em vigor em 1980, já integrava a reserva relativa da Assembleia da República: o Governo não estava autorizado pela Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo (Lei n° 9/79) a legislar sobre matéria da instituição de ilícitos e sanções por infracções ao regime do ensino particular e cooperativo.

II - Após a revisão constitucional de 1982, agudizou-se a inconstitucionalidade do Dec.-Lei nº 553/80, em matéria de sanções a aplicar às escolas particulares e cooperativas, em especial o seu Artigo 99°, passando então a existir também uma inconstitucionalidade superveniente (inconstitucionalidade material e orgânica), na medida em que afronta o disposto no nº 5 do artº. 115º da CRP (hoje n° 6 do artº. 112° da CRP), passou a remeter em branco toda a matéria sancionatória para um acto normativo de natureza regulamentar, operando a deslegalização de uma matéria que, pela sua natureza, é de reserva legislativa.

III - A Portaria nº 207/98, publicada já após a revisão constitucional de 1982, constitui um regulamento integrativo de natureza substantiva e procedimental, em violação do citado nº 5 do artº. 115º da CRP/82.

IV - A inconstitucionalidade do artº 99º/4 do DL 553/80 provoca, por si só, a ilegalidade da Portaria nº 207º/98 (inconstitucionalidade da lei habilitante).

V - A Portaria nº 207/98 enferma de inconstitucionalidade orgânica, na medida em que se ocupa de matérias que, nos termos da CRP, são da competência exclusiva da Assembleia da República: regime de punição de infracções disciplinares e do respectivo processo.

VI - Tal Portaria já não podia sequer "legislar" sobre o regime de punição de infracções disciplinares e respectivo processo, por se tratar de matéria da competência exclusiva da Assembleia da República (artº 165°, n° 1, d) da CRP).

VII - Daí que a sanção disciplinar aplicada com fundamento no Dec.-Lei nº 553/80 e Portaria nº 207/98, bem como as consequências financeiras dela decorrentes, estão feridas de violação da lei (por ausência de suporte legal válido) e de inconstitucionalidade, material e orgânica.

VIII - Quando em 27 de Junho de 2001, foi proferido Despacho de instauração do procedimento disciplinar, este estava PRESCRITO, já que ocorreu mais de 3 meses volvidos sobre o momento em que a Inspectora Geral da Educação ("dirigente máximo do Serviço") tomou conhecimento dos factos susceptíveis de constituir faltas disciplinares, situável no dia 2 de Fevereiro de 2001.

IX. O prazo prescricional inicia-se a partir do conhecimento inicial dos factos susceptíveis de constituir falhas disciplinares e não com qualquer outra fase do procedimento inspectivo ou outro qualquer momento de ponderação das consequências jurídicas dos factos.

X - Não colhe dizer-se que só depois da resposta da Recorrente e análise do contraditório, o dirigente máximo do Serviço tinha condições de avaliar criteriosamente a situação, pois neste passo-Relatório da Auditoria, ou se se quiser Relatório da Acção de Inspecção "Contrato de Associação 1998/99"- não tinha sequer que facultar-se qualquer contraditório à Recorrente.

XI - Se, ao invés, se considerar que havia que facultar à Recorrente o direito de audição prévia naquela fase, nos termos do artigo 100° do CPA, a Recorrente deveria ter sido informada sobre o sentido provável da decisão final ... e não o foi ... com o que estaria verificada a violação de uma formalidade absolutamente essencial, o que constituiria nulidade insuprível, que tornaria ilegal o processo disciplinar e nula, a decisão punitiva.

XII - O acto praticado pelo Secretário de Estado da Administração Educativa que aplicou à Recorrente a sanção de multa e ordenou a reposição/devolução de verbas, sem base legal que o habilitasse para tal, invocando uma delegação de poderes insuficientes, por genérica, fere a decisão recorrida de incompetência relativa, geradora da anulabilidade do acto administrativo.

XIII - A delegação ministerial dos poderes sancionatórios efectuados pelo Despacho nº 15.468/2002 (2ª série) infringe o princípio da especificação dos actos de delegação.

XIV - O douto Acórdão recorrido assenta o seu discurso fundamentador no pressuposto não verdadeiro de que não existiria no presente processo controvérsia acerca da interpretação e aplicação das cláusulas contratuais do Contrato de Associação celebrado em 14 de Maio de 1999.

XV - O despacho recorrido assentou no pressuposto factual errado que a impetrante estava vinculada contratualmente a utilizar as verbas recebidas do Ministério de forma vinculada e cabimentada, sem possibilidade de exercer qualquer autonomia de gestão quanto ao seu melhor aproveitamento, no sentido da prossecução do projecto educativo próprio e específico da Escola; quando recebeu, antes, um valor "a forfait" que a Administração Educativa estimou como suficiente, cabendo-lhe usar (gerir) tal verba segundo princípios de optimização e liberdade de gestão, aplicando os recursos de forma flexível, adequada a fazer face às despesas de funcionamento e investimento, tendo como único limite não comprometer as finalidades acauteladas pela intervenção do contratante público: o fornecimento do bem público "Educação", em condições de gratuitidade..., nas mesmas condições em que tal bem é fornecido pelas escolas de gestão pública.

Tudo radica, pois, justamente na interpretação do Contrato, na hermenêutica das suas cláusulas! XVI - O douto Acórdão pressupõe erradamente que em execução do referido Contrato de Associação teria existido um Orçamento de Despesa, aceite e assumido reciprocamente pelas partes contratantes e que pudesse servir de vínculo contratual; - quando nada disto existiu.

XVII - A DREC (Direcção Regional de Educação do Centro) não solicitou à recorrente a elaboração ou entrega de qualquer Orçamento para o ano lectivo de 1998/1999; nem a DREC, por seu lado, lhe apresentou qualquer Orçamento alternativo ou padrão; bem como a DREC também, nem nesse ano lectivo, nem em qualquer momento posterior, solicitou ao "INSTITUTO" a apresentação de qualquer "conta de gestão" ou similar.

Não resulta do Contrato de Associação nem da lei qualquer obrigação de execução vinculada de um qualquer Orçamento ou de um qualquer elenco de rubricas que contenham cabimentação de despesas.

XVIII - De qualquer forma, tal verba global disponibilizada pelo Estado durante esse ano lectivo de 1998/1999, não preencheu a obrigação contratual assumida pelo Estado de pagar à Recorrente um subsídio por aluno igual ao custo de manutenção e funcionamento por aluno das escolas públicas de nível e grau equivalente, como dispõe o nº 1 do Artº. 15° do Dec.-Lei n°553/80.

XIX. - A controvérsia subjacente ao presente processo - o puntum saliens -, que opõe o Ministério da Educação à Recorrente, prende-se, exactamente, com a interpretação e aplicação da Lei e do Contrato de Associação, com vista a...

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