Acórdão nº 023/07 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelPAIS BORGES
Data da Resolução04 de Novembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Tribunal dos Conflitos: ( Relatório ) A..., jornalista, residente na Av. ..., nº ..., em Lisboa, intentou no Tribunal de Trabalho de Lisboa, contra "R.D.P. - Radiodifusão Portuguesa, S.A.

", acção de condenação emergente de contrato individual de trabalho, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a) indemnização por violação do direito à ocupação efectiva durante 17 anos - € 740.000,00; b) diferenças salariais de 1988 até Fevereiro de 1996 - € 18.047,33; diferenças salariais para as funções de adjunto de director, de Março de 1996 a Julho de 2003 - € 54.855,00; c) indemnização pela não concessão de férias nos anos de 1987 a 1995 - €30.580,00; d) subsídios de férias, não pagos, de 1987 a 2003 - € 25.950,61; e) valor das prestações retributivas acessórias do cargo de adjunto de director, a liquidar em execução de sentença; f) valor de 25% das retribuições auferidas, entre 1976 e 1978, pelo exercício das funções de subchefe de turno e a liquidar, também, em execução de sentença; g) valor do acréscimo de 50% de uma hora de trabalho nocturno, no período de Março de 1996 a Julho de 2003, se nesse período não for reconhecido ao A. o direito à remuneração especial por isenção de horário de trabalho; h) no caso de se vir a entender que não tem direito à remuneração de adjunto de director desde Agosto de 1997, então deve a R. ser condenada a pagar-lhe as diferenças salariais de acordo com a progressão na carreira que deveria ter tido.

Para tanto, alegou, em síntese que foi admitido pela R. em 01/09/74, para prestar serviço como jornalista na então denominada Emissora Nacional, tendo sido inscrito na Caixa Geral de Aposentações, e que, por decisão proferida em processo disciplinar, lhe foi aplicada pela R. a pena de demissão, decisão de que interpôs recurso contencioso tendo em vista a anulação daquele acto, e que se encontra a correr termos.

Que no decurso da relação laboral e em vários períodos mais ou menos longos, a R. impediu o A. de exercer a sua profissão de jornalista, não lhe atribuindo quaisquer funções, afectando-o, em 28/03/85, ao chamado Núcleo Especial de Produção Jornalística (NEPJ), permitindo-lhe auferir a retribuição sem prestação de trabalho.

Que em Setembro de 1995 foi convocado para uma reunião com o Director de Recursos Humanos, onde foi informado de que teria de apresentar-se diariamente naquela Direcção para assinar a folha de presenças, decisão que o A. não acatou, por a considerar ilegal, entendendo não lhe poderem ser atribuídas funções jornalísticas num departamento de recursos humanos.

Que em 1996 a R. decidiu atribuir funções ao A. na Direcção de Informação, passando a exercer funções de adjunto do respectivo Director, B..., mas que a partir de 28/8/97, com a exoneração deste daquele cargo, não voltaram a ser atribuídas tarefas ao A., situação que se manteve até à data da sua demissão.

Na sua contestação, a R. excepcionou a incompetência material do Tribunal do Trabalho, considerando serem os tribunais administrativos os competentes para apreciação da acção.

Por despacho saneador, de 11.07.2006 (fls. 761), foi julgada procedente a invocada excepção de incompetência em razão da matéria, sendo a R. absolvida da instância.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs o A. recurso jurisdicional para a Relação de Lisboa, que, por acórdão de 26.09.2007 (fls. 872), negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

De novo inconformado, interpôs o A. recurso de agravo para este Tribunal dos Conflitos, admitido por despacho de fls. 895, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: 1- O presente recurso vai interposto da sentença que julgou incompetente o Tribunal do Trabalho por, em resumo, o litígio dos presentes autos advir de uma relação jurídica de emprego público. Entendimento com o qual o recorrente não pode concordar, conforme melhor se irá expor.

Considera assim, que com tal interpretação violou a sentença recorrida, entre outras, as normas vertidas nos artigos 4° e 5° do DL 674-C/75, de 2 de Dezembro, 1°, 58° e 59° do DL 167/84, de 22 de Maio, 2° do DL 2/99, de 10 de Janeiro, 3° e 30° do DL 260/76, de 8 de Abril, 2° do DL 519C/79, de 29 de Dezembro, 5° e 21° da Lei 99/2003, de 27 de Agosto e artigo 2.°, n.º 2 do artigo 3.° e artigos 61°/1 e 86°/2 da Constituição da República Portuguesa.

  1. Enquadramento 2- O Recorrente foi admitido pela Recorrida em 01 de Setembro de 1974 para prestar serviço, enquanto jornalista, na então denominada Emissora Nacional.

    3- Em 1975 a Emissora Nacional foi transformada, pelo Decreto-Lei n.º 274-C/75, de 2 de Dezembro em empresa pública, denominando-se a partir de então, RDP - Radiodifusão Portuguesa, EP.

