Acórdão nº 0857/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução14 de Maio de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A... interpôs, no Tribunal Central Administrativo Sul recurso contencioso de anulação do despacho do Chefe de Estado Maior da Armada, de 15.07.1997, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão, alegando que o mesmo era ilegal não só por ter sido praticado por quem não tinha competência para tal mas também por ter estar ferida de vícios de violação de lei e de forma.

Por Acórdão de 15/08/2008 o recurso foi provido com fundamento na prescrição do procedimento disciplinar.

Inconformado, o CEMA agravou para este Tribunal tendo formulado as seguintes conclusões: I. O douto Acórdão recorrido enferma de erro de julgamento por incorrecta apreciação dos factos e imperfeita interpretação e aplicação do direito.

II. Porquanto a prescrição não corre durante o período em que não pode ser exercido o direito a que respeita.

III.

Efectivamente, no caso sub judice, a prescrição do procedimento disciplinar e do ilícito que lhe deu causa não corre entre a data do despacho punitivo e a da decisão que julgou o recurso contencioso interposto desse acto.

IV.

Neste contexto, se se considera aplicável ao procedimento disciplinar o regime da prescrição do procedimento criminal, há que aplicar todo o regime, incluindo o da suspensão.

V. Pelo que, configurando-se o recurso contencioso do acto punitivo como causa de suspensão da prescrição enquadrável na alínea a) do n.º 1 do art.º 120.º do Código Penal, se conclui que o tempo de pendência do recurso contencioso, enquanto período de suspensão, nunca pode ser considerado para efeito de prescrição.

VI.

Sendo, consequentemente, ilegal a anulação judicial de um acto punitivo a pretexto de que o procedimento disciplinar prescrevera durante a pendência do recurso contencioso dirigido contra esse acto.

VII.

Além de que o Venerando Tribunal a quo errou ao considerar que os factos jurídico-disciplinarmente relevantes ocorreram nos anos de 1990 a 1992.

VIII.

Porquanto resulta da matéria de facto dada como assente que foram igualmente praticados factos susceptíveis de importar responsabilidade disciplinar para o Recorrido nos anos de 1995 e 1996.

IX.

Bem como errou ao invocar o n.º 1 do artigo 4.° do Estatuto Disciplinar para determinar in casu o prazo de prescrição do procedimento disciplinar desconsiderando que estava igualmente em causa matéria do foro penal.

X.

Impondo-se, por isso, lançar mão do n.º 3 do mesmo artigo 4.° daquele diploma.

XI.

Por fim, o Venerando Tribunal a quo nem tão-pouco levantou a pertinente questão da continuação na actuação violadora da disciplina.

XII.

Embora constem do processo elementos que permitem inequivocamente assinalar que a ilicitude disciplinar se manteve ainda na pendência do próprio processo disciplinar levantado ao Recorrido.

O Recorrido contra alegou para formular as seguintes conclusões:

A) O douto Acórdão recorrido não merece qualquer reparo no que concerne quer à sua apreciação na matéria de facto, quer na subsunção dos factos considerou provados à ordem jurídica portuguesa aliás, nos presentes autos, referido duma forma exemplar.

B) Os factos objecto do pretenso ilícito disciplinar ocorreram durante os anos de 1990 e 1992; C) O cômputo global da prescrição supra referente aos factos supra mencionados é de sete anos e seis meses; D) O prazo limite da prescrição dos factos objecto do pretenso ilícito disciplinar há muito que foi atingido; E) Em consequência, deve ser mantido tout court o douto Acórdão recorrido A Ex.ma Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃOI. MATÉRIA DE FACTO.

A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos:

A) O Recorrente iniciou funções como Ajudante de 3ª classe do quadro do pessoal civil do Ministério da Marinha, provido por assalariamento, transitou para o quadro privativo das Oficinas Gerais de Armas e Electrónica e posteriormente para o Arsenal do Alfeite, com efeitos a 01/01/76, como Ajudante de Operário, tendo sido aposentado, em 01 de Setembro de 1995, com a categoria de Auxiliar de Serviço/oficina do nível 8 (cfr. fls. 129 a 138 dos autos); B) Em data que não se pode precisar, o Administrador do Arsenal do Alfeite, solicitou a "instauração de processo de averiguações relativamente ao financiamento do SEAS no respeitante à gestão de verbas atribuídas ao FASA, bem como à legalidade da actual situação financeira, tendo em consideração as normas constantes do respectivo regulamento" (cfr. fls. 3 do Processo Instrutor, doravante P.I.).

C) Realizada a competente averiguação, veio o Administrador do Alfeite, por despacho de 12.02.96, a determinar a instauração de processo disciplinar, entre outros, ao aqui recorrente propondo, ainda, ao Vice Almirante Superintendente dos Serviços do Material (VALMSSM) a nomeação de um instrutor e "o envio deste processo às entidades competentes", a proposta mereceu a anuência do VALSSM e o processo foi remetido ao Almirante Chefe do Estado Maior - Maior da Armada (doravante, CEMA) (cfr. fls. 4 a 48 do P.I.).

D) Em 14 de Fevereiro de 1996, o Almirante CEMA, profere despacho do seguinte teor: "Concordo com o despacho do Vice Almirante Superintendente dos Serviços do Material, nomeando o contra-almirante AN B..., para instruir o processo disciplinar aos quatro funcionários, identificados no despacho de 12FEV96, do AA.

Por outro lado remeta - se o processo a Sua Excelência o Procurador Geral da República, para efeitos do competente procedimento criminal" (cfr. fls. 49 do P.I.).

E) Depois de levadas a cabo as diligências instrutórias julgadas necessárias, foi notificada ao recorrente, em 06.03.97, nota de culpa com o seguinte teor: "(...) 1.º1.1. Em 29 de Maio de 1985, foi aprovado o Regulamento do Fundo de Acção Social do Alfeite (FASA) pelo Conselho de Directores, destinando-se a auxiliar os trabalhadores do Arsenal do Alfeite (com mais de um ano de serviço), atingidos por situações económicas difíceis, concedendo-lhes empréstimos, sem juros, amortizáveis em prestações mensais, cujo número não poderá ser superior a doze, e descontadas nos vencimentos dos peticionários, instituindo-lhes um princípio de não acumulação de empréstimos, conformes pontos 1.a, 3.a, 5.b, 5.c e 8.b do atrás citado Diploma.

1.2. Caberia aos Serviços Sociais, posteriormente designados por Serviço de Acção Social (SEAS), a administração do FASA, conforme pontos 4.a e 8 do Regulamento.

1.3. O arguido entrou para o serviço do SEAS em 11 de Dezembro de 1989, passando a seu pedido à situação de aposentado em 01 de Setembro de 1995.

  1. O arguido levantou da Tesouraria os montantes dos empréstimos autorizados, assinando os recibos dos empréstimos a rogo dos peticionários, quando estes sabiam assinar e sem qualquer justificação para o mesmo, nomeadamente, os empréstimos n.ºs 126/91 e 42/1, a favor de C..., e os empréstimos n.ºs 54/92 e 129/92, a favor de D....

  2. O peticionário D... não contraiu nem recebeu os empréstimos n.ºs 54/92 e 129/92 levantados a rogo pelo arguido.

  3. Relativamente ao empréstimo n.º 62/92, contraído a favor de E..., no valor de Esc.100.000$00, e levantado a rogo do arguido, nunca foi contraído pelo "peticionário", tendo o seu nome sido indevidamente utilizado pelo arguido, para levantar o empréstimo, abusando da sua relação de amizade com E..., datada do tempo em que trabalhavam juntos na oficina de óptica do Arsenal.

  4. Relativamente ao empréstimo n.º 39/92, contraído a favor de F..., no valor de Esc. 120.000$00, e levantado a rogo pelo arguido, nunca foi contraído pelo trabalhador do Arsenal, tendo o seu nome sido indevidamente utilizado pelo arguido para levantar o empréstimo, abusando da sua relação de amizade com F..., datada do tempo em que trabalhavam juntos na oficina de óptica do Arsenal.

  5. O arguido levantou o empréstimo n.º 10/92, alegadamente concedido a F..., quando a assinatura aposta no respectivo documento de concessão se encontra notoriamente falsificada.

  6. O próprio arguido contraiu empréstimos para si. O arguido amortizou na totalidade o empréstimo n.º 511/90 contraído no valor de Esc. 50.000$00, nos meses de Janeiro e Fevereiro de 1992 prestações de Esc. 6.000$00, e nos meses de Janeiro a Setembro de 1993 prestações Esc. 5.000$00, tendo-lhe sido restituídos, indevidamente, Esc. 3.000$00, quando tinha a receber, apenas, Esc. 2.000$00, conforme o arguido bem sabia e, não obstante conhecer que recebia mais do que devia, o arguido nada fez para regularizar a situação.

  7. O arguido amortizou na totalidade o empréstimo n.º 564/90 contraído no valor de Esc. 50.000$00, nos meses de Outubro a Dezembro de 1993 e nos meses de Janeiro a Julho de 1994, em prestações de Esc. 5.000$00, tendo-lhe sido restituídos, indevidamente, Esc. 5.000$00. O arguido bem sabia que não lhe eram devidos e, no entanto, nada fez para corrigir a situação.

  8. O arguido amortizou o empréstimo n.º 62/91 contraído no valor de Esc. 50.000$00, nos meses de Agosto a Dezembro de 1994, em prestações de Esc. 5.000$00, até um total de Esc. 25.000$00. E não obstante não ter amortizado na totalidade o referido empréstimo, o arguido recebeu a título de restituição, e sem qualquer justificação para o facto, Esc. 2.000$00. E não mais efectuou qualquer amortização do empréstimo contraído. Assim, o arguido bem sabia que tinha quantias em dívida, que recebia dinheiro que não lhe era devido, e nada fez para corrigir a situação.

  9. O próprio contraiu, posteriormente, sem que tivesse saldado na totalidade, o empréstimo anterior, os empréstimos n.ºs 141/91, 169/91 e 4/95, bem sabendo que violava o princípio de não acumulação empréstimos vertida no ponto 5.c do Regulamento e, 11ºNão mais efectuou qualquer desconto no vencimento para amortizar estes empréstimos entretanto contraídos, quando bem sabia que possuía essas dívidas e que era seu dever pagá-las.

  10. Os descontos no vencimento foram interrompidos por ordem do SEAS, a que competia, exclusivamente, efectuar as ordens de desconto e as respectivas ordens de cancelamento. Ora, o...

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