Acórdão nº 349/15 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução23 de Junho de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 349/2015

Processo n.º 61/2014

  1. Secção

Relator: Conselheira Ana Guerra Martins

Acordam, na 2ª Secção, do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, em que é recorrente o Clube de Futebol União de Coimbra e são recorridos A. e Outros, B. e C., foi proferido o Acórdão n.º 111/2015, de 11 de fevereiro de 2015, que decidiu não julgar inconstitucionais as normas em apreciação retiradas dos artigos 17.º e 15.º do CIRE, e, em consequência, não conceder provimento ao recurso de constitucionalidade interposto.

2. Notificado daquele acórdão, por requerimento apresentado em 26 de fevereiro de 2015 (fls. 443 a 458), o recorrente veio invocar a nulidade do mesmo, com os seguintes fundamentos:

“(…)

  1. Considerações gerais

    Primeiramente referir que se mantém todo o respeito pelo Tribunal Constitucional em si, tudo se traduzindo numa discordância de opinião e diverso sentir da legalidade bem como da justiça, não se deixando todavia de louvar o esforço e ensaio decisório levado a cabo.

    Todavia, os efeitos da douta decisão sentir-se-ão sobremaneira numa agremiação desportiva, seus associados, simpatizantes, adeptos e pais dos jogadores, que se mostrarão em vias de ver extinto um símbolo da cidade de Coimbra, o que para todo o sempre ficará manchado pela decisão já proferida (na eventualidade de não ser doutamente revogada!), a qual tem consubstanciado verdadeira demissão ajuizativa, seu pecado original…

    E verdade seja dita em clamoroso auxílio da recorrente constata-se que o ora decido acaba por revelar-se mera avaliação “pela rama” de ambas as questões, pois em sede de alegações lançaram-se mão de argumentos que tão-pouco se mostram equacionados.

    Acaba a douta decisão por se centrar num acórdão já anteriormente proferido pelo Tribunal Constitucional mas que, com o devido respeito, se mostrará já ultrapassado, quer pelas alterações legislativas verificadas quer pela dinâmica processual e crise económica superveniente, que inequivocamente conferiram todo um figurino diverso aos processos de insolvência.

    E todos estes dados de facto alteraram a base decisória!

    II) Do recurso

  2. Da remissão do art. 17º CIRE e critério do valor (questão §§1)

    Mostra-se alegado em sede decisória, como argumento de suporte do doutamente decidido, o teor do acórdão n.º 328/2012 do Tribunal Constitucional.

    E se é certo que a transcrição levada a cabo será fidedigna, importa ter em conta o desfecho e decisão vertida em tal douta decisão.

    Na verdade, basta notar que a própria recorrente havia indicado o mesmo acórdão como argumento alegatório, sendo certo que, tal qual se tem por consabidamente notório, uma coisa não pode ser o que é e simultaneamente o seu contrário.

    E basta notar que na douta decisão citada consta a seguinte passagem,

    “Ora, o critério do valor do ativo corresponde inteiramente à finalidade precípua do processo de insolvência, que a própria lei define como um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista no plano de insolvência (artigo 1.º do CIRE). A articulação desse valor com a alçada do tribunal e a correspondente irrecorribilidade das decisões que a não superem não colide com a Constituição (Acórdão n.º 348/08). Porém, a aplicação irrestrita desse mesmo critério para efeitos de determinação de recorribilidade das decisões relativas à exoneração do passivo restante conduz a um resultado contrário à própria razão que justifica a irrecorribilidade das decisões proferidas em causas de valor inferior à alçada do tribunal de que se recorre. Assim, um devedor cujo ativo seja superior à alçada e a quem seja indeferida pretensão de “exoneração de passivo restante” poderá recorrer da decisão de indeferimento qualquer que seja o montante desse passivo (embora, na prática, deva ser superior ao ativo porque isso está implícito na situação da insolvência). Porém, um devedor cujo ativo seja inferior à alçada ficará impedido de recorrer de decisão similar, mesmo que pretenda impugnar uma decisão que lhe indefira pretensão de exoneração de passivo superior à alçada do tribunal de 1ª instância. Sujeitos em identidade de situação no que à pretensão material e de tutela jurisdicional respeita recebem tratamento diverso. Isto resulta de, na solução normativa questionada, se abstrair da finalidade especial do incidente, que é distinta da finalidade típica imediata do processo de insolvência, recorrendo-se a um fator estranho à utilidade económica específica do pedido que é objeto dessa decisão. Com esta interpretação, interessados a quem a decisão é tão ou mais desfavorável ficam impedidos de recorrer em função do valor da causa determinado pelo ativo em liquidação, enquanto outros, em idêntica ou menos desfavorável situação, gozarão da faculdade de recorrer perante decisões similares. E essa diferenciação resulta apenas de atribuição de relevância a um fator (o valor do ativo) que é estranho à finalidade legal do incidente.