    4- Com a transformação em EP, transitaram para esta nova empresa as posições contratuais, e de entre estas as emergentes de contratos de trabalho.

    5- Nos termos dos artigos 58º e 59º deste último diploma, aos trabalhadores oriundos da extinta Emissora Nacional seria aplicado o regime do contrato individual de trabalho, mantendo contudo a natureza vitalícia do respectivo vínculo à função pública, continuando a aplicar-se-lhes as normas respeitantes aos funcionários da administração central no que se refere a extinção ou modificação do seu vínculo jurídico, regime disciplinar, regime de doença, benefícios concedidos pela ADSE, aposentação e pensão de sobrevivência e abono de família e prestações complementares.

    6- Posteriormente, a RDP, EP, foi transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, pelo Decreto-Lei n.º 2/94, de 10 de Janeiro, passando a ter a denominação actual, RDP - Radiodifusão Portuguesa, SA.

    7- Mais uma vez e nos termos dos seus estatutos, publicados em anexo ao diploma citado, se determina que aos trabalhadores oriundos da extinta Emissora Nacional seria aplicado o regime do contrato individual de trabalho, mantendo contudo a natureza vitalícia do respectivo vínculo à função pública, continuando a aplicar-se-lhes as normas respeitantes aos funcionários da administração central no que se refere a extinção ou modificação do seu vínculo jurídico, regime disciplinar, etc.

    8- Nos restantes aspectos da relação laboral era aplicável o regime do contrato individual de trabalho e, ao longo do tempo, foram aplicáveis várias convenções colectivas e protocolos celebrados, nomeadamente, com o Sindicato dos Jornalistas.

  2. Da natureza do vínculo 9- Dúvidas não existem quanto à natureza pública do vínculo que ligava o recorrente à Emissora Nacional: funcionário público com provimento definitivo.

    10- Com a entrada em vigor do DL 674-C/75, de 2 de Dezembro, a Emissora Nacional é extinta e criada a Radiodifusão Portuguesa, E.P.: estamos pois perante uma nova entidade jurídica - e empresa pública - resultante da fusão simples entre a Emissora Nacional e as empresas privadas de radiodifusão que foram nacionalizadas e no referido diploma enunciadas e nela integradas.

    11- Trata-se de uma pessoa colectiva distinta da pessoa colectiva Estado, com personalidade e capacidade jurídica próprias, com autonomia administrativa e financeira - artigo 4º do DL 674-C/75 e 1º do Estatuto da RDP - E.P., aprovado pelo DL 167/84, de 22 de Maio.

    12- As empresas públicas integram-se no sector empresarial do Estado e são, como define o prof. Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, 1996, vol. I, pág. 365 as organizações económicas de fim lucrativo criadas com capitais públicos e sob a direcção e superintendência de órgãos da Administração Pública.

    13- Nos termos do DL 260/76, de 8 de Abril (artigo 3º) que estabeleceu o regime jurídico das empresas públicas, estas funcionam segundo o princípio da gestão privada.

    14- Corolário do já enunciado princípio resulta o regime dos funcionários das empresas públicas: contrato individual de trabalho - artigo 30º do regime jurídico das empresas públicas.

    15- Por isso mesmo explica o prof. Freitas do Amaral, op. cit., vol. 111, pág. 451, os trabalhadores das empresas públicas têm um regime de contrato de trabalho, e não da função pública, justamente porque as empresas públicas funcionam segundo o princípio da gestão privada. - sublinhado nosso 16- Em conformidade, o regime dos trabalhadores da RDP, EP é o do contrato individual de trabalho - artigo 58º dos Estatutos.

    17- Incluindo o dos oriundos da Emissora Nacional, uma vez que, por efeitos da extinção da Emissora Nacional por fusão, viram o seu contrato caducar.

    18- Estamos pois perante uma sucessão de contratos e uma nova relação de emprego.

    19- Como expressamente referido nos diplomas legais que enquadram a actividade da recorrida até 1984 (com a publicação dos seus estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 167/84, de 22 de Maio): as relações entre a RDP e os seus trabalhadores regeu-se transitoriamente e sem solução de continuidade, pelo regime jurídico que lhes era aplicável à data de criação da Radiodifusão Portuguesa, EP (sublinhado nosso) - artigo 44.º do DL n.º 247/76, de 12 de Abril e DL 371-A/79 de 6 de Setembro.

    20- Este é também o entendimento do Tribunal Constitucional vertido no acórdão n.º 154/86, publicado no D.R. n.º 133, I série, de 12 de Junho de 1986, pág. 1387ss, que resultou do pedido de fiscalização da constitucionalidade de normas constantes do DL 42/84 que determinavam a integração nas empresas públicas e nacionalizadas, a partir de 1 de Maio de 1984, dos funcionários ou agentes do Quadro Geral de Adidos (QGA) que àquela data se...

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