Acórdão nº 01036/06 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Junho de 2008
Magistrado Responsável | PAIS BORGES |
Data da Resolução | 26 de Junho de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: ( Relatório ) O MUNICÍPIO DE SEVER DO VOUGA recorre jurisdicionalmente para este Supremo Tribunal Administrativo do despacho judicial de fls. 117, na parte em que admitiu o depoimento da comparte B..., e da sentença do TAC de Coimbra, de 18.10.2005 (fls. 184 e segs.), pela qual foi julgada parcialmente procedente a acção de responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação, intentada por A...., id. a fls. 2, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu marido ..., sendo o Réu, ora recorrente, condenado a pagar à Autora e à chamada B..., sua filha, a quantia de 11.124,07 €, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e vincendos até integral pagamento.
Na alegação relativa ao recurso do despacho judicial de fls. 117, formula o recorrente as seguintes conclusões: A) O douto despacho recorrido fez uma incorrecta interpretação do artigo 553°, n.º 3 do C.P.C., pois não deveria ter admitido o depoimento da comparte B..., uma vez que o seu depoimento não visa a confissão judicial nem é sobre factos que lhe sejam desfavoráveis; B) O depoimento de comparte apenas deve ser admitido quando incida sobre factos que lhe sejam desfavoráveis, que não tenham sido por si alegados e não consubstanciem a sua causa de pedir e o seu pedido; C) O douto despacho, ora recorrido, ao admitir o depoimento da comparte B..., viola o disposto nos artigos 552º e 554º do C.P.C., pois que admite o uso indevido do instrumento do depoimento de parte; D) A interpretação do Tribunal a quo é contrária ao douto entendimento do Tribunal Constitucional, violando, assim, em última análise os próprios princípios constitucionais sufragados pelo TC.
Não houve contra-alegação.
Na alegação relativa ao recurso da sentença, formula o recorrente as seguintes conclusões: A) Não deve ser admitido o depoimento da Associada da A., B...; B) Não deve ser admitido como meio de prova o auto de fls. 17 e 18 (quererá dizer fls. 18 e 19); C) A decisão que decidiu sobre a matéria de facto carece de fundamentação; D) Devem ser alteradas as respostas dadas aos pontos 2°, 3°, 5°, 10°, 11 °, 13°, 15°, 17°, 22°, 23° e 33° da matéria que constitui a base instrutória; E) Deve ser alterada a resposta ao ponto 2, no sentido de passar a constar "No local, dito no artigo 1°, a estrada tem entre 4 metros e pouco a cinco metros e vinte de largura"; F) Deve ser alterada a resposta dada ao ponto 3, de modo a que conste "prejudicado, ver resposta ao ponto 2"; G) Deve ser alterada a resposta dada ao ponto 5, no sentido de passar a mencionar "Provado que o buraco referido no ponto 4º está afastado do pavimento de asfalto entre 30 a 50 cm e a um nível inferior do mesmo"; H) Deve ser alterada a resposta ao quesito 17°, de modo a que conste "Provado que é possível o cruzamento de veículos"; I) Deve ser alterada a resposta ao quesito 33°, de modo a que conste "Após o acidente e, pelo menos, em 30/01/2002 a Câmara Municipal informou a condutora do ... que não era responsável pelo pagamento de quaisquer prejuízos"; J) Nos presentes autos, não existe qualquer nexo de causalidade entre o buraco que existe na berma e o acidente que o ... sofreu; K) A condutora do ... só invadiu a berma porque não teve uma condução cuidada e segura; L) O buraco sito na berma da estrada não era adequado a produzir um acidente com a dinâmica do descrito nos presentes autos; M) O Recorrente não teve qualquer conduta culposa na falta de sinalização do buraco da berma, uma vez que apenas está obrigado a sinalizar os obstáculos que se encontrem na via de circulação; N) Não existe ilicitude na actuação do Recorrente, ilicitude essa que é exigível como corolário da responsabilidade civil; O) O Recorrente não pode ser condenado a indemnizar as AA pelos prejuízos que decorrem de actuação, no mínimo negligente, da condutora do ....
