Acórdão nº 257/15 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Abril de 2015

Data29 Abril 2015
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 257/2015

Processo n.º 1155/13

  1. Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente Casa de Repouso de Coimbra e recorrido A., a relatora proferiu decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso, com fundamento no não preenchimento do pressuposto de admissibilidade do recurso relativo à questão de constitucionalidade normativa (cfr. Decisão Sumária n.º 103/2015, fls. 479-489), nos termos seguintes (cfr. II – Fundamentação):

    (…)

    4. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 117), com fundamento no artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC.

    Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

    5. Do teor do requerimento de interposição de recurso apresentado pela recorrente decorre que do requerimento constam: a indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto – alínea b) do n.º 1 artigo 70.º; a indicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie – «artigo 4.°, n.º 1, al. f), do Regulamento das Custas Processuais, no sentido de se não encontrar a Recorrente isenta de custas, como se invoca»; a indicação da norma ou princípio constitucional que se considera violado – «artigo 63.°, n.º 5, da Lei Fundamental» e a indicação da peça processual em que a recorrente alega ter suscitado a questão da inconstitucionalidade – «nas alegações de recurso de apelação da Recorrente» (fls. 107).

    6. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – todos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt).

    Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.

    7. Cumpre, primeiramente, delimitar o objeto do presente recurso de constitucionalidade em atenção ao requerido pela recorrente no respetivo requerimento de interposição do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade. É por referência ao pedido formulado no requerimento de interposição de recurso – no confronto com o que foi suscitado junto do Tribunal recorrido – que se procede à delimitação do objeto do presente recurso.

    Pretende a recorrente que seja apreciada a questão de constitucionalidade da «interpretação a que o mesmo procedeu do artigo 4.°, n.º 1, al. f), do Regulamento das Custas Processuais, no sentido de se não encontrar a Recorrente isenta de custas, como se invoca (…) com fundamento na violação do artigo 63.°, n.º 5, da Lei Fundamental» (cfr. requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, fls. 107).

    Na peça processual indicada pela recorrente como o momento em que suscitou a questão perante o Tribunal ora recorrido – «alegações de recurso» para o Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) (fls. 3-20), apresenta a ora recorrente as razões da sua discordância, sustentando, por invocação do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea f) do Regulamento das Custas Processuais, encontrar-se a recorrente isenta de custas. Isto, porquanto, conforme alegado pela ora recorrente junto do TRC (cfr. Alegações de Recurso, Conclusões, fls. 13-17):

    (…)

    1) Ao decidir como decidiu, o despacho recorrido errou, s.d.r., na interpretação e na aplicação das competentes normas legais, designadamente, violando o disposto no artigo 4.°, n.º 1, ai f), do Regulamento das Custas Processuais;

    2) A Recorrente encontra-se isenta de custas no presente processo, de acordo, ademais, com decisão que se não pode deixar de considerar tomada previamente nesta ação;

    3) Conforme melhor resulta da declaração de registo, publicada no D.R., 3.ª série, n.º 293 (vd doc. n.º 1 junto com a contestação da ora Recorrente), "a fundação tem por objetivos facultar serviços do âmbito de ação social e de saúde";

    4) É nestes mesmos termos que a Ré se encontra registada como IPSS (e, por conseguinte, pessoa coletiva privada sem fins lucrativos e pessoa de utilidade pública), sendo que existe, enquanto tal, para prestar, também, cuidados de saúde, como sucede no caso presente;

    5) O facto de ser atividade acessória da realização das finalidades estatutárias ou o de constituir suporte financeiro do desenvolvimento dos objetivos estatutários não afastam a atividade de prestação de cuidados de saúde ora em causa do âmbito de aplicação da sobredita isenção, antes a impõem, na justa medida em que a realização de tais fins depende e é também garantida pela dita atividade da Recorrente;

    6) Nem a afasta o facto de em causa estar um contrato de "prestação de serviços hospitalares com terceiros", "com vista à obtenção de meios para o exercício das suas atribuições";

    a) Sendo certo que é falso, rotundamente falso, que "os serviços médicos e cirúrgicos (...) foram contratados e suportados pela R.", como o é que tal resulte da contestação da Recorrente, pelo que se impõe substituir a decisão recorrida no que se refere ao suposto circunstancialismo;

    7) Veja-se o caso dos contratos de prestação de serviço celebrados, seja expressa, seja tacitamente, com os utentes das respostas sociais e serviços de cuidados continuados desenvolvidos pela Recorrente no contexto das suas atribuições, no âmbito são fixadas com participações familiares, pagas pelos utentes e famílias pela utilização das ditas respostas sociais; essas comparticipações constituem receitas da Recorrente, destinadas à consecução dos objetivos estatutários, logo, são celebrados, também esses contratos, "com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições", logo, são instrumentais; absurdo seria, s.m.o., que, por aplicação do raciocínio defendido no despacho em crise, uma qualquer ação que tivesse por objeto um litígio referente a tais contratos ou receitas, igualmente "obtidos para o exercício das suas atribuições", como no caso da atividade ora em causa, fosse excluída do benefício da isenção processual de custas;

    8) A prestação de serviços de saúde ora em causa insere-se ela mesma no elenco das atribuições da Recorrente, encontrando-se estatutariamente consagrada como atividade destinada à prossecução dos seus fins;

    9) O facto de se tratar de atividade não prestada a título principal não é, para o caso presente, relevante, pois a questão é a de saber se está ou não em causa uma atuação da Recorrente "no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável";

    10) Resposta que não pode deixar de ser afirmativa: de facto, para realizar os seus fins estatutários, a Recorrente prossegue atividades de prestação de serviços de saúde, ainda que instrumentalmente;

    11) E onde a lei não distingue (no caso, o artigo 4.°, n.º 1, al. f) do RCP) não deve o intérprete distinguir, muito menos quando não haja razões ponderosas que o imponham, como é o caso;

    12) Desde que afetas as respetivas receitas aos fins estatutários de ação e solidariedade social e desenvolvidas por causa deles, as "atividades que concorram para a sua sustentabilidade financeira" - que, de acordo com o entendimento assente nesta matéria, estas instituições podem prosseguir, ainda que de modo secundário - devem ser abrangidas pela isenção de custas legalmente consagrada, na justa medida em que, estando em causa, como está, o exercício de "funções públicas" e de "interesse público" que "ao Estado incumbe facilitar" (citações do despacho recorrido), e não podendo este mesmo Estado oferecer os meios financeiros suficientes para garantir a prossecução das sobreditas finalidades, convidando as instituições a financiá-las através de atividades instrumentais, as mesmas não podem, certamente deste ponto de vista do apoio do estado, ser desligadas dos objetivos a que se destinam;

    13) E se esses objetivos de ação social merecem tal tutela do Estado, nomeadamente por via da isenção de custas processuais, também a merecem as atividades que a instituição desenvolve para os conseguir realizar;

    14) O artigo 63.°, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa garante que o Estado apoia a atividade e o funcionamento das IPSS com vista à prossecução de objetivos de solidariedade social. E a atividade ora em causa é desenvolvida com vista à prossecução desses objetivos de solidariedade social;

    15) De atos como os que constituem objeto do presente processo depende a consecução do escopo estatutário e demais interesses especialmente atribuídos à Recorrente, bem como a defesa do estatuto de utilidade pública que, enquanto IPSS, lhe pertence;

    16) A interpretação ora operada do artigo 4.°, n.º 1, al. f), do RCP está em violação manifesta do dito preceito da Lei Fundamental, sendo inconstitucionalmente restritiva e...

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