Acórdão nº 346/15 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução23 de Junho de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 346/2015

Processo n.º 85/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

O Magistrado do Ministério Público, invocando o disposto nos artigos 205.º, n.º 1, da Organização Tutelar de Menores, 1865.º, n.º 5, e 1866.º, a contrario sensu, do Código Civil, propôs no Tribunal Judicial da Comarca de Cascais ação comum declarativa contra A., peticionando que fosse reconhecido que o menor B. é filho do Réu.

Após contestação do Réu realizou-se audiência de Julgamento, tendo sido proferida sentença em 4 de novembro de 2013 que julgou a ação procedente.

O Réu recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em 12 de novembro de 2014, julgou o recurso improcedente.

O Réu recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, requerendo a fiscalização da constitucionalidade dos artigos 202.º e seguintes da OTM, 1864.º e seguintes do Código Civil e 1869.º e seguintes do Código Civil, na interpretação de que é possível proceder à averiguação oficiosa e/ou reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progenitor.

Apresentou alegações, com as seguintes conclusões:

(a) O ora recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade dos artigos 202.º e seguintes da OTM, 1864.º e seguintes do Código Civil, e 1869.º e seguintes do Código Civil, na interpretação de que é possível proceder a averiguação oficiosa e/ou reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progenitor, por violação do disposto no artigo 13.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

(b) Note-se, a este respeito, que o artigo 67.º, n.º 2, alínea d), da CRP, dispõe: «Incumbe, designadamente, ao Estado, para proteção da família: garantir, no respeito da liberdade individual, o direito ao planeamento familiar, promovendo a informação e o acesso aos métodos e aos meios que o assegurem, e organizar as estruturas jurídicas e técnicas que permitam o exercício de uma maternidade e paternidade conscientes.» (os sublinhados são nossos).

(c) A identidade de interesses, a semelhança das situações, entre o direito da mulher à determinação do momento adequado para exercer a maternidade (ou não, ou mesmo nunca) e o aqui discutido direito do homem a determinar o momento adequado para exercer a paternidade (ou não, ou mesmo nunca), implicará que todo o argumentário aplicado à situação da mulher aquando dos referendos efetuados em Portugal em torno da I.V.G. e aquando da subsequente decisão do legislador de a despenalizar, nos termos referidos no art. 142.º, n.º 1, al. e), C. P., na redação introduzida pela Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, seja aplicável agora, de modo semelhante, ao homem.

(d) Os interesses (ou critério de determinação da igualdade relativa) subjacentes à vontade de não procriar são substancialmente iguais para mulheres e homens, a autodeterminação e livre desenvolvimento da personalidade - sendo estes interesses que também o Senhor Conselheiro Rui Moura Ramos referiu no seu voto de vencido no Acórdão n.º 75/2010, do Tribunal Constitucional.

(e) E nem se invoque, em contrário e como parece fazer o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o "interesse do menor" ou o direito do mesmo à sua identidade/filiação.

(f) Aliás, a lei inglesa (Family Law Act de 1985, secção 55A) prevê o não estabelecimento da paternidade no caso de se tratar de uma criança e se concluir que o estabelecimento não seria no seu melhor interesse.

(g) A declaração de inconstitucionalidade das citadas normas não implica uma violação do direito ao nome, até por nada obrigar, atualmente, a que os apelidos sejam, também, os do pai, pois a lei admite que a criança possa ter apelidos só da mãe, como resulta do art. 1875.º, n.º 1, C. C.

(h) Pelo Acórdão n.º 401/2011 do Tribunal Constitucional foi decidido que o direito a conhecer a paternidade biológica (ou direito ao conhecimento das origens genéticas) e o de estabelecer o respetivo vínculo jurídico, não são valores absolutos, tendo de ser compatibilizado com outros, como o da reserva da vida privada.

(i) Note-se que mesmo no nosso ordenamento jurídico se prevê, em alguns casos, a relativização do vínculo genético: art. 1839.º, n.º 3, C. C., não é permitida a impugnação da paternidade com fundamento em inseminação artificial ao cônjuge que nela consentiu, e, na Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, o teor do art. 10.º, n.º 2, os dadores não podem ser havidos como progenitores da criança que vai nascer e o do art. 21.º, o dador de sémen não pode ser havido como pai da criança que vier a nascer, não lhe cabendo quaisquer poderes ou deveres em relação a ela.

(j) Em todo o caso, dúvidas não subsistirão de que, no nosso ordenamento jurídico, se mostra consagrada a autodeterminação parental da mulher, pois está legalmente consagrada a possibilidade de a mulher optar pela interrupção voluntária da gravidez até à décima semana - cfr. Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, que alterou a redação do art. 142.º, n.º 1, do Código Penal, aditando ainda ao mesmo a alínea e).

(k) Sendo que a vontade do homem não é acautelada juridicamente nos casos em que este pretenda que o filho nasça e a mulher não, abortando.

(l) Não só a mulher é livre de não ter um filho que o homem quer, como também é livre de o ter quando o homem não o quer.

(m) No mencionado Acórdão n.º 75/2010 do Tribunal Constitucional foi tido em devida conta que para a mulher "o respeito pela vida intrauterina não se traduz apenas, como para terceiros, num dever de omitir qualquer conduta que a ofenda, [vindo] também a implicar, após o nascimento, na vinculação, por largos anos, a deveres permanentes de manutenção e cuidado para com um outro, os quais oneram toda a sua esfera existencial.

(n) Após o nascimento não será aplicável para o homem o mesmo argumento?

(o) Tendo a interrupção voluntária da gravidez, por mera opção da mulher, sido introduzida no ordenamento jurídico e considerada compatível com o teor dos arts. 24.º (direito à vida), 25.º (direito à integridade pessoal) e 36.º (família, casamento e filiação) da C.R.P. enquanto corolário do direito ao livre desenvolvimento da personalidade e do direito à reserva da vida privada e familiar (art. 26.º, nº? 1, C.R.P.), ficou consagrada a tutela do direito à autodeterminação negativa em sede de procriação, para a mulher, discriminando o homem em razão do sexo atentos os artigos 202.º e seguintes da OTM, 1864.º e seguintes do Código Civil, e 1869.º e seguintes do Código Civil, na interpretação de que é possível proceder a averiguação oficiosa e/ou reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progenitor.

(p) Assim, e com o douto suprimento de V. Exas., deverá salvo melhor opinião ser...

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