P) O acórdão recorrido violou, assim, as disposições legais insertas nos artigos 487°, n.º 2; 490°; 653°, n.º 2 e 655° do Código de Processo Civil, bem como os normativos dos artigos 483° e 563° do Código Civil e ainda o disposto no artigo 2° do Decreto-Lei n.º 48051, de 21/11/67.
Contra-alegaram as Autoras, concluindo do seguinte modo: 1. Face ao estabelecido no art° 553°, n° 3 do Cód. Proc. Civil não estava vedado à Autora A... requerer o depoimento pessoal de parte de B..., como fez, e como, à luz do preceito legal mencionado, foi admitido, e bem.
-
Quanto à valoração deste depoimento, que, nas palavras do Réu, deveria ter sido "atendido com cautela, dado o manifesto interesse da mesma na decisão da lide", cumpre referir que o Mmº Juiz não esteve alheio a esse facto, tendo considerado que o seu depoimento "apesar do manifesto e compreensível interesse na decisão da lide se mostrou coerente e digno de credibilidade pelo tribunal".
-
Como decorre da resposta à fundamentação da matéria de facto (fls. 171), o Auto de ocorrência apenas foi tido em conta quanto à largura da estrada, e porque foi confirmado em audiência por outras testemunhas ouvidas em Julgamento.
-
A boa decisão da causa é uma tarefa levada a cabo pelo Julgador, mediante o conjunto de todas as provas que são produzidas em audiência ou carreadas aos Autos pelas partes, não podendo o Mmº Juiz de Julgamento pura e simplesmente abstrair-se de determinados depoimentos em prol de outros (como pretende o Recorrente).
-
Os juízos lógico-dedutivos efectuados na Sentença ora posta em crise são acertados, ali se explicando de forma clara e coerente os seus fundamentos, analisando as diversas provas tidas em consideração. O Recorrente com a sua argumentação apenas pretende extrair dos elementos analisados uma diferente convicção, fazendo o seu próprio julgamento, pretendendo impor o seu próprio raciocínio.
-
Ao Juiz de Julgamento cabe a boa decisão da causa, de acordo com as provas de que dispõe, designadamente a prova testemunhal, que avaliará em obediência aos princípios da oralidade e da imediação (que só a ele são acessíveis) - neste sentido, v.g. Ac. de 07.10.2004, da Relação de Lisboa, Acs. de 26.02.2003, de 09.07.2003 e de 03.03.2005, todos do Tribunal da Relação do Porto (todos pesquisados em www.dgsi.pt).
-
A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não apontando os Recorrentes qualquer fundamento válido que a possa abalar, facto que, de per si, inviabiliza qualquer modificação da matéria de facto, pelo que a matéria de facto não pode/deve ser modificada... E, portanto, e naturalmente, deve manter-se na íntegra a sentença recorrida.
-
A conduta culposa que servirá de base a uma qualquer condenação pode resultar quer de uma acção quer de uma omissão. Face à matéria alegada, é claro que as AA. responsabilizam o Réu pela sua conduta, no mínimo negligente, pois que deixou que um buraco existente mesmo no limiar da parte asfaltada da estrada permanecesse sem qualquer tipo de protecção ou resguardo.
-
O mais alegado pelo Réu não passa do que se disse anteriormente: um cenário imaginário, para o caso de a decisão quanto à matéria de facto vir a ser alterada, caso em que (segundo o Réu) teríamos de concluir pela culpa da B... pela produção do acidente. Atendendo a que não existem quaisquer motivos para que tal venha a acontecer, atendendo a que ficou inequivocamente demonstrado em audiência que a manobra por ela efectuada (de desvio para a direita) foi uma manobra de recurso para evitar males maiores, também esta pretensão do réu terá necessariamente de naufragar.
-
Improcedem assim todas as conclusões das alegações a que ora se responde, sendo que não houve na Sentença violação de nenhuns dos preceitos apontados no recurso da Recorrente.
A Exma magistrada do Ministério Público neste Supremo Tribunal emitiu nos autos o seguinte parecer: "Recurso interposto pelo Município Sever do Vouga do despacho que admitiu o depoimento da comparte B....
Afigura-se-nos que não assiste razão ao Recorrente pelas razões que passamos a referir.
O art. 552º do C.P.C. relativo ao depoimento de parte, estabelece que: «1. O juiz pode em qualquer estado do...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO