Acórdão nº 83/15 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução28 de Janeiro de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 83/2015

Processo n.º 849/14

  1. Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. No Tribunal Judicial de Setúbal, presentes os autos pelo Ministério Público para julgamento em processo sumário, foi pelo juiz em funções de turno proferido despacho com o seguinte teor:

    No dia de hoje – no âmbito de serviço prestado em turno – foi-nos presente o processo vertente, nos termos da promoção neles havida, no sentido do arguido ser sujeito a julgamento na forma de processo sumário, em data e hora específicos deste mesmo dia.

    Tal tramitação obedeceu ao teor do artigo 38[2].º/5 do Código de Processo Penal, cujo teor reza:

    “Nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4, o Ministério Público notifica o arguido e as testemunhas para comparecerem, decorrido o prazo solicitado pelo arguido para preparação da sua defesa, ou o prazo necessário às diligências de prova essenciais à descoberta da verdade, em data compreendida até ao limite máximo de 20 dias após detenção, para apresentação a julgamento em processo sumário”.

    Nos termos constitucionais (artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa) e estatutários, incumbe ao Ministério Público, designadamente, o exercício da ação penal.

    Incumbindo aos Tribunais, enquanto órgãos de soberania e aos seus titulares (os Magistrados Judiciais) a competência para, com independência e nos limites da lei, administrar a justiça em nome do povo (respetivamente, artigos 202.º e 203.º, da Constituição da República Portuguesa).

    Sendo a competência para a realização de julgamento – inserta na administração da justiça – atribuição exclusiva dos Magistrados Judiciais.

    Desse múnus decorrendo que as diligências respeitantes à fase de julgamento, que incumbe exclusivamente aos Magistrados Judiciais, sejam determinadas pelos próprios.

    Não se podendo deixar de considerar incluídas em tais diligências, a designação da data em que o julgamento haverá de decorrer, a levar a cabo pelo Ministério Público, a quem é deferida a exclusiva atribuição para a sua realização, nos limites da Lei (no caso da forma especial de processo sumario, em 20 dias – cfr. artigos 381.º e ss. do Código de Processo Penal).

    Significando isto, não ser aceitável, sob pena de violação do princípio da independência, vertido na Lei Fundamental, que o agendamento para a prática de um ato que é da exclusiva atribuição do Magistrado Judicial fique na disponibilidade de um Magistrado do Ministério Público, em clara extrapolação das atribuições que constitucionalmente se lhe encontram deferidas (artigo 219.º/1 da Constituição da República Portuguesa).

    Ademais;

    Ao Ministério Público incumbe, no âmbito do exercício da ação penal, a realização das diligências tidas como pertinentes, para a obtenção de prova conducente à dedução de acusação ou ao arquivamento, de acordo com a estrutura acusatória do processo penal (artigo 32.º/5 da Constituição da República Portuguesa).

    Não lhe incumbe a realização das “diligências de prova essenciais à descoberta da verdade” (n.º 4 do artigo 382.º do Código do Processo Penal, para o qual remete o n.º 5, já citado), pois que a descoberta da verdade (conducente a uma decisão final, quer condenatória, quer absolutória), é a finalidade privativa do julgamento.

    Acrescendo que, fazer confluir na mesma entidade (Ministério Público), a possibilidade de dedução de acusação e de realização de “diligências de prova essenciais à descoberta da verdade” fora do âmbito próprio (ou seja, do julgamento e do contraditório que o define) é possibilidade que atenta contra as garantias de processo criminal, consagradas no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

    Sendo certo ainda, que o estatuído no artigo 382.º/5 do Código do Processo Penal, consente no limite, a possibilidade da convocação pelo Ministério Público para apresentação de arguido a julgamento, no vigésimo dia após detenção, impossibilitando o julgador, a quem incumbe nos termos do princípio do inquisitório que também norteia o Código do Processo Penal (e a ele, em exclusividade), a realização de diligência de prova tidas como essenciais à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, que entenda dever ser levadas a cabo antes da realização do julgamento (v.g. relatórios periciais) a favor do arguido, e de as apreciar nesta forma especial do processo.

    Também por aqui se abrindo a porta à violação das garantias de processo criminal, consagradas no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

    Pelo exposto, tudo visto e ponderado decide-se:

    Não aplicar, por violação dos artigos 32.º, 202.º, 203.º e 219.º/1, todos da Constituição da República Portuguesa (o último dos quais, por extrapolação das competências do Ministério Público), os n.ºs 5 e 4 (este último, na parte em que prevê a realização pelo Ministério Público de diligências de prova essenciais à descoberta da verdade, cujo local próprio é o julgamento) do artigo 383.º do Código do Processo Penal.

    Consequentemente:

    Tendo a tramitação dos autos decorrido ao abrigo do artigo 382.º, n.ºs 5 e 4 do Código do Processo Penal, que se decidiu não serem aplicáveis, por inconstitucionais, decide-se anular todo o processado subsequente à dedução da acusação.

    Notifique, aguardando os autos os seus ulteriores termos, mormente, o recurso a interpor da presente decisão”.

    2. Veio o Ministério Público, invocando o disposto nos artigo 70.º, n.º 1, alínea a), 71.º, n.º1 e 78.º, n.º 3, da LTC, interpor recurso (obrigatório) para o Tribunal Constitucional do referido despacho...

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