    Assim, a escolha desse fator para determinação do valor do incidente de exoneração do passivo restante, na sua relação com a alçada do tribunal de 1ª instancia e a consequente recorribilidade das decisões nele proferidas, não pode deixar de considerar-se critério arbitrário ou ostensivamente inadmissível, por tratar desigualmente sujeitos em posição idêntica naquilo que pode justificar o acesso ao tribunal superior. Embora do artigo 20.º da CRP não decorra o direito a um 2º grau de jurisdição em processo civil e não seja constitucionalmente proibida a adoção do valor da causa como critério de determinação da admissibilidade do recurso, é contrário à proibição de arbítrio um critério de determinação do valor para efeitos de relação da causa com a alçada do tribunal que conduza a que sujeitos afetados com a mesma intensidade por decisões judiciais sejam colocados em posição diversa quanto à admissibilidade de impugnação da respetiva decisão desfavorável.”

    E termina assim, com a seguinte decisão:

    “9. Decisão

    Pelo exposto, concedendo provimento ao recurso, decide-se:

    1. Julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição, a norma que resulta das disposições conjugadas do artigo 15.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º53/2004, de 18 de março, e do n.º 1 do artigo 678.ºdo Código de Processo Civil, interpretados no sentido de que, no recurso de decisões proferidas no incidente de exoneração do passivo restante em processo de insolvência, o valor da causa para efeitos de relação com a alçada do tribunal de que se recorre é determinada pelo ativo do devedor;

    2. Determinar a reforma da decisão em conformidade com o agora decidido quanto á questão de constitucionalidade.”

      Mas importa ainda chamar à colação o teor do acórdão n.º 585/2014, proferido pelo Tribunal Constitucional, no âmbito do processo 3/2014, que termina assim:

      Ora, o critério do valor do ativo corresponde inteiramente à finalidade precípua do processo de insolvência, que a própria lei define como um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista no plano de insolvência (artigo 1.º do CIRE). A articulação desse valor com a alçada do tribunal e a correspondente irrecorribilidade das decisões que a não superem não colide com a Constituição (Acórdão n.º 348/08). Porém, a aplicação irrestrita desse mesmo critério para efeitos de determinação de recorribilidade das decisões relativas à exoneração do passivo restante conduz a um resultado contrário à própria razão que justifica a irrecorribilidade das decisões proferidas em causas de valor inferior à alçada do tribunal de que se recorre. Assim, um devedor cujo ativo seja superior à alçada e a quem seja indeferida pretensão de “exoneração de passivo restante” poderá recorrer da decisão de indeferimento qualquer que seja o montante desse passivo (embora, na prática, deva ser superior ao ativo porque isso está implícito na situação da insolvência). Porém, um devedor cujo ativo seja inferior à alçada ficará impedido de recorrer de decisão similar, mesmo que pretenda impugnar uma decisão que lhe indefira pretensão de exoneração de passivo superior à alçada do tribunal de 1ª instância. Sujeitos em identidade de situação no que à pretensão material e de tutela jurisdicional respeita recebem tratamento diverso. Isto resulta de, na solução normativa questionada, se abstrair da finalidade especial do incidente, que é distinta da finalidade típica imediata do processo de insolvência, recorrendo-se a um fator estranho à utilidade económica específica do pedido que é objeto dessa decisão. Com esta interpretação, interessados a quem a decisão é tão ou mais desfavorável ficam impedidos de recorrer em função do valor da causa determinado pelo ativo em liquidação, enquanto outros, em idêntica ou menos desfavorável situação, gozarão da faculdade de recorrer perante decisões similares. E essa diferenciação resulta apenas de atribuição de relevância a um fator (o valor do ativo) que é estranho à finalidade legal do incidente.

      Assim, a escolha desse fator para determinação do valor do incidente de exoneração do passivo restante, na sua relação com a alçada do tribunal de 1ª instancia e a consequente recorribilidade das decisões nele proferidas, não pode deixar de considerar-se critério arbitrário ou ostensivamente inadmissível, por tratar desigualmente sujeitos em posição idêntica naquilo que pode justificar o acesso ao tribunal superior. Embora do artigo 20.º da CRP não decorra o direito a um 2º grau de jurisdição em processo civil e não seja constitucionalmente proibida a adoção do valor da causa como critério de determinação da admissibilidade do recurso, é contrário à proibição de arbítrio um...